Chegarão ao Chile, ao longo de 2024, os trens fabricados pela Marcopolo Rail, braço da montadora de Caxias do Sul voltada para a implementação de sistemas de mobilidade com veículos leves sobre trilhos (VLTs). É o passo mais importante da unidade, criada em 2017 e que funciona com fábrica e equipes próprias na Marcopolo em Ana Rech. Até então, a unidade concentrava parceiros comerciais no Rio Grande do Sul e em São Paulo.
Serão fornecidas três composições de dois carros para a Empresa de los Ferrocarriles del Estado - EFE Trenes de Chile, estatal responsável pela gestão da rede ferroviária do país. Os veículos serão bidirecionais, com cabines de operação em cada extremidade. As composições terão capacidade para transportar 223 passageiros, sendo 80 sentados e 143 em pé. Os modelos vão contar com climatização, espaço destinado para pessoas com mobilidade reduzida, além de um sanitário adaptado.
Os trens produzidos deverão operar na linha Talca-Constitución, um circuito interurbano de transporte de passageiros de média distância, com 88 quilômetros de extensão e 11 estações. O contrato foi assinado em dezembro do ano passado e, após, foram iniciados os estudos e confecção dos veículos.
As informações foram apresentadas pelo gerente-executivo da Marcopolo Rail, Petras Amaral Santos, durante uma apresentação a empresários a convite do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs) nesta quinta-feira (28).
Durante a apresentação, Santos destacou os desafios da malha ferroviária no país. Segundo ele, apenas oito mil quilômetros estão ativos no Brasil, a maior parte voltada para o transporte de cargas. Por isso, o país apresenta espaço para o crescimento do setor e onde a Marcopolo, como uma empresa nacional, espera avançar nos próximos anos.
Até o fim do ano, a empresa vai entregar três unidades para o consórcio AeroGru que serão utilizadas no sistema People Mover, de transporte de passageiros no aeroporto internacional de São Paulo. Esses veículos circularão entre os três terminais de Guarulhos e a estação Jade da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em uma linha elevada.
Após a palestra, o Pioneiro conversou com Petras. Confira os principais trechos:
Pioneiro: Por que a implementação de novos sistemas de mobilidade precisam ser prioridade para os próximos anos?
Petras Amaral Santos: É importante porque é um sistema eficiente de mobilidade, onde ele traz pontualidade, conforto, qualidade de transporte coletivo. É público e de qualidade. Ele vai acabar virando um ramal de sistemas dentro da cidade. O que acontece hoje nas cidades é que a gente tem uma sobrecarga de automóveis de transporte individual e o VLT é uma opção coletiva que vai fazer com que a cidade volte a ter fluxos mais organizados e que integrem pontos importantes da cidade. VLT contribui também para a requalificação do entorno, urbanismo, valorização de terrenos e áreas no entorno. Redefine o conceito de mobilidade das cidades. Uber não é a solução. O transporte por aplicativo é individual, de uso público, mas a gente tem que buscar soluções coletivas. O Brasil abriu mão desse sistema na década de 1950, 1960, em prol da indústria automotiva, o que não foi repetido na Europa, por exemplo
O senhor cita que o Brasil tem cases de fracasso na implantação de VLTs, com cidades que investiram no sistema, mas que hoje o veículo não está em operação. Por que isso ocorreu?
O Brasil tem muitas vezes implementações de curto prazo, que trazem soluções imediatas, mas, na verdade, a gente precisa ter uma visão a longo prazo. Os investimentos feitos são para quatro, cinco anos e não para 30 anos, como é o caso de um VLT. Um política de Estado que traga solução a longo prazo, se faça investimento e que isso se dilua em uma operação eficiente para que a população possa usufruir. Esses cases de fracasso (na palestra ele citou como exemplo a cidade de Cuiabá) ocorrem por falta de planejamento a longo prazo, não se teve uma visão que precisa manter o sistema ativo, fazer uma manutenção e manter a operação ativa.
Em uma cidade como Caxias do Sul, como é possível avançar nesse setor?
Temos acompanhado discussões, mas, de fato, oficialmente, não temos nenhum projeto de VLT para Caxias do Sul. Estamos em contato com muitas cidades brasileiras e também da América Latina. É importante que dentro do Plano de Mobilidade estejam incluídos estudos para sistemas ferroviários. É uma cidade de 500 mil habitantes e merecia ter estudos de ramais ferroviários, tanto urbanos como intercidades, inclusive, que vejo oportunidades aqui na região. Interligação entre cidades próximas com Caxias e também no meio urbano onde há maior demanda.
Por que é importante para a marca chegar ao Chile? O que o país tem feito para se destacar nesse segmento?
É o projeto mais importante porque estamos entrando dentro de um sistema bastante reconhecido na América Latina, que é a EFE. Já existem outros trens, outros ramais operando e para nós é muito importante ter essa implementação a nível internacional. A marca vive um movimento de crescimento desde que surgiu e vai ser um sistema referência para nós e também como aprendizado e poder atender toda a população. São três composições com dois carros, cada carro com 18 metros, para um ramal de 88 quilômetros. Eu colocaria o Chile como um dos países mais organizados na implementação de trens na América Latina. Esses países já têm um planejamento estratégico de 20 anos, já prevendo a implementação de ramais, e isso é fundamental.
Qual é o desafio de ser uma fabricante de trens 100% brasileira?
Basicamente, a gente observa a geração de empregos. Temos leis que beneficiam, produtos competitivos, padrão internacional, com normais europeias e norte-americanas. Logística eficiente, uma cadeia nacional de fornecedores. E vamos estar próximas ao cliente por 30 anos. Isso é muito importante nesse setor e fez diferença para a nossa entrada no Chile. Com a Giordani Turismo (em 2020, a Marcopolo Rail lançou o Prosper VLT para operação em uma rota turística da Giordani Turismo, em Bento Gonçalves), demos o nosso primeiro passo. Vimos como oportunidade para desenvolver um produto de turismo entre as cidades. Eles tinham a necessidade e acabou ficando um atendimento bastante customizado, o que mostra a nossa capacidade também de adaptar o produto a diferentes segmentos.