Um erro médico fez com que, ainda na infância, Evair Pinheiro Ramos tivesse que se adaptar a uma nova realidade. Diagnosticado com osteomielite, ele precisou aprender a se locomover com a infecção, que o deixou com uma perna menor do que a outra. Com o tempo, ele aprendeu a viver com isso e esse problema nunca foi um impeditivo para que pudesse se tornar um atleta paralímpico do basquete em cadeira de rodas.
A situação mudou no dia 5 de março de 2020. Foi nesta data que um caminhão invadiu a pista dele na Rota do Sol, causou um acidente grave e mudou todas as projeções da família para o ano. Agora, Evair está enfrentando dificuldades para voltar a caminhar. Além disso, atualmente, ele ainda não recuperou totalmente os movimentos do braço esquerdo, e, por isso, encontra dificuldades em voltar às quadras.
— O acidente é uma coisa horrível e a forma como aconteceu, do caminhão me bater e pegar a minha mão. O caminhão invadiu minha pista e bateu de frente com meu carro. É uma coisa sem explicação, não tem fundamento — relembra Evair, que ficou 43 dias no hospital, sendo 25 deles na UTI.
Já são nove meses desde que o acidente aconteceu e Evair ainda está em tratamento. A esposa, Cassandra Gomes Ramos, conta que o cotovelo dele ficou luxado e isso prejudica os movimentos do braço esquerdo, por isso, ouviram relatos nada positivos de alguns médicos, especialmente quando o assunto era o retorno às quadras.
— A gente procurou alguns médicos, o primeiro disse: "esse braço, para o basquete, nunca mais". Só que a gente foi indo em outros médicos e buscando outros recursos, principalmente, a terapia ocupacional, que tem ajudado ele um monte — relata Cassandra ao explicar que, depois das sessões de terapia ocupacional com a especialista Morgana Rizzo, Evair mostrou uma evolução significativa:
— Ela é especialista de membro superior e mão. Então, a gente precisava dessa profissional. E ela também trabalha reserva cognitiva. Então, ela trabalha em função para recuperar a função desse braço. Ele não mexia nada. Em seis sessões, ele já começou a mexer.
O planejamento que Evair havia traçado sofreu alterações. O atleta de basquete em cadeira de rodas já havia assinado contrato com o Erechim para disputar o Campeonato Gaúcho; com o Pinhais, para o Campeonato Paranaense, e com o Campos/ONG do Rio de Janeiro para participar do Campeonato Brasileiro. No entanto, mesmo depois de ver todos os seus planos serem desfeitos, ele ainda faz questão de enfatizar o que aprendeu durante este período.
— Ele sempre fala: "eu já venci tanta coisa". E eu falo para ele: "venceu uma UTI, ficou intubado, fez traqueostomia. Venceu tanta coisa". E ele também diz assim: " Vou tentar do jeito que der e vou ser o melhor dessa forma" — expõe Cassandra.
Agora, no início de 2021, Evair fará fisioterapia na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Além disso, ele também passará por uma operação no cotovelo. O intuito é claro: retornar às quadras o mais rápido possível.
REFLEXOS DA PANDEMIA
A pandemia foi um empecilho a mais durante o tratamento. Seis dias depois da internação de Evair, Caxias do Sul confirmou o primeiro caso de covid-19 no município. Então, foram implantados protocolos mais rígidos nos espaços de saúde.
— Foi ruim para nós, para mim e para a minha sogra, que estávamos cuidando dele, porque tinha que ficar 12 horas (no hospital). Não tinha uma rotatividade de acompanhantes, de cuidadores. Então, tinha que entrar às 7h e sair às 19h. Era desgastante demais e a gente ficava com receio de ir e vir dentro do hospital, do contato com as enfermeiras, por estarem na linha de frente. Foi receoso, foi bem difícil — conta Cassandra.
Pais do pequeno Davi, três anos, eles encontraram força em pessoas especiais. A mãe de Cassandra, Lourdes, e a mãe de Evair, Rosanete, não mediram esforços para ajudá-los.
— A minha mãe vem me ajudar. Porque o que mais pesa é a rotina. Se não fosse ela, eu teria que cuidar de tudo: da casa, dele, do meu filho. Nós temos cachorro, tem casa, comida, roupa. É muito puxado — explica Cassandra.
Além disso, durante a pandemia, eles também buscaram atendimento no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, mas não obtiveram sucesso em decorrência do momento que o país se encontra.
— Lá, ele poderia tratar da cabeça aos pés. Só que agora, por causa da pandemia, eles não estão recebendo casos novos — relembra Cassandra.
NÃO FALTOU AJUDA
"Ele é muito querido por todos". Esta foi a frase que Cassandra ouviu durante o tratamento de Evair. O período foi difícil, mas não foram poucos os que se solidarizaram com a situação da família e fizeram todo o possível para auxiliá-los.
— As pessoas nos ajudaram muito no início, com cesta básica, com frutas, com recursos, fraldas. As pessoas não sabiam como nos ajudar, era uma chuva de mensagens porque ele é muito querido por todo mundo. Sobrou sangue, todo mundo queria doar para ele. A gente foi lá doar sangue e tinha uma fila para doar para ele. Então, o que fica são as nossas sementes, o que a gente planta. Ele plantou muita comunhão, cumplicidade, sempre sendo solidário com as pessoas e ele colheu isso quando precisou — conta Cassandra.
Além disso, eles também estão realizando a segunda vaquinha virtual com o intuito de custear o tratamento de Evair, pelo menos, durante o primeiro semestre de 2021. A primeira arrecadação auxiliou na terapia ocupacional e hidroterapia em 2020.
— Com o que chegou, recurso de R$ 4 mil, conseguimos pagar até dezembro a terapia ocupacional. Agora, a meta é poder cobri-la até metade do ano. As pessoas têm ajudado. E eu entendi que a vaquinha seria necessária nesse momento porque não dava para fazer almoço. A gente sempre foi muito de se envolver em almoço de ONGS e ele sempre ajudou muito nesses almoços — fala a esposa de Evair.
MENSAGEM POSITIVA
Tudo que viveram neste ano não é motivo para lamentação. Evair e Cassandra consideram as vivências de 2020 um aprendizado.
— A mensagem de 2020 é que todos podemos fazer o que Deus quer. Só temos que estar no caminho certo, porque muitas pessoas fazem as escolhas erradas, achando que escolher coisas de momento é mais importante do que escolher coisas para a vida. Eu botei na minha cabeça que Deus não queria que eu ficasse na cadeira de rodas, mas que eu tenho que ser o melhor na cadeira de rodas. Não preciso andar para ser bom, numa cadeira de rodas posso realizar tudo que Deus quer na minha vida. Superação. Superar cada limite. O importante é que vamos chegar — avalia Evair, complementado por Cassandra:
— Esse ano foi um ano de aprendizado, 2020 foi o ano de aprender a viver na fé. A gente precisou de muita fé para ouvir os diagnósticos e não aceitar eles. A Bíblia fala que tudo é possível ao que crê, e se eu tivesse de fora dessa situação e pensasse: "como seria se acontecesse um acidente e eu tivesse que cuidar?", eu não teria a dimensão do quanto Deus estaria ali nos suprindo. Nunca faltou nada.