
Em abril de 2020, a urgência no combate à pandemia do coronavírus mobilizou empresários de Bento Gonçalves a criar um grupo que teve à frente o Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) para ajudar a prefeitura em medidas que escapariam às possibilidades do poder público. Foi assim, num mutirão solidário, que se construiu em tempo recorde 40 leitos de UTI junto à UPA 24 Horas. Agora, quatro anos depois, quando o prefeito Diogo Siqueira procurou o mandatário do CIC, Carlos Lazzari, para pedir apoio às ações para salvar vidas no interior atingido pela enchente, o mesmo grupo foi remobilizado, reativando até a mesma conta bancária aberta na época da pandemia, para novamente unir forças com o poder público diante de uma situação de exceção.
O caso de Bento Gonçalves ilustra a importância de a sociedade civil organizada estender o braço aos governantes desde o momento de ser solidário até o de contribuir para a fase que será de reconstrução do Estado. Recuperando estradas e pontes, negociando soluções para que as empresas tenham segurança para voltar a produzir, garantindo aos agricultor a recuperação da lavoura que foi avariada pela enchente, entre outras medidas.
– Os desmoronamentos no interior atingiram mais de 500 famílias, cujas propriedades, em sua maioria de dois a quatro hectares, foram avassaladas. Temos no nosso interior 600 quilômetros de estradas vicinais, e cerca de 200 acessos foram obstruídos. O chamado que recebemos do prefeito foi para criar o que chamamos de cordão humanitário, que permite devolver a dignidade a essas famílias, para que possam retornar às suas moradias onde for possível, tocar a agricultura, cuidar dos seus animais e viver suas histórias naquele mesmo lugar onde seus antepassados viveram – comenta Carlos Lazzari.

Outro exemplo simbólico da sinergia entre a iniciativa privada e o Estado, que também chega de Bento, já produz efeitos práticos a fim de permitir o retorno dos desalojados às suas propriedades. Ao mesmo tempo em que as vistorias de todas as casas atingidas estão sendo feitas por um grupo de 26 engenheiros encaminhados pela Associação das Empresas da Construção Civil e pela Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Região dos Vinhedos (Aearv), outro grupo formado por 25 geólogos encaminhados pelos governos de quatro Estados brasileiros fazem uma análise de solo, avaliando os terrenos da região para encontrar áreas de risco.
– Tivemos a primeira fase muito bem sucedida, capitaneada pelo nosso prefeito, de resgatar 1.080 pessoas que corriam risco de vida. Esta segunda, em que estamos, é a de fazer este corredor humanitário. A terceira será uma nova força-tarefa com empresas do agronegócio e da agroindústria, com entidades do setor privado, no sentido de garantir que cada agricultor tenha a condição de fazer o seu plantio para a próxima safra, nem que tenha de oferecer a ele a primeira muda para recomeçar. As vinícolas precisam que os parreirais sejam replantados – complementa o dirigente do CIC de Bento Gonçalves.
A proatividade de um potente setor, que neste sábado celebra o Dia da Indústria
Em Caxias do Sul, a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) também se mobilizou para que a economia se mantenha ativa. Entre as ações já colocadas em prática estão uma força-tarefa coordenada pela entidade que trabalha na desobstrução de vias no interior de Caxias, como em Vila Cristina e Sebastopol, e de municípios vizinhos, como o distrito de Faria Lemos, em Bento. No maior município da Serra e segundo maior do Estado, a indústria representa 53,4% da economia. Neste sábado (25) é celebrado o Dia da Indústria, em homenagem ao patrono da atividade no Brasil, Roberto Simonsen, falecido nessa data, no ano de 1948, e que foi pioneiro da construção civil nos moldes modernos e teve presença marcante em diversos setores como os de frigoríficos e produtos cerâmicos.

E o setor de indústria da construção civil é um dos que estão atuando neste momento atuando pela retomada após a chuva no Estado. Enquanto construtoras e empresas de terraplanagem cederam máquinas pesadas, parte dos recursos doados através da campanha SuperAção Serra Gaúcha foi utilizada para o abastecimento do maquinário. Mais doações podem ser feitas pelo Pix doe@superacaoserra.com.br.
O presidente da CIC Caxias, Celestino Oscar Loro, acredita que, para evitar um colapso da economia na Serra, é preciso investir em infraestrutura e resolver os problemas das estradas, como a BR-116 e a BR-470, e que é preciso do socorro do governo federal às empresas afetadas pela intempérie climática. Alerta principalmente para a perda de competitividade para as indústrias que terão custos elevados para transportar os produtos, bem como a menor circulação de turistas.
– Neste momento ainda estamos focados em desobstruir os principais acessos ao município, especialmente as estradas vicinais, mas é igualmente urgente recuperar os trechos das rodovias federais para restabelecer as conexões da Serra com as outras regiões. No ano passado, o superintendente regional do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, Hiratan Pinheiro da Silva), apresentou em Caxias o projeto de ampliação da BR-448 desde Estância Velha, o que certamente é uma solução estrutural, mas não temos como esperar três ou quatro anos até este trabalho ser concluído. Esperamos que a visita do ministro do Transportes (Renan Filho) ajude a sensibilizar o governo federal quanto a essa emergência – avalia Celestino Loro.
Recuperar os acessos rodoviários é o primeiro dos cinco pilares do programa SuperAção, nome dado ao plano de trabalho criado para nortear as ações do Comitê de Crise formado pela CIC Caxias do Sul e sindicatos patronais no enfrentamento da situação calamitosa provocada pela enchente. Conforme Loro vem detalhando em reuniões que se tornaram frequentes com outras entidades patronais, outros pilares remetem a medidas de socorro econômico tomadas durante a pandemia, como suspensão de contratos de trabalho para garantir empregos e apoio financeiro para ajudar as empresas a mitigar perdas, como abertura de novas linhas de crédito e prorrogação de prazo para empréstimos e pagamento de impostos.
– Empresas que estão fechadas neste momento, e que por isso não estão arrecadando, não têm como continuar cumprindo com seus compromissos. É preciso um amplo programa para colocar dinheiro novo no mercado, mas é um dinheiro de alto risco que os bancos privados não vão bancar. Por isso é tão importante que haja resposta do governo federal – pontua.
Sobre o Dia da Indústria, Loro ressalta que, além de celebrar a capacidade e a inovação que impulsiona o setor, é preciso reconhecer a importância vital do segmento na reconstrução do RS.
– Em tempos de desafios monumentais, a indústria não apenas mantém a economia em movimento, mas também oferece a promessa de um futuro mais próspero. Assim como em períodos anteriores de adversidade, a indústria continua a ser um pilar essencial para impulsionar o progresso e a recuperação. Cada máquina em funcionamento, cada produto fabricado, é um testemunho da dedicação incansável à reconstrução do nosso Estado – disse o presidente da CIC.
Em cada empresa uma iniciativa
Entre as empresas que se prontificaram a agir de forma imediata de auxílio no trabalho de reconstrução e de desafogo à população e a empreendedores neste momento de exceção, a cooperativa de crédito Sicredi Pioneira também divulgou recentemente uma série de ações, que foram reunidas num manifesto enviado à imprensa e aos associados.
A cooperativa contribuiu com recursos para o trabalho de recuperação do trecho da BR-116 em Vila Cristina, entre Nova Petrópolis e Caxias do Sul, que teve à frente a iniciativa privada da região, e manifestou estar atenta a iniciativas de recuperação da ponte sobre o Rio Caí (também sobre a BR-116) e ao projeto de reconstrução da ponte de Picada Cará, no município de Feliz.
Dentre as medidas de apoio aos associados, a centenária cooperativa sediada em Nova Petrópolis, que soma 250 mil associados nos municípios afetados pela enchente, abriu a pessoas físicas e jurídicas a possibilidade de prorrogar créditos ativos e de pausar pagamentos por até seis meses para pessoas físicas e jurídicas. Agronegócios poderão prorrogar os créditos por até um ano.
Outras medidas incluem linha de crédito emergencial, repasse de recursos do Pronampe, crédito subsidiado pelo governo, desburocratização do câmbio para entidades que recebem valores de doação do Exterior, com isenção de taxas de câmbio e documentação a ser solicitada somente após a transferência.

Uma das gigantes caxienses, a Marcopolo também está mobilizada a contribuir para um momento de retomada. Após ter feito a doação de R$ 5 milhões, por meio da Fundação Marcopolo, para ajuda humanitária, também criou o programa O Futuro que Queremos, que irá propor debates e simpósios para buscar soluções inovadoras para problemas crônicos. Em retorno à solicitação da reportagem sobre o posicionamento da empresa quanto ao papel da iniciativa privada na reconstrução do Estado, a resposta enviada via assessoria de comunicação foi a de que este será um trabalho a ser feito em conjunto com o poder público, ao mesmo tempo em que a empresa já está e seguirá apostando em produtos alinhados à agenda ambiental:
"A Marcopolo seguirá focada em manter a sua produção a pleno vapor. Como uma empresa privada do setor de mobilidade coletiva, entendemos também que temos condições de promover uma agenda climática mais sustentável. Nosso papel é investir de forma contínua em novos produtos, inovação e tecnologias para que os sistemas de transportes de passageiros sejam mais eficientes e menos poluentes. Podemos citar o Attivi integral, um veículo elétrico com chassi e carroceria próprios e que é fabricado em nossa unidade de Caxias do Sul. Para os veículos a combustão, como os modelos rodoviários, apostamos em materiais mais sustentáveis, medida que contribui com a redução das emissões de gases de efeito estufa" escreveu a empresa, no comunicado.

A Randoncorp, por sua vez, tem prestado auxílio a diversas ações de socorro. Entre as iniciativas que se pode destacar estão o empréstimo de um semirreboque para distribuição de água potável, em parceria com a Cruz Vermelha, e também a doação de um drone ao Corpo de Bombeiros, que auxiliou no resgate de vítimas. A empresa também forneceu apoio logístico aéreo e terrestre para a entrega de medicamentos e outros itens.
Mais mobilização por um futuro próspero
Pensar a Caxias do Sul do ano 2040 e ser um catalisador para chegar aos avanços necessários é a ideia que fez surgir a Associação Mobilização por Caxias do Sul, a MobiCaxias. Formado por lideranças representativas do poder público, da iniciativa privada, da academia e da sociedade civil organizada, o grupo tem se mostrado atuante em questões práticas para a região na área da infraestrutura, especialmente no processo de concessão da ERS-122, e da saúde, trabalhando junto aos políticos da região em Brasília para ampliar a capacidade de atendimento do Hospital Geral.

Diante do desafio de reconstrução que se coloca após a enchente no Estado, o diretor da MobiCaxias Rogério Rodrigues vê como prioritário marcar presença de maneira ainda mais firme em Brasília, a fim de fazer acelerar demandas estruturais para a região, como o Aeroporto Regional da Serra, em Vila Oliva.
– Ficou provada agora a nossa incapacidade, com um aeroporto internacional só, de escoar nossa produção e fazer a logística, especialmente e numa situação de emergência, dos nossos cidadãos. Paralelo a isso, é preciso alcançar mais melhorias par o nosso Aeroporto Hugo Cantergiani, que já foi objeto de reunião nossa com a presidência da Anac, na qual apresentamos um checklist de demandas, e muitas já estão começando a ser atendidas – diz.
Rodrigues ainda aponta como pauta oportuna para este momento difícil que o Estado está passando a modernização da malha ferroviária, especialmente com a implantação do terminal rodoferroviário de Vacaria, que contribuiria para diminuir a dependência do modal rodoviário no transporte de cargas.
– Imagina diante desta situação, com nossas rodovias todas trancadas, se tivéssemos o sistema ferroviário. Temos o projeto do terminal rodoferroviário de Vacaria já pronto e encaminhado, com a linha férrea toda colocada à disposição da Anac e da Infraero, tendo o aeroporto regional de Vacaria também em condições de receber voos. Quando falamos desta solução via Varia, ou do porto de Arroio do Sal, estamos falando de um raio de 120 quilômetros de Caxias do Sul, que em condições eficientes nos supririam neste momento de emergência. O Rio Grande do Sul passou muito tempo esquecido, sem um grande projeto de infraestrutura há mais de 50 anos. A gente espera, de fato, poder colocar um holofote no nosso Estado – finaliza o dirigente.