O comércio de Caxias do Sul tem oscilado entre meses de baixo crescimento e queda nas vendas. Embora o Estado tenha vivenciado uma crise climática em maio, o cenário não é exatamente uma novidade, arrastando-se nos últimos meses: entre novembro de 2023 a abril deste ano (último levantamento), por exemplo, apenas dezembro e março registraram aumento nas negociações em relação aos 30 dias anteriores. Nos últimos 12 meses avaliados, o setor acumula queda de 2,12% - veja a tabela abaixo.
Conforme especialistas, a explicação está em fatores variados como mudança no comportamento do consumidor, atritos no momento do atendimento, curadoria falha de produtos, renda direcionada para bens e serviços essenciais, além da inadimplência.
Para a gestora de Projetos do Comércio do Sebrae Serra, Marcia Fernanda Mendes, além destes, a demora na chegada do frio e a sensação de insegurança provocada pela tragédia climática também podem ajudar a explicar o desempenho do comércio nos últimos meses.
Por outro lado, em uma avaliação mais aprofundada, entende que há uma mudança de comportamento do consumidor, com clientes comprando menos e mais conscientes ao adquirir produtos. Também opina que observa erros básicos, atritos, dentro do que chama, tecnicamente, de jornada do cliente.
— Desde o tempo de espera, à disposição dos produtos, iluminação ruim, demora para ir buscar no estoque... Tudo isso são pequenos desconfortos que a gente chama de atritos. Muitas vezes o cliente nem vai perceber que está sentindo aquilo, mas não vai sair com aquele encantamento que é o que a gente espera que o comércio ofereça — avalia a especialista.
Um material produzido pelo Sebrae em nível nacional, mas que pode ser colocado sob ótica da região, sinaliza que nove em cada dez consumidores estão adotando estratégias para reduzir custos e que situações como a pandemia tornaram os clientes mais pragmáticos, ponderando mais as decisões de compra.
Por isso, a especialista do Sebrae aconselha que os varejistas se preocupem em entender quem é o cliente que chega à loja e se interesse verdadeiramente em suprir a necessidade dele.
— Para entregar realmente o que ele está querendo — aconselha.
Coordenadora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a professora Jacqueline Maria Corá acrescenta que fatores como a inadimplência e o custeio de bens e serviços essenciais, como saúde e educação, ajudam a reduzir a capacidade de renda, freando o consumo — dados da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) indicam que 35% da população caxiense considerada economicamente ativa está inadimplente.
— Diante deste cenário, os empresários precisam estar atentos e também evitar acúmulos de estoques, focar em produtos de acordo com seu nicho específico, realizar ações de divulgação de forma orientada e efetiva, além de evitar desperdícios, realizar um bom planejamento de suas aquisições e gastos para os próximos meses — opina.
Ela ainda recomenda "ousar" em estratégias diferenciadas e investir na qualificação da força de vendas.
Foco na venda relacional
O consultor empresarial especialista em varejo e franquias, Marcos Vinícius Finokiet, entende que um passo inicial para recuperação das vendas passa por fatores que ele caracteriza como controláveis para os lojistas, tais quais, o relacionamento com os compradores, a curadoria adequada dos produtos e a jornada do cliente — que está mais híbrida e imprevisível por conta das opções online.
Marcos opina que os comerciantes ainda estão muito atrelados ao varejo transacional, onde a venda é realizada de maneira imediata, para bater uma meta, sem criar um relacionamento com o cliente.
— Relacionar é mais caro, é mais moroso. Uma relação de longo prazo, no varejo e no consumo, é como se fosse uma amizade, uma família. Você precisa, às vezes, visitar a tia chata para manter a relação. Eu acho que alguns lojistas não entenderam a necessidade de se relacionar com o consumidor para vender — avalia.
Uma recomendação dele é realizar a captação de dados e desejos dos compradores de maneira espontânea, durante a demonstração dos produtos e a sondagem das necessidades.
— Se eu não usar a presença do cliente dentro da loja física ou digital para saber mais sobre ele, para tentar combinar sonhos, ofertas e vender mais para quem já compra, eu vou vender menos por metro quadrado, eu vou vender menos por clique no site, vou vender menos por atendimento... — contextualiza.
"O diferencial, para nós, é a experiência"
O leve aroma de baunilha, misturado com tons cítricos, são claramente perceptíveis ao olfato de quem entra na Jotah Moda Feminina, no Centro de Caxias do Sul. A fragrância se envolve na sacola dos produtos e chega à casa de cada cliente, como uma espécie de marca registrada do empreendimento. A essência dispersa no ar é apenas uma das estratégias da loja para tornar cada compra, de fato, uma experiência, segundo os proprietários Jhonas Verah e Leonardo de Lima.
Para além do aroma característico do ambiente, os empreendedores usam outras táticas para tornar o processo de compra mais agradável, como a separação de peças por cores nas araras, provadores maiores que simulam closets e lives para demonstração das coleções em redes sociais.
— A minha concorrência direta hoje em dia são as marcas online, então o que que eu faço? Eu trabalho justamente com essa experiência de compra. Acredito que tudo é uma experiência — sinaliza Jhonas.
O atendimento personalizado, com viés de consultoria de moda, também é um diferencial pontuado para fidelizar as clientes e se distinguir da concorrência. Eventualmente, as compradoras também recebem mensagens no celular com agradecimentos, convites para coquetéis e parabenização de aniversário.
— Muito mais do que atendimento é o teu entendimento (sobre os clientes). As pessoas costumam dizer que o atendimento é o diferencial de uma loja, e não é. O atendimento é o mínimo que você tem que ter se você tem um negócio. O diferencial, para nós, é a experiência — acredita Jhonas.
Atendimento personalizado e olhar social: como loja registrou incremento de 25% em maio
O olhar apurado para as vendas sempre fez parte da família Ventura, mas foi com o atendimento personalizado, qualificado nos últimos anos, que os empreendedores se estabeleceram na venda de colchões em Caxias do Sul. A empresa iniciou em 1999, como Casa do Colchões, mudando de sede e de nome durante a pandemia de coronavírus — um passo considerado ousado e até arriscado, mas que foi crucial para o desenvolvimento do negócio.
Sócio-administrador da Ventura Colchões, Ismael Quadri Ventura Junior, 26 anos, explica que manter um atendimento personalizado significa se preocupar verdadeiramente com as necessidades de cada cliente, não enxergando-o como um "cifrão" à sua frente. Para isso, é preciso manter uma escuta ativa, muitas vezes com conversas que vão além do "dormir bem".
A palavra-chave, na opinião dele, é conexão:
Tu tem que realmente ser um bom ouvinte e fazer as perguntas certas
ISMAEL QUADRI VENTURA JUNIOR
Lojista
— Hoje, acredito que seja o principal para ter um atendimento diferenciado. Tu tem que realmente ser um bom ouvinte e fazer as perguntas certas. Eu até brinco, dizendo que além de vendedor, a gente é psicólogo. Porque, às vezes, a pessoa vem para comprar um colchão e já começa a contar do filho que foi embora e agora ela está sozinha — conta.
Em maio, após uma ação social voltada para as pessoas atingidas pela enchente, a loja viu as negociações crescerem 25%, tornando-se o mês recordista nos 25 anos do empreendimento. Funcionou assim: a loja propôs aos clientes que fizessem a doação de colchões. Para cada unidade doada, a Ventura doaria outra, com limite máximo de 125 doações. O empreendimento ficou responsável, juntamente com parceiros, com a coleta e destinação dos itens sem custo aos doadores.
A proposta deu tão certo que o negócio conseguiu aumentar as próprias doações, alcançando 250 unidades. Outros 300 colchões foram cedidos pelos moradores de Caxias e encaminhados às regiões mais impactadas pela chuva.
— Foi uma ação realmente para ajudar, sabe? Mas, ao mesmo tempo, recebemos muitos feedbacks de pessoas que disseram que quando forem trocar de colchão vão lembrar da gente. Além disso, tivemos retorno imediatos, fechando vendas logo após divulgar a campanha nas redes sociais. Os clientes nos diziam que estavam precisando trocar e viram, também, a oportunidade de ajudar alguém — finaliza Junior.
O que dizem as entidades
"Apesar dos obstáculos regional, estadual e nacional, o comércio caxiense está longe de perder o protagonismo na economia local. Da mesma forma, entendo que o consumidor não perdeu seu encanto pelas nossas lojas. O que está acontecendo é que a renda das famílias e as expectativas deles com relação a manutenção de seus empregos não está permitindo que voltem com força às compras. Já atravessamos por momentos tortuosos anteriormente e conseguimos nos recuperar, e agora não será diferente. Temos certeza que iremos emergir mais fortes desta crise. O comerciante caxiense tem o espírito empreendedor, assimila rapidamente novas tendências e procura sempre atender aos desejos e as necessidades de seus clientes".
Eduardo Colombo, presidente da CDL Caxias
"Eu sempre prefiro olhar o copo meio cheio. Se a gente pensar nos prejuízos e nos estragos no nosso comércio, nós não tivemos praticamente nenhum. Já vejo isso como um lado totalmente positivo. Antes desses acontecimentos, o que vinha acontecendo era uma redução da demanda do ponto físico pelas vendas pela internet. Isso já houve uma atitude do governo federal com relação à tributação dos sites chineses. Diante de uma taxação um pouco maior, o mercado nacional fica um pouco mais competitivo. Então, aí começa a questão de um trabalho melhor executado também por estabelecimentos comerciais. Aí entram o Sindilojas e as demais entidades promovendo algumas capacitações e aperfeiçoamento na questão de atendimento, capacitação, mesmo até para o mercado nacional, com o aperfeiçoamento dos e-commerce das pequenas empresas".
Rossano Boff, presidente do Sindilojas Caxias
Recomendações para empreendedores aproveitarem as tendências de mercado em 2024
1 - Foque no sentimento do consumidor: focar na variedade de produtos e serviços, considerando os sentimentos e comportamentos do consumidor. Explorar a reflexão dos consumidores sobre o merecimento de pequenos luxos.
2 - Segmente a estratégia de acordo com o perfil do público: personalizar ações por canal, região e segmentos, considerando as diferenças regionais, culturais e de renda.
3 - Pesquise e observe o seu cliente: manter atualizadas as informações sobre o comportamento do consumidor, utilizando múltiplas fontes de dados disponíveis. Para isso, utilize pesquisas por WhatsApp e e-mail, Google Trends para tendências de busca, análise de redes sociais, ferramentas de análise de dados como Google Analytics, pesquisas de satisfação do cliente e feedback direto.
4 - Personalize as recomendações: utilizar dados de clientes e análises avançadas para fornecer recomendações personalizadas de produtos, aumentando a relevância e incentivando gastos futuros.
5 - Valorize o comportamento pré-compra: é importante compreender a jornada do cliente, analisar dados para personalizar a experiência, investir em marketing digital durante a fase de consideração, oferecer informações relevantes, facilitar o contato e incentivar revisões. Isso contribui para aumentar a probabilidade de conversão e satisfação do cliente.
6 - Use a abuse do poder das mídias sociais: direcione estratégias de publicidade e promoções para atrair o público certo. Criar uma identidade online autêntica é crucial.
7 - Consumidores dispostos a adotar IA (Inteligência Artificial): adote a inteligência artificial, como chatbots, para aprimorar a pesquisa de produtos e facilitar as decisões de compra.
8 - Atenção à LGPD: é crucial demonstrar transparência nas ações de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
9 - Empodere seus times: estimular a criatividade, desenvolver habilidades e certificar-se de que ferramentas e processos atendam à experiência do cliente.
10 - Estratégia de Marketing de Influência junto à Geração Z: considere ativamente o emprego de influenciadores em sua estratégia de marketing, focando especialmente na Geração Z, o público mais jovem. Identifique influenciadores alinhados aos valores e interesses dessa geração, buscando colaborações autênticas que ressoem com o público-alvo.
11 - Sustentabilidade no Core do Negócio: integrar práticas sustentáveis não apenas atrai consumidores conscientes, mas também contribui para um impacto positivo no planeta.
Fonte: e-book Tendências de Comportamento de Consumo em 2024 do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).