Uma casa sobre rodas, com conforto, espaço bem utilizado e a facilidade de poder viajar pelo mundo. Os modelos de motor homes podem variar bastante, desde vans simples adaptadas até modelos sofisticados, com mais espaço e opções de luxo. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o período pós restrições da pandemia de covid-19 tem marcado uma retomada no setor. Segundo estudo do Sebrae, a projeção é de que o setor continue em alta, com taxas anuais de crescimento entre 6,3% e 11,2%. Já a Associação Nacional dos Fabricantes de Trailers, Reboques e Engates (Anfatre) divulgou que pesquisas feitas com fabricantes de todo o Brasil mostraram que algumas empresas chegaram a ter um aumento de 50% nas demandas. Na Serra, empresários do setor ratificam que há crescimento.
De acordo com o vice-presidente de Relações Institucionais do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs), Ruben Bisi, Caxias do Sul e a região da Serra são polo importante de fabricação e fornecimento de peças para o setor automotivo, principalmente de ônibus:
— O motor home é derivado de um ônibus. Normalmente, um antigo e usado, que é mais barato, é reformado. Então, são fechadas as janelas do ônibus, todos os móveis internos feitos. E todas essas peças de ônibus são facilmente encontráveis aqui em Caxias do Sul, porque as empresas do setor desenvolveram vários fornecedores de componentes para ônibus — explica.
Em Caxias do Sul, é possível encontrar desde acessórios até faróis, poltronas e portas para ônibus produzidos em empresas da cidade. Essas peças também são utilizadas na fabricação de motor homes, já que o veículo pode ser uma adaptação.
— Em Caxias do Sul se formou um hub (agregador) de fornecedores para todos os fabricantes de ônibus do país, que também exportam para outros países. Aqui, nós temos um amplo e farto mercado de autopeças para motor home. Se vê que é um mercado crescente, que está sendo muito valorizado — confirma Bisi.
Com investimentos a partir de R$ 30 mil, mais o valor do veículo a ser reformado (kombi, van ou ônibus), o motor home se transformou numa possibilidade para mudar de vida, conhecer novos lugares e até trabalhar como nômade digital (termo utilizado para descrever pessoas que aproveitam da tecnologia para fazer as tarefas de respectiva profissão de maneira remota e sem depender de uma base fixa para trabalhar).
O perfil do consumidor, de acordo com o Sebrae, também mudou. Antes, era formado em 80% por profissionais liberais e aposentados. Desde 2020, o mercado também passou a agregar as pessoas que trabalham de forma remota. Um dos aspectos que faz com que o seja uma alternativa atraente ao consumidor é o fato de nem sempre é necessário alterar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Alguns modelos menores permitem que o condutor tenha uma CNH de categoria B (para carros) para viajar pelas estradas com o conforto de uma casa sobre quatro rodas.
Transformar um sonho em realidade
De acordo com Aléxia dos Reis, sócia da empresa DLR Motorhomes, de Caxias do Sul, o período pós-pandemia representou, sim, um mercado em franco crescimento e certa mudança no perfil do cliente. Apesar de ter mais clientes já aposentados, a empresária conta que muitas pessoas jovens também estão "tirando o sonho do papel".
A empresa, que começou como uma chapeação, há 13 anos mudou de ramo quando Daniel dos Reis, pai de Aléxia, conheceu e se apaixonou pelos motor homes. O estabelecimento começou a fazer as montagens em uma garagem, mas agora já ocupa um pavilhão no bairro Santa Fé.
— Não cabia nem os ônibus direito lá. A gente aumentou o espaço e começou a trabalhar com (reforma de) ônibus. Um dos nossos primeiros projetos foi um ônibus preto, bem grande, que acompanha a gente desde o começo. Como a gente estava iniciando, demorou para conseguir fazer ele, também porque tinha bem pouco pessoal na empresa — relembra.
A empresa começou com quatro funcionários, e atualmente já são 10. Todos os modelos são fabricados 100% sob medida e mediante encomenda. O cliente normalmente entra em contato e explica a necessidade e qual veículo quer transformar, desde vans pequenas até ônibus.
— A gente faz por encomenda, porque é o que eu sempre digo pros clientes: o motor home é igual casa. Se for alugar uma casa, ela nunca vai ser do jeito que tu quer. Ao mesmo tempo, se tu comprar uma casa, a primeira coisa que tu vai querer fazer é reformar alguma coisa. É a mesma coisa com o motor home. A gente gosta muito de ver a reação, a emoção e a alegria da pessoa de ver aquilo ser construído do jeito que ela quer — revela Alexia.
A ideia é atender as demandas dos clientes da melhor forma. Por isso, todos os produtos são sob medida. A equipe analisa desde a idade, quantas pessoas e se o cliente busca mais conforto ou uma experiência mais "raiz".
— A gente procura conversar bastante para saber como agradá-lo, não é só por questões financeiras. Gostamos de ouvir a história deles. É muito emocionante. Melhora bem mais a nossa forma de trabalho — diz.
Indústria quase 100% brasileira
Para Daniel dos Reis, fundador e sócio da DLR, um dos princípios da produção é valorizar a indústria local e nacional. Sempre que possível, opta por comprar peças de empresas caxienses. Atualmente, são cerca de 140 itens de indústria local. Os importados são poucos, como vaso sanitário para banheiro, bomba de água, claraboias.
— Já não existe mais essa coisa de que se é de fora é melhor — garante Daniel.
Até mesmo a tecnologia de smarthome que os veículos produzidos da DLR utilizam é caxiense. Segundo Daniel, por um aplicativo no celular, é possível operar o veículo casa à distância, acender luzes e utilizar os niveladores.
Paixão pelo setor antes do negócio
Estar em grupos de viajantes e imersos na comunidade dos apaixonados por motor homes foi o que fez com que o casal Sandra Lunelli e Jonatan Maziero, da empresa Lunelli e Maziero Motorhomes, de Garibaldi, investisse no setor. Tudo começou quando os dois, há 12 anos, foram em um encontro da Fórmula Truck e participaram de um acampamento.
— Conhecemos várias pessoais com barraca, com motor home, com outros tipos de equipamentos. De lá pra cá, a gente começou a acompanhar muito o YouTube, ver motor homes e começamos a abrir a mente. Mas a gente não trabalhava com isso. A gente viu tanto no YouTube, que montamos uma kombi para nós irmos acampar, lá por 2012 — relembra Sandra.
Desde então, os dois fazem parte de grupos de viajantes e apaixonados por motor homes que acampam em diversas cidades da região. O marketing boca a boca foi o que fez com que a empresa crescesse e conquistasse clientes de todo o país. Atualmente, a Lunelli e Maziero Motorhomes está produzindo dois veículos para a região Sudeste: um para o Rio de Janeiro e um para Minas Gerais.
A empresa produz com peças importadas e nacionais. Atualmente, de acordo com Jonatan, a proporção é de 50%. Os itens mais específicos, normalmente, são importados dos Estados Unidos ou Alemanha. A linha de produção é de, no máximo, três veículos por vez, feitos sob medida para a necessidade de cada cliente. São oito funcionários. Além disso, o casal busca ser um ponto de apoio aos viajantes De forma gratuita, as pessoas podem estacionar os veículos no terreno da empresa, no bairro Garibaldina, e utilizar internet, água e banheiro, entre outros itens.
— Quem está passando de motor home, de kombi-home, de campervan, enfim, o que tiver passando, a gente fornece água, luz, internet, banheiro em horário de expediente para o pessoal. Sabemos que precisa dessa ajuda e vem bastante gente procurar também essa parte de ponto de apoio. Depois, acabam sempre fazendo uma manutenção no carro — destaca Jonatan.
Por esse motivo, já conquistaram amigos e clientes de diversos cantos do país e até do mundo, de países mais próximos, como Argentina e Uruguai, até viajantes oriundos da Alemanha. Pessoas de todas as idades que, no período pós-pandemia, buscaram realizar o sonho de viver numa casa sobre quatro rodas:
— A gente já tinha trabalho antes, porém, a pandemia foi o que empurrou o setor. Desde pessoas aposentadas até pessoas que puderam trabalhar em home office e que encontraram uma maneira de se conectar com a natureza e poder passear — explica Sandra.
Hospedagens temáticas conquistam clientes na região
Outro nicho do setor que tem registrado crescimento é o de motorparks. A proposta é oferecer um espaço, nos moldes de um camping, para que os viajantes estacionem o veículo e fiquem hospedados com estrutura básica, como banheiros, água, luz e internet. Em Gramado, o sócio do Gramado Motorpark, Allan Benetti Fulcher, explica que o estabelecimento já recebeu viajantes internacionais, da Alemanha, Canadá e Suíça, por exemplo, além, claro, de pessoas dos quatro cantos do Brasil.
— A gente teve a ideia no sentido turístico, porque trabalhamos com turismo aqui em Gramado. Então, fomos percebendo o que o mercado precisa e somos apaixonados por carros — relata Allan.
Além de receber os veículos de viajantes, ao lado do pai, Elias Fulcher, Allan desenvolveu hospedagens temáticas: uma delas em uma kombi, um trailer e um ônibus amarelo, igual ao Mystery Magical Bus, ôinbus temático dos Beatles. O parque temático atrai visitantes variados e de todas as idades.
— Para se ter uma ideia, já recebemos pessoas de outros países. Pessoal que trouxe o carro de barco da Alemanha pra ficar viajando pelo Brasil. Mas também pessoas da Suíça, com o próprio carro da Suíça. Foi impressionante ver o poder que o motor home tem. Que o pessoal sai de muito longe e vem parar em vários lugares diferentes — resume.
A região Sul ainda representa uma boa parcela do público do empreendimento, com viajantes gaúchos, catarinenses e paranaenses. Mas há, também, quem viaje de muito longe para visitar a Serra:
— Tem pessoal até do Acre que já chegou aqui de motor home. Eu até achei impressionante. Mas tem muita gente de Tocantins, do Pará, Goiás e Mato Grosso também. Geralmente, são pessoas muito gente boa, muito educados. Não são muito exigentes. É um pessoal muito tranquilo — explica Allan.