Dois meses após as águas do Rio Taquari invadirem a cidade, donos de estabelecimentos de Santa Tereza, na Serra, buscam reconquistar os turistas. É que desde a enchente em setembro os visitantes se afastaram do pequeno município da Serra, que tem o turismo como uma das principais fontes de renda. Além de ser vizinha ao Vale dos Vinhedos, a cidade abriga um centro histórico com casarões em madeira e alvenaria tombados como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, assim como lugares que valorizam a gastronomia típica, o artesanato e a produção local.
Responsável pela cozinha e pelo gerenciamento de um restaurante na Avenida Itália, Morgana Somensi Ceriotti deixou há três anos o trabalho como auxiliar de dentista do posto de saúde para ser a dona do próprio negócio. Ao lado do marido, do genro e de duas funcionárias, ela atende no estabelecimento às sextas, sábados e domingos. O espaço também é responsável pela alimentação de hóspedes de uma tradicional pousada no município. O carro-chefe do local é a culinária típica italiana, como sopa de agnoline, massa, galeto, polenta, queijo, carne de porco e pizza.
Morgana comenta que, antes da enchente, costumava servir entre 35 e 40 almoços aos domingos. Após a catástrofe, o estabelecimento ficou fechado por duas semanas e reabriu ainda em setembro. Nesse período, serviu almoços diários para voluntários e pessoas que não tinham como preparar os alimentos na própria casa.
Desde que reabriu, não tem conseguido reunir mais do que 15 pessoas dispostas a fazer uma refeição no restaurante.
— Pelo nosso público e pelo nosso espaço, servir 40 almoços num dia é muita coisa. E isso nos deixava muito feliz, é o nosso trabalho. Agora, tem sido mais difícil. Acho que as pessoas não sabem que dá pra vir pra Santa Tereza, que a gente está se reconstruindo e voltando à normalidade. Percebi que os visitantes que recebemos nos últimos dias são pessoas que nos conheciam, que tinham vindo antes. Aquele turista de primeira viagem não tem vindo aqui — lamenta ela.
A cidade de 1,7 mil habitantes tem conseguido se reconstruir, mas ainda apresenta sinais da destruição. Moradores são vistos com carrinhos de mão pelas ruas, casas estão sendo reerguidas aos poucos e imóveis antes vazios voltaram a ser ocupados. Ao mesmo tempo, flores são vistas na entrada da cidade, dando um ar mais colorido após dias de muita lama.
Em Santa Tereza, 63 residências foram destruídas pela água, sendo 34 no perímetro urbano do município (leia mais abaixo). Nenhuma vida foi perdida. A cidade ainda calcula o impacto na economia, uma vez que a agricultura e o turismo são as principais fontes de recursos para o município. Segundo a secretária municipal do Turismo, Daniela Castoldi, o movimento de visitantes na cidade caiu pela metade.
— Tem muito o que fazer, mas estamos organizados. A cidade está com uma aparência melhor, estamos dando um ar mais aconchegante, apesar de alguns vazios. E nos preocupamos com o turismo, onde percebemos uma baixa muito forte e até compreensível. As pessoas acham que vindo pra dá estarão atrapalhando, mas não. Inicialmente, o turismo ia atrapalhar porque a cidade estava um caos. Agora, precisamos que elas visitem o nosso município e conheçam os nossos atrativos para que eles se mantenham de portas abertas —comenta.
Artesanato local chama atenção
Um charmoso ateliê próximo ao posto de saúde da cidade concentra o minucioso trabalho da artesã Carina Chiminazzo. Ela é responsável por criar peças única de decoração usando a cerâmica como a principal matéria-prima e produzindo os itens em alta temperatura. O marido e o filho contribuem usando a madeira e também criando utensílios como tábuas e esculturas.
Além das peças tradicionais, que enchem o ateliê, a artista trabalha com a técnica de “imprimir” o crochê de antigos guardanapos, obras de nonas exímias na cerâmica. Uma produção local levada para diferentes cidades brasileiras e que surgiu durante a pandemia.
— Há dois anos e meio, tive problemas familiares e a cerâmica fez parte da minha cura. O ateliê existe por causa disso. Antes, o espaço era um orquidário. Encontrei uma professora no Vale dos Vinhedos e fiz aulas online com ela em razão da pandemia. Ainda sigo me especializando, porque a gente não pode parar nunca. Graças a Deus, por estar em um ponto alto da cidade, não fomos atingidos pela água. Mas estávamos crescendo e, depois da enchente, tudo caiu muito — conta ela.
Segundo ela, o que tem mantido o trabalho são as encomendas de clientes que conhecem o trabalho da artesã, e que não deixam de garantir novas peças. Mas visitar o ateliê em Santa Tereza é um convite ao conforto e bem-estar, podendo caminhar por um quintal, contemplar uma fonte de água e ainda tomar um chá de pêssego.
— Não estamos parados, estamos aqui. A cidade está aqui, não foi destruída — conta.
Além do patrimônio histórico, da gastronomia e o artesanato, Santa Tereza também abriga uma cachaçaria aberta à visitação, que fica a menos de um quilômetro do centro da cidade. A história do local iniciou em 2001 e, seis anos depois, o estabelecimento começou o processo de produção de cana-de-açúcar e das cachaças 100% de Santa Tereza. O empreendimento é administrado por Ivandro Remus, que produz cerca de 30 mil litros da bebida por ano.
Recentemente, a empresa inaugurou a nova unidade de produção e loja, um amplo e estruturado espaço onde recebem os turistas para uma visita que inclui a observação do processo de produção, degustação e a possibilidade de adquirir os produtos direto do produtor.
Os três estabelecimentos foram visitados na última semana por um grupo de influenciadores de diferentes estados brasileiros. Após conhecerem vinícolas e restaurantes das mais tradicionais cidades do Vale dos Vinhedos a convite de uma agência de comunicação, o grupo prolongou a estadia na Serra e reservou um dia do passeio para conhecer Santa Tereza.
— Trago jornalistas e influenciadores de todo o país há mais de 20 anos para conhecerem e divulgarem o turismo na Serra e, desta vez, senti necessidade de trazer esse grupo para conhecer Santa Tereza. A cidade tem pontos turísticos, lugares lindos e precisa nesse momento de divulgação para que volte a atrair os turistas — comenta a jornalista Lucinara Masiero, responsável pela ação.
O casal de advogados Bruna Golo, 34, e Maurício de Oliveira, 35, vieram de Florianópolis e visitaram Santa Tereza pela primeira vez. Eles administram uma conta no Instagram onde compartilham dicas e experiências de viagens. Se encantaram pela preservação do patrimônio e pela gastronomia do município.
— Estamos acostumados a viajar, conhecer o país e achamos a cidade muito acolhedora. Tem essa característica de pequeno povoado que foge do que é o Vale dos Vinhedos. Sabíamos da enchente, da destruição, mas não sabíamos o que nos esperaria. Vimos que os locais estão atendendo normalmente e que são ótimas opções para o turista — conta Bruna.
Famílias poderão construir moradias em terreno da prefeitura
Uma área pertencente à prefeitura de Santa Tereza será destinada aos moradores atingidos pela enchente para reconstruírem suas casas.
O investimento, até o momento, é de R$ 1 milhão, e intervenções como terraplenagem, rede de água, esgoto e energia elétrica já foram realizadas no local. A prefeitura ainda contabiliza quantas famílias vão optar por construir as casas no novo terreno, que fica mais afastado das margens do rio. O município também deve auxiliar na elaboração do projeto arquitetônico e estrutural dos novos imóveis.
De acordo com a prefeita de Santa Tereza, Gisele Caumo, a maioria das famílias não conseguem se enquadrar em programas federais para auxílio na reconstrução das casas e devem fazer esse investimento com recursos próprios.