Quando se fala em geração de emprego e renda, o papel de protagonismo no Rio Grande do Sul segue com as micro e pequenas empresas. Embora o Estado esteja repleto de potências em vários setores, ainda são os negócios menores que representam o grosso do mercado de trabalho. Conforme dados do Data Sebrae, em 2023, os empreendimentos no RS com até 49 funcionários geraram 50.869 postos. Mesmo com queda em relação ao ano anterior, quando o saldo positivo entre demissões e contratações foi de 79.710, o resultado foi melhor do que o acompanhado nas médias e grandes, que apresentaram uma balança negativa de 6.880 no cálculo de entradas e saídas no período.
Números que apontam para a percepção de quem vive o dia a dia dos pequenos empreendedores também na Serra. À frente da unidade de Caxias do Sul do Sebrae, Gustavo Rech ressalta a participação dessa fatia do empresariado que, segundo ele, mantém grande representatividade na geração de empregos.
— Podemos ver pelos dados do cenário Data Sebrae que a maioria dos empregos gerados no Rio Grande do Sul no ano passado foram garantidos pelas micro e pequenas empresas. Para 2023, estávamos esperando um ano mais tranquilo em relação ao mercado, mas vimos desde o primeiro semestre uma desaceleração, principalmente na economia primária, e isso resulta numa escala para os demais setores — avalia Rech.
Para o gerente regional do Sebrae, o que ainda desafia muito empresários que estão começando ou com pouco tempo de atuação são problemas que se repetem e contam com a atenção do órgão na permanente orientação.
— Ainda notamos que a gestão financeira segue como um dos principais gargalos do pequeno negócio. Precificação, organização do caixa, falta de planejamento, incompreensão na diferença entre faturamento e lucro real também são exemplos muito observados. E, lógico, a dificuldade com a inserção e o marketing digital. Um dos escopos mais procurados dentro do mix de soluções do Sebrae — elenca Rech.
Microempa aposta em melhora da economia
Os 3 mil associados da Associação da Empresas de Pequeno Porte do RS (Microempa), que a partir deste ano passou a ter representatividade não somente na região nordeste do Estado, mas em todo Rio Grande do Sul, vivem a expectativa de um ano de aceleração na economia, vindos de um ano com crescimento nos segmentos de comércio e serviço, mas de preocupação na indústria.
O apontamento é do diretor de serviços da entidade, Vinícius Valer. De acordo com ele, o setor de eventos foi um dos que ajudou a puxar o crescimento e garantir a necessidade de contratações e criação de muitos microempreendedores individuais (MEIs).
— Os dados da Fecomércio e da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Caxias do Sul nos mostram que o setor de serviços cresceu 20,9% na cidade em 2023. Muito do PIB positivo em 4,6% de Caxias deve-se a isso. Esse movimento também foi possível porque muitos profissionais liberais viraram pessoas jurídicas, tornando-se MEIs — aponta Valer.
Entre os números listados pelo diretor da Microempa, divulgados pela CDL, o comércio ficou próximo à estagnação, com leve alta de 0,6%, enquanto que a indústria caxiense registrou queda de 3,3%. As possíveis explicações para esse cenário, na avaliação de Valer, estão na concorrência com vendas online, no primeiro cenário, e nos cortes de investimentos e instabilidade política, no segundo.
— Além da concorrência desleal com os produtos que vêm de fora, principalmente o chinês, como é em todo o mundo, a internet tira o poder do comércio local. São compras pequenas, mas que, somadas, representam muito. As pessoas vão bem menos para a rua. E o microcomerciante não tem dinheiro, nem conhecimento para entrar no mercado online. Muitos ainda vendem no caderno, oferecendo somente para amigos e conhecidos. O comércio está apanhando bastante — ressalta.
Sobre o setor industrial, Valer avalia que a desaceleração levou aos números negativos.
— A indústria gaúcha freou. Cortou investimento. A maioria das micro e pequenas empresas são prestadoras de serviço das grandes. Quando as maiores cortaram investimentos e baixaram a produção, as menores sentiram — acrescenta o empresário.
Oportunidade para quem se qualifica
Quem está disposto a aprender uma profissão e se qualificar para o mercado de trabalho não fica sem vaga. Esta é a avaliação proprietário da oficina mecânica Mestre Óleo, Rodrigo De Bortoli. Localizada no bairro Charqueadas, em Caxias do Sul, a empresa buscou a contratação de dois profissionais entre outubro do ano passado e fevereiro de 2024.
Contudo, De Bortoli afirma que a dificuldade em buscar profissionais faz com que as mecânicas demorem mais para preencher as vagas disponíveis.
— Nós pegamos currículos, avaliamos e percebemos que a pessoa não tem experiência ou sequer tem a formação básica na área. Não temos problemas em contratar aprendiz, desde que tenha uma base mínima — avalia o empresário.
Quem aproveita os espaços deixados pelo não preenchimento de brasileiros qualificados são os estrangeiros que chegam ao Brasil cheios de vontade de trabalhar, e que possuem formação em áreas com demanda. O mecânico venezuelano Samuel Asmahr Silva, de 38 anos, está no país há um mês, e ficou com o emprego oferecido pela oficina.
—Deixei a Venezuela há sete anos, e fui para Argentina atrás de trabalho. Em janeiro deste ano, vim para cá ficar com meu irmão. Me falaram que era difícil chamarem entregando currículos, mas eu fiz isso e consegui uma vaga. Ajudou ter vários cursos na área, e estou muito feliz aqui —afirma o venezuelano.
Para o segundo semestre, a Mestre Óleo deve absorver mais um funcionário, devido a investimentos em mais serviços. De acordo com De Bortoli, o movimento será possível pelo aumento na demanda, depois de um ano de queda para o setor.
— Para nós, 2023 foi de déficit no faturamento. Anualmente, crescemos de 10% a 20%, além da inflação, mas o ano passado foi de queda. Pelo que acompanhamos com outros colegas do setor, todo mercado apresentou retração. Um dos motivos foi pela insegurança do cliente. Muitos faziam o orçamento e gastavam apenas 50%, às vezes até menos. Só faziam o básico para seguir andando. Em janeiro e fevereiro, percebemos o contrário. E esse aumento projeta um ano diferente — aposta De Bortoli.
Rotatividade marca a atual indústria
Uma das áreas que mais registram trocas de funcionários é a indústria. Além de ter vivido um 2023 de mais desligamentos do que contratações no Estado, o setor convive com alta rotatividade entre os profissionais. A realidade é confirmada por Adriano de David, diretor da Metalúrgica Davieceli, no bairro São José, em Caxias. Com 20 anos de atuação em usinagem de peças, a empresa que atualmente possui um quadro total de 16 funcionários, teve nove contratações no ano passado, e oito demissões. Em 2024, já são três admissões e duas saídas.
Embora o saldo siga positivo, mesmo que timidamente, o cenário ainda preocupa. De acordo com Davieceli, clientes de diversas áreas diminuíram a produção, o que acarretou menos serviço para a metalúrgica.
— Foi um ano muito difícil. A maioria dos segmentos despencou. A exceção foi uma empresa do setor automotivo que atendemos e ajudou a equilibrar o faturamento, permitindo o aumento no número de colaboradores — revela o empresário.
A falta de interesse da mão de obra é um problema a ser enfrentado. Davieceli confirma que a rotatividade de funcionários acontece por muitos contratados não se adaptarem à função, e novas vagas demorarem para serem preenchidas.
— Teve o caso de um rapaz que foi selecionado que exemplifica. Entrevistamos, passou horas com a gente para conhecer o trabalho, a empresa. Chegou a falar que foi muito bem recebido. Na hora de aceitar a proposta, até maior do que a pedida dele, recusou, e simplesmente falou que iria seguir com o seguro-desemprego — relata.
Turismo em alta garante vagas
A retomada da economia no período pós-pandemia ainda reflete em um dos setores que mais sofreram nos últimos anos. Os serviços, puxados por eventos e turismo, por exemplo, é o segundo segmento que mais cria novos postos de trabalho no Estado, de acordo com o Sebrae. Ainda que tímida, a aceleração proporciona boas oportunidades para quem é da área turística.
Na agência de viagens Enova, no bairro São Pelegrino, a empresária Elaine Fideli revela que 2023 foi de alta na procura por destinos consagrados tanto nacionais, quanto internacionais, o que proporcionou a manutenção das vagas e gerou necessidade de contratações para este ano.
— Foi um ano muito bom. Em janeiro observamos uma baixa importante, mas em fevereiro e março o setor já reagiu, o que nos parece que será a tendência para 2023. Hoje, com esse cenário, temos espaço para duas novas pessoas, talvez até três. Não preenchemos ainda por avaliação financeira, gestão mesmo, mas vamos contratar para atingir o crescimento projetado, que é dobrar o faturamento — aponta Elaine.
Entre as vagas que estão no escopo da agência, os profissionais pretendidos são para cargos nos setores administrativo, marketing e vendas. Atualmente, a empresa possui seis funcionários, um a menos em relação ao último semestre.