Desde abril, as ruas de Bento Gonçalves ganharam um ilustre pedestre de 2m01cm de altura, mas que não se importa em se curvar um pouquinho para conversar com quem o para. E não sou poucos bento-gonçalvenses que têm abordado Paulo André Jukoski da Silva, ou simplesmente o Paulão, desde sua chegada para assumir o comando técnico do Bento Vôlei. São torcedores do time local, que se prepara para disputar a Superliga a partir de novembro, mas também fãs da primeira geração dourada do vôlei brasileiro, que teve no time campeão olímpico de 1992, de Paulão, Giovani, Tande e companhia, o símbolo maior.
Paulão não esconde que se reencontrou em Bento Gonçalves, após uma passagem turbulenta pela Secretaria Estadual de Turismo, Esporte e Lazer, no início do governo Sartori. Na época, deixou o cargo de diretor de esportes por discordar dos métodos de trabalho do secretário Juvir Costella, a quem disse considerar autoritário e desrespeitoso. Mesmo antes disso, outros cargos ocupados no Ministério do Esporte e no Comitê de Organização da Copa do Mundo deixaram o campeão olímpico longe demais do seu habitat natural: o ginásio, a quadra, o vestiário.
Agora ao lado do diretor-executivo Dentinho, do presidente Marcos Paulo Machado, e da comissão técnica cuja competência faz questão de ressaltar repetidas vezes, o treinador do Bento Vôlei quer ajudar a cidade a explorar ao máximo o potencial no esporte. Vislumbra os jogos de vôlei como parte dos roteiros turísticos da cidade e dos programas de família. E ao mesmo tempo em que sonha alto, trabalha forte com o grupo que precisa de bons resultados para garantir a melhor continuidade ao projeto. Abaixo, confira a entrevista concedida por Paulão ao Pioneiro na última quarta-feira:
Pioneiro: Como está a vida na Serra?
Paulão: Muito boa. Estou feliz com o envolvimento e a receptividade de todos. Tenho caminhado bastante nas ruas e as pessoas ficam felizes porque eu paro para conversar com elas. Mas isso é uma coisa que sempre foi minha, não é nada estranho. Encontrei em Bento um local que há bastante tempo não via. As pessoas compartilham, dizem que estão felizes, que torcem pelo time. Isso me deixa muito à vontade, porque gosto de trabalhar em grupo e acreditar nas pessoas. E confesso que nos últimos tempos tive algumas dificuldades nos grupos onde passei. O diferencial de Bento, além das belezas da cidade, são as pessoas. Isso me encantou.
Refere-se à experiência na diretoria da Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer?
A secretaria de esportes é algo que passou. Cada um tem uma maneira de trabalho e eu não tive adaptação com a do secretário. Não vou dizer que é certo ou errado, mas saí chateado porque não consegui fazer aquilo que achava de direito. Paciência. Cada um segue seu caminho, e se o esporte do Rio Grande do Sul precisar de mim, estou totalmente à disposição. Não tenho nada contra o secretário, só não concordo com a forma como ele faz a gestão de pessoas.
Como estão os preparativos do Bento Vôlei para a disputa da Superliga?
Estão 100%. O time está muito motivado. Viemos de uma competição interessante em Maringá (título da 1ª Copa Internacional Copel Telecom), onde fizemos bons jogos contra equipes bem "jogueiras", de bom nível. A preparação está sendo muito cautelosa e detalhada, para não darmos com a cabeça na pedra. Tanto eu e minha comissão quanto a diretoria estamos preocupados em dar bem estar para o grupo. Os jogadores merecem isso, porque têm tido uma entrega muito grande.
Bento Gonçalves já explora o potencial que possui de desenvolvimento do vôlei?
O potencial que Bento tem é muito maior do que a gente imagina. Estamos procurando encontrar os caminhos, sempre discutindo a várias mãos. Não basta pegar o que foi feito em São Paulo, ou nos Estados Unidos, e trazer para cá. Tem que saber o que se enquadra com a cidade e o que as pessoas gostam. Tem que ter a ver com a nossa comida, com a nossa bebida, com o nosso frio. O vôlei tem que fazer parte do rótulo turístico da cidade. Quem chega a Bento e pensa no que vai fazer à noite, tem que ir para o jogo. Os hotéis têm que disponibilizar condução para isso, nós temos que divulgar muito bem a tabela de jogos, e as pessoas virem com a família. Porque é um jogo extremamente familiar.
A continuidade do projeto depende de uma boa participação na Superliga?
Qualquer projeto depende de rendimento. Mas rendimento, conquista e vitória são três coisas diferentes. Rendimento é fazer um trabalho programado, com agenda, sabendo onde se quer chegar. As conquistas são a somatória de vitórias, de gestão. Temos que buscar nosso melhor no dia a dia, nos treinos, no trato com o torcedor, com os nossos patrocinadores. Acho que o processo de uma equipe depende dessas particularidades. E temos um grupo com uma postura muito profissional e de pessoas muito humanas, que querem que a coisa dê certo. Volto a dizer que foi isso que encontrei em Bento.
A seleção brasileira parece atravessar um momento difícil. Como avalia esse momento atual?
A seleção tem que ser dos melhores. São esses que têm que estar lá. Os mais novos vão ter sua chance, mas não pode pegar quatro ou cinco jovens, ou uma seleção de novos, e colocar para disputar uma competição, como foi o que aconteceu (no último Pan-Americano, em Toronto). Torço pra caramba e minha crítica é extremamente construtiva. Bernardinho e Zé Roberto são craques, enquanto eu estou engatinhando como técnico. Mas é nisso que eu discordo. Em Seleção não se pode pensar "ah, tem um menino que está se destacando". Se é o caso, põe ele em uma seleção de novos. A seleção não pode perder sua característica e ir com um time mais ou menos. Porque todo mundo quer ganhar do Brasil, assim como minha geração queria ganhar dos melhores. O vôlei brasileiro precisa ter um cuidado um pouquinho maior em relação à seleção. Escalar sempre os melhores e vencer o máximo possível, porque dependemos disso.
Preocupa-se demais com a renovação?
A renovação vai acontecer naturalmente. Nossa base é muito boa. No Rio Grande do Sul mesmo, se faz uma peneira, aparecem cem meninos com mais de 1,95m e com qualidade técnica. Se dependesse só dos gaúchos já teríamos seleção por muitos anos.
Qual tua expectativa para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, no ano que vem?
Acho que a Olimpíada veio em boa hora. O Brasil precisava de uma injeção forte, tanto com a Copa do Mundo quanto com a Olimpíada. Reclamaram que os gastos foram muito altos, mas daí eu pergunto: Quantos ginásios climatizados temos no Estado? Nenhum. Começa por aí. O esporte sempre foi o último da ninhada a ser escolhido. Tanto que a gente vê agora o Esporte sendo juntado com o Turismo na Secretaria (Estadual). Por que não existe uma secretaria só para o esporte? Por que na Fazenda colocam gente com conhecimento técnico e no Esporte não? Acho que temos um momento único e é preciso pegar a maneira como está sendo feito e aproveitar.
O que podemos aproveitar das Olimpíadas?
A Olimpíada tem que trazer para nós a importância de investir com qualidade em recursos humanos. Se houvesse, por exemplo, um centro de excelência de vôlei na Serra, para não falar em outros esportes, com bolsas para os atletas, nutricionistas, psicólogos, fisiologistas, um monte de coisa. O que envolve o negócio esporte é muito grande. E além de captar talentos, a formação que o esporte dá é muito linda. Ensina-se valores como regras, disciplina, ganhar e perder, aprendizados para a vida. Depois a parte educativa e o alto rendimento se complementam o tempo todo. Mas nunca se pensou nisso. Acho que a olimpíada veio para chamar a atenção e fomentar isso. Se nós aqui no Estado tivermos a inteligência e a condição de aproveitar, Bento está pronta pra isso. Há empresas querendo investir, e o governo deveria ajudar. Que se faça uma lei genérica para o esporte e se exija uma prestação de contas detalhada e precisa. E que se permita investir em especialistas. Está errado pensas que, quando se trata de uma criança, dá uma bolinha qualquer, enquanto o professor fica lá lendo um jornal e pronto. Isso está errado. Que se dê a melhor condição. Se ela crescer nesse meio positivo, a gente chega no alto do pódio mais fácil.
Após todo o envolvimento nos bastidores, estar de volta à beira da quadra é especial?
Sem dúvida. A gente vai atendendo a convites de amigos, familiares, quer fazer aquilo que acha legal. Passei por um monte de coisas, mas agora voltei para o vôlei e acho que nunca devia ter parado. É um ambiente que não dá para sair mais, porque o vôlei me deu tudo. Conheci minha esposas na quadra, meus filhos jogam, dei uma vida melhor para os meus pais pelo vôlei. E estou muito feliz pelo que está acontecendo comigo agora, por ter vindo para Bento e estar compartilhando minha experiência, minhas histórias, com as pessoas. Vejo que até hoje elas se emocionam pela conquista do ouro olímpico, o que para mim foi muito especial e, para mim, continua sendo a maior conquista do vôlei brasileiro. Até porque foi a minha (risos).
O que ainda falta em uma vida tão vitoriosa?
Para o futuro quero ter minha criação de ovelhas, quero plantar...isso é um sonho. E quero ter uma equipe como referência. Me perguntam se quero ser técnico da seleção, mas acho que se isso vier será um fruto. Hoje, tenho uma comissão técnica muito competente e formada por amigos, um ambiente de trabalho espetacular, e não preciso inventar mais nada. Fui para a política para ajudar o esporte e deparei com um monte de confusão. No futebol, deparei com muita coisa ilícita, gente puxando o tapete. Não quero julgar, mas vim de uma geração que tinha muito amor pela camisa. E hoje vim parar aqui, em uma cidade com pessoas muito envolvidas e que querem compartilhar. É isso o que eu quero. Poder compartilhar minha vida na quadra, minha criação...e ter tudo isso em um ambiente legal e perto de pessoas boas, não preciso de mais nada.