Meliponicultura. O termo que nomeia a criação de abelhas sem ferrão é curioso como a prática de explorar a diversidade de produtos e as possibilidades de ter em residências e propriedades rurais um inseto nativo do Brasil e fundamental para o ecossistema.
As melíponas, como são chamadas as abelhas sem ferrão, só têm em comum com as espécies mais conhecidas a habilidade de polinizar e fabricar mel. E as particularidades terminam por aí. Diferentemente de abelhas africanizadas (Apis mellifera), espécie originária da Ásia, Europa e África, os insetos que motivaram a criação de uma associação na Serra gaúcha e figuram em feiras e festas da região podem se dividir em até 300 espécies e fabricar méis de diversos tipos.
Em comum entre elas estão a alta capacidade de organização, o trabalho incessante e a ausência do ferrão, o que não impede alérgicos e crianças de se interessarem por um inseto insubstituível para a polinização natural das frutíferas.
Inofensivas, as abelhas desse tipo permitem a aproximação de quem as cultiva e têm manejo relativamente simples. A fácil observação do trabalho realizado por elas causa fascínio com as estruturas complexas que são criadas para estocar o mel produzido dentro dos enxames.
Em geral são pessoas que começaram por hobby e se apaixonaram pela prática que apresenta formas diversas de monetização. Entre as possibilidades estão a venda e o aluguel de enxames, consumo in natura e a transformação dos produtos em cosméticos. É preciso também levar em conta as propriedades fitoterápicas e a possibilidade de inserir o mel em receitas de geleias e até cachaça.
No Rio Grande do Sul, são 23 espécies nativas catalogadas, e todas elas, com exceção da predadora abelha-limão, são criadas no maior meliponário do Rio Grande do Sul, localizado em Nova Petrópolis. O município tem sido referência na criação de abelhas sem ferrão. Na propriedade de Orlando Morschel, na Linha São Jacó, são mais de 1,5 mil colmeias que polinizam a produção de morango e representam 50% da renda da família.
— Trabalhamos principalmente na multiplicação e venda dos enxames. Só que com isso teremos cada vez mais criadores, em no momento que tivermos dificuldades em vender, podemos criar renda através da venda dos subprodutos, que vêm da extração do própolis e do mel — explicou Morschel, que passou a criar as abelhas de forma profissional no ano de 2008.
O investimento de Morshel foi alto. São 1,3 mil tubos de concreto espalhados para serem as bases das caixas que abrigam os enxames. Toda a estrutura conta com resistências elétricas que aquecem as colmeias em caso de temperaturas abaixo dos 10ºC. Somadas as caixas de madeiras, a estimativa é que a idealização do meliponário tenha custado entorno de R$ 250 mil.
O retorno vem da comercialização dos enxames vendidos para todo o Brasil e, recentemente, para argentinos de Córdoba, que, em visita à Região das Hortênsias, saíram da Linha Jacó com as caixas que darão início ao cultivo no país vizinho.
— Estamos em uma região muito turística. As pessoas querem ver coisas que nunca viram, e esse tema é muito vasto e curioso — considerou Morshel.
Possibilidade de exploração turística
O apelo turístico será explorado em outro ponto de Nova Petrópolis pela família de Jonathas Cizar. Ele planeja para setembro a inauguração da Cooperativa das Abelhas na Linha Imperial. O nome é uma alusão ao berço do cooperativismo iniciado na localidade e irá receber turistas para apresentar a rotina e trabalho das abelhas sem ferrão.
Por enquanto, a criação está no Arroio Paixão, próximo a Linha Temerária, e conta com cerca de 600 enxames de 15 espécies. Principalmente no final de semana, novos interessados chegam à propriedade na busca por iniciar a própria criação.
— Quando a pessoa compra um enxame, prestamos toda uma consultoria para que dê certo. Se ela se frustrar, vai desistir, então o pós-venda é fundamental. Quem cria abelhas sem ferrão quer todas as espécies nativas do estado, quase como colecionadores. Então temos a possibilidade de, com a multiplicação, ofertar mais enxames aos novos criadores que se interessam por esse mundo — exemplifica Cizar.
Os enxames prontos para venda custam entre R$ 200 e R$ 600 a depender da espécie e avanço das colmeias. É preciso atentar para a menor produção em relação ao mel tradicional das abelhas com ferrão. As melíponas produzem no máximo dois litros por ano em cada enxame, o que faz com que os produtos ganhem valor agregado. Pequenos frascos de 50ml são vendidos a R$ 25 nas feiras da região.
Cosméticos sustentáveis
Pós-graduada em cosmetologia, Jana Mello deixou a vida agitada em Porto Alegre para realizar, com o marido e a filha, o sonho de viver em um sítio. Foi depois de dois anos de muito estudo e investimento de até R$ 50 mil em enxames que pôde abrir a Mel & Cravo. A empresa conta com uma linha de 60 cosméticos, sendo que apenas sete deles não têm insumos das abelhas nativas.
São descongestionantes, sabonetes, batons e cremes produzidos a partir do que é feito pelas abelhas nas colmeias de madeira espalhadas pelo sítio em Águas Claras, interior de Viamão. Jana é exemplo das possibilidades de monetizar a criação das abelhas e vê na Serra gaúcha, onde tem vários clientes, um polo importante da criação das abelhas sem ferrão. Não há uma feira da região que ela não participe para compartilhar experiências e aumentar o leque de clientes.
— Pensamos muito no mel, mas são diversos produtos e todos com propriedades medicinais. Uma colônia da espécie Jataí produz de 700 ml a 1,5 litro de mel por ano. Mas tem um valor agregado mais alto. Fiz um curso em Nova Petrópolis e sem dúvidas não há outra região no Estado com tantos meliponicultores como na Serra — reconheceu.
Em feiras como a que reuniu orquidófilos em Farroupilha no primeiro final de semana de agosto, Jana compartilha formas de capitalizar o investimento e transformar o hobby em fonte de renda. O aluguel de enxames para produtores rurais é exemplo de economia sustentável que beneficia todas as partes. Por até R$ 60 por mês, as abelhas das espécies Mirim e Jataí trabalham em propriedades para polinizar diferentes culturas.
— Alugamos para quem planta morango e olivas na Serra. Assim não vendi minha colônia de abelhas, e quando busco as caixas tenho um mel e um própolis diferentes. A meliponicultura é um trabalho de parceria. Quando vendida, uma colônia pode custar até R$ 600 — disse Jana Mello.
Possibilidades até na área urbana
Foi plantando morangos no sítio da família que o chef de cozinha Ivanir Nichetti atentou para a necessidade de abelhas que polinizassem a produção. A solução foi encontrada na área urbana, na própria casa no bairro Cinquentenário. Lá, Nichetti descobriu a existência natural de enxames de duas espécies de abelhas sem ferrão.
— Fui me apaixonando, é algo extraordinário. A gente começa com uma caixa e passa a buscar mais. Hoje tenho quase 300 enxames e faço experiências na cozinha com o mel que extraio deles.
Entre as últimas invenções gastronômicas da família estão o licor de morango e a geleia de abóbora que incluem na receita o mel de abelha jataí. Os produtos são expostos em feiras organizadas pela Assermel, a associação presidida por Nichetti, e que pretende reunir até cem meliponicultores serranos até o final do mês.
— Estamos em 40 associados e já conseguimos inaugurar diversos eventos esse ano. É algo diferente para a região que traz curiosidade para as pessoas e incentiva nas crianças o cuidado com a natureza. Todo mundo se encanta — conta.
Entre as ações da Assermel está o “Caminho das Abelhas”. São quatro colmeias fixas instaladas no Shopping Villagio Caxias e que provam que os insetos podem conviver em harmonia com a população.
Graspa com mel e início por hobby
As histórias de quem tem criado as abelhas sem ferrão na Serra se multiplicam como os enxames. São pessoas que começaram com uma colmeia e se encantaram com trabalho dos insetos e o mel exótico que produzem. Sem necessitar de roupas especiais como a de apicultores, o manuseio é fácil e cria uma relação quase como a que temos com pets em nossas casas.
As melíponas estão hoje na área urbana, como no bairro Colina Sorriso, em Caxias do Sul. Na casa de Carlos Gilberto Zattera são 86 enxames que convivem em perfeita harmonia sem representar risco de ferroadas em seres humanos os animais de estimação.
— Ganhei uma caixa há uns dois anos e gostei. Busquei muita informação na internet. Elas não dão trabalho e também por isso dá vontade de expandir a criação. É notável como elas contribuem para o crescimento de flores e plantas frutíferas do entorno da casa.
Gosto compartilhado em família
Em outro ponto de Caxias do Sul, no bairro Cidade Nova, a família de Francislaine Kerber se encantou com os insetos que produzem de três em três meses o própolis vendido a R$ 30 em frascos de 50ml. Além de explorar o produto, a criação ajuda na renda da família com vendas de enxames e consultorias para novos interessados.
— É um gosto de toda a família. Vendemos enxame, mel e própolis e ajudamos nas transferências. Chama atenção de todo mundo. Na escola, as crianças têm curiosidade. É uma coisa para amantes da natureza. Minha filha de 11 anos sabe tudo sobre a importância delas — garante Francislaine.
No interior, a presença das abelhas sem ferrão é notada por Rafael Dalegrave desde a infância. Mas foi nos últimos tempos que iniciou a produção profissional e a possibilidade de incluir o mel na graspa, que fazia com o bagaço da uva na localidade de Santos Anjos, no 4º Distrito de Farroupilha.
— Tenho caixas com mais de 20 anos. Sempre tive duas ou três. Agora faz uns quatro anos que nos dedicamos. Trabalhar com elas é ter a tranquilidade de estar no meio sem precisar a roupa de apicultor — explicou.
Dalegrave vende o pote de mel de 250 gramas por R$ 50 e aposta no comércio da graspa como uma novidade no mundo das abelhas sem ferrão.
— São produtos que tornam-se quase remédios. Consumo o mel pra prevenir resfriados, mas depois que fiz a graspa, prefiro a cachacinha — brincou.