O feito da porto-alegrense Amanda Criscuoli, 17 anos, em ser a mulher mais jovem do Brasil e única do estado a conquistar o grau 10a da escalada esportiva, colocou em evidência um local pouco conhecido por moradores de Caxias. Foi a geografia da Serra gaúcha e a visão de escaladores caxienses que possibilitaram que a cidade se consolidasse no roteiro da modalidade, que estreou nos Jogos Olímpicos em 2022.
Com quase 60 vias, que são as possibilidades de escalada, Noel Rocks na 3ª Légua foi escolhida por Amanda devido ao fácil acesso ao local, distante 30 minutos do Centro, e a beleza de contar com uma queda d’água ao lado da via que encarou.
Ela já havia entrado em uma delas, batizada de “problema de uma geração” incontáveis vezes, mas nunca encadenado, que é terminar o percurso sem cair ou precisar se segurar na corda que a mantém segura.
— A qualidade da rocha e estrutura de segurança faz da Noel um ponto muito importante para a escalada gaúcha. Nesse grau de dificuldade não tem muitas, essa me chamou atenção pela beleza e por tudo que envolve, tem sua dificuldade, mas também uma técnica de escalada que é muito interessante, é um lugar incrível — contou Amanda.
Todos os níveis de dificuldade
Classificado no Brasil por números, os graus de dificuldade da escalada esportiva partem do número quatro e a partir do sexto ganham a companhia de letras, sendo a letra C o nível mais difícil. O caxiense Thiago Balen, 42, é escalador e também equipador, a pessoa responsável pelas aberturas das vias. É dele o FA, sigla de "first ascent" ou em tradução livre, primeira ascensão, da via que Amanda encadenou.
Balen escala desde os 15 anos e construiu sua casa na 3ª Légua para ficar perto da gruta, distante cerca de 500 metros da Noel que foi aberta por ele com a ajuda de amigos.
A Gruta da 3ª Légua, frequentada desde os anos 1990 pelos esportistas é aliás outro ponto conhecido e fundamental para a disseminação no esporte na Serra. Foi explorando o entorno que o escalador limpou o mato que costeava o paredão de rocha basáltica e que possibilitou a abertura das vias.
— Tinha muito mato e vegetação na pedra, na época brincávamos que aqui era nosso escritório. A grande massa de escaladores, talvez 80%, escale até o sétimo grau. Então um setor para ser frequentado precisa ter via para todos. Então a Noel se tornou um local muito democrático, para todos os níveis — explicou.
No Brasil a escalada de maior dificuldade está na Serra do Cipó, em Minas Gerais, que tem classificação de grau 12a. Na rocha da 3ª Légua, o máximo que foi encadenado foi uma via que chega ao grau 11a. O local, segundo os escaladores ainda pode ter novos percursos abertos, e ainda mais difíceis, o que tornaria o interior de Caxias um ponto a ser sempre lembrado por quem pretende quebrar recordes e assim ganhar notoriedade no esporte.
— Caxias historicamente é o polo mais forte do estado, temos setores também em Caçapava e Bagé, mas são menos escaladores nessas cidades, então é frequentada basicamente por moradores de Porto Alegre e da Serra — disse Guilherme Comin,36, que ao lado de Balen foi também responsável pela abertura da via.
De acordo com Comin, a formação da rocha precisa também ter um inclinação negativa, uma espécie de teto, que contribui para aumentar o desafio. Com cerca de 12 metros de altura, Noel Rocks tem seu telhado particular:
— Não são todos os locais que têm rocha é possível abrir uma via de escalada. Costumo dizer que é uma forma de arte, porque o equipador chega na parede e vê uma pedra virgem. É preciso um olhar para enxergar o que sai de lá e colocar as chapeletas nos pontos certos. É nessa ferramenta que o escalador conecta o mosquetão que garante a segurança. A Amand quis fazer porque é uma via muito legal, às vezes tem vias de mesma graduação, mas mais chatas.
Fácil acesso
Localizada em uma propriedade particular e com acesso autorizado pelos moradores, Noel Rocks tem uma combinação de fatores que a credenciam como point entre os praticantes.
Conta com um refúgio que funciona como um hostel com cozinha e quartos compartilhados e tem a hospitalidade dos vizinhos que nunca se incomodaram com os visitantes. E muito pelo contrário, quando os escaladores visitam o comércio e saem dali com vinhos e suco de uva. Isso porque o acesso à trilha de 15 minutos que leva ao paredão está a cerca de 500 metros da Vinícola Sartori.
— Cada um com seu esporte né? Por aqui passam também pessoas que fazem caminhadas e trilhas, então é uma forma de movimentar o interior. São bem-vindos — garantiu a proprietária Elisabete Sartori.
Para chegar é preciso descer a BR-116 e depois de Galópolis entrar à direita na Estrada Municipal Valmor Cirtolli. A partir dali são cerca de 10 minutos de carro. Há ainda a possibilidade de chegar pela Estrada dos Imigrantes, acessada pelo bairro Kayser.