Eles são professores como todos os outros, mas não são vistos nem por colegas e nem por alunos como docentes padrões. Até pensamos em fazer fotos deles com giz na mão e quadro na parede, mas na grande maioria das vezes, a sala de aula dos profissionais de educação física é a rua, o ginásio ou qualquer lugar onde o movimento e as atividades com os alunos possam existir. Inclusive na sala de aula.
O Pioneiro começa hoje uma série de reportagens contando a história de educadores que fazem a diferença na vida de muita gente, em Caxias do Sul e região. Na próxima segunda-feira (15) se comemora mais um dia dos professores. Vamos celebrar juntos com quem transforma o prazer de dar aula em um ato de devoção.
Nossa primeira história envolve mais do que simplesmente ser educador. Quando chega na Escola Municipal Paulo Freire, no bairro Mariani, a professora Aline Scotti, 37 anos, sabe que precisará cumprir as mais diversas funções com seus alunos. E se mostra entusiasmada em ajudar a cada um deles, dia após dia.
Em uma região da cidade que tem população predominantemente com poucos recursos, os estudantes chegam na Escola Paulo Freire, em muitos casos, atrás de algo além do ensino teórico. A atenção e a dedicação dos professores são diferenciais no crescimento dos jovens. A retribuição vem em forma de carinho dos estudantes.
— Estamos em um bairro com uma certa vulnerabilidade social. Muitas vezes a criança não tem a figura afetiva de pai, de mãe, de família estruturada. E eles veem no professor isso. Uma referência, um modelo, um exemplo — afirma Aline.
Dentro dessa realidade, a professora vê o papel da educação física como parte importante no processo para que haja um entendimento de comunidade:
— Trabalha a socialização. É uma coisa muito difícil hoje em dia. Nunca se faz nada sozinho na educação física. Sempre tem uma dupla, uma fila, uma equipe. Eu tenho o outro. Nas outras disciplinas, é você com o teu conhecimento e teu caderno.
Ser exemplo para os alunos pode servir como motivação para a mudança no futuro dos estudantes. O modelo de um trabalho realizado com excelência e vontade de ensinar funcionam como referência para quem ainda busca encontrar seu espaço no mundo e na sociedade. Aline Scotti e a educação física hoje em dia são praticamente uma coisa só. E a decisão dela em ser professora partiu do que se espelhou em quem a ensinou:
— Fui muito estimulada pelos meus professores de educação física. Quando comecei a trabalhar na área aquática, tinham adultos e crianças menores. Quando vim para o meio escolar, se tem uma retribuição muito grande. O aluno sempre te dá alguma coisa em troca. É uma coisa muito gratificante.
O poder de decisão
Hoje, é Aline — que também dá aula na Escola Renato João Cesa — quem tenta transformar a vida dos jovens com quem trabalha. A grande recompensa que ela recebe é ver seus alunos, fora da sua comunidade, sendo exemplo.
— É marcante ver crianças de um meio difícil sair da escola, apresentar um comportamento incrível e conseguir competir com uma criança de uma escola particular, com todas as condições possíveis, e chegar de igual para igual — diz Aline, afirmando o papel da educação física neste processo:
— A coisa mais legal é que através do esporte a gente consegue igualar. São oportunidades iguais para todas as pessoas.
Num futuro não muito distante, os alunos de Aline terão que fazer escolhas na vida. Seja ao realizar o vestibular, seja nas oportunidades que a vida apresenta ou no discernimento das opções boas ou ruins:
— A educação física promove para a criança a questão da tomada de decisão. Ela tem que agir perante um grupo. Tem que ter um papel e uma função naquilo que está fazendo. E nisso a criança cresce demais. Em todos os aspectos. Não somente no motor.
Às vésperas do dia do professor, Aline espera um reconhecimento para a categoria, tão importante para o desenvolvimento de todas as pessoas.
— É uma classe que muitas vezes não é valorizada, é mal falada e não é apoiada. Toda profissão passou por um professor. As pessoas têm que valorizar um pouco mais quem forma. Independente da sua área. Às vezes, falta a pessoa vir e enxergar tua realidade para ver como é. Muitas vezes tu és pai, mãe, psicólogo, médico. Em alguns casos, as crianças vêm aqui e fazer a única refeição do dia — conclui Aline.