Ainda bem que o Gre-Nal terá árbitro de fora. Ou não. Meu editor, o Diego Araujo, entende que seria melhor se fosse gaúcho, de preferência patrão de CTG, e soubesse exatamente quando, onde e como agir por conhecer a aldeia e seus índios. É um ponto de vista interessante. Mas entendo que será bom Dewson Freitas chegar a Porto Alegre diretamente do Pará e, com sorte, nem tomar conhecimento das xaropices e contraxaropices que circundam o clássico deste domingo, todas de conteúdo tão inflamável como triste.
Talvez Dewson nem ouça o áudio vazado de Argel, no qual ele pede a Deus para passar o trator no Grêmio. Vamos combinar: não perderá nada. Dewson, vá ler um livro, ver aquela série nova na TV. Ou apenas descansar. Não há nada de importante ali, a não ser um tom simplório. É uma conversa privada. Tivesse ele dito algo do gênero publicamente, aí seria outra história. Até achei o tom do técnico do Inter ameno. No vestiário, a linguagem do futebol é proibida para menores e quase nunca politicamente correta.
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Imagine se vazassem os áudios privados de Felipão e Murtosa. Ou de Mourinho falando sobre Guardiola, tomando vinho com os vizinhos em casa. Cristiano Ronaldo, irritado por que a imprensa prefere Messi, depois de jogar o microfone da TV no lago. A gurizada de apartamento do Twitter se escandaliza com pouco. Duvido que Roger Machado vá perder o seu tempo com o áudio do Argel. Tem mais o que fazer. Trabalhar, por exemplo, e aí está a chave de seu bom trabalho, capaz de levar a movimentação de seu time aos cursos de técnico da CBF, através de vídeos da entidade.
O problema é que é relativamente comum o extra-campo invadir as quatro linhas. Os jogadores não vivem alheios ao mundo lá fora. É bem comum alguns deles caírem nas armadilhas de certos guris de apartamento das redes sociais, que provocam para aparecer.Nesse sentido, o Gre-Nal deste domingo tem um lote de episódios capazes de acirrar ânimos. O áudio vazado de Argel é um. O queixo quebrado de Bolaños é outro. Será o reencontro dele com William. A valsa de Sasha pelos 15 anos sem título do Grêmio não ajuda muito. Nem a mão espalmada do atacante equatoriano em sua apresentação, a pedido de alguém do clube, referindo-se ao 5 a 0. Eu evitaria tanto a valsa quanto a mão espalmada, mas não vejo nada de grave nessas brincadeiras.
No caso da valsa e da mão espalmada, é preciso dizer: o futebol está chato. Paulo Nunes já festejou gol em Gre-Nal imitando saci. E daí? Renato e Romário faziam apostas antes de Fla-Flu. Lima e Dario sonhavam com gols em clássicos e se diziam inspirados pelo Espírito Santo. Dênis Abrahão já disse que o Grêmio iria patrolar o Inter. Com o tempo, uma parcela de torcedores emburreceu. Tudo é encarado sob as lentes da provocação, da distorção pela limitação de raciocínio e até do duplo sentido.
Houve gremistas que leram o áudio de Argel como uma grande tramoia, em conluio com a imprensa, para tirar o foco do Inter em má fase. Uma tese que exige alguma elaboração intelectual, concordo. Mas lunática. A preocupação com o que não é importante não é um mal só do futebol, mas do Brasil. Dilma e Aécio eram Deus e o diabo, conforme o ponto de vista. Nada mais importava e os fins justificam os meios para defendê-los, inclusive brigar com familiares e amigos. Vê-se, agora, que não havia santos nessa história. Ainda bem que os isentões não tiram onda de sua vitória. Melhor deixar quieto.
No debate sobre o Velho Oeste em que Porto Alegre se transformou, fala-se apenas em reformar e construir presídios. Erguer escolas e pagar melhor os professores? Nem pensar. Não há melhor arma contra a insegurança do que investir em educação e formar cidadãos. Quem vive na intolerância torce pela confusão e se nutre dela.
É assim na política, no Rio Grande do Sul entregue aos bandidos e no futebol. Que xaropices e contraxaropices da rivalidade Gre-Nal não entrem em campo. Os personagens têm de ser Argel, Roger e suas estratégias. Que o Gre-Nal do áudio vazado seja disputado na bola e se restrinja ao folclore das brincadeiras talentosas sobre marcas de trator, seja qual for o vitorioso.
