Em 2018, a Emater-RS e o hoje extinto Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) iniciaram um projeto-piloto no Rio Grande do Sul para a regularização dos produtores de vinhos coloniais. A ideia é que o produto pudesse ser vendido diretamente ao consumidor. A base do programa é a Lei do Vinho Colonial (Lei nº 12.959), do ano de 2014. Na época, três famílias da Serra receberam o registro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Cinco anos depois e com um novo avanço para as vinícolas familiares (nome agora dado a essas agroindústrias), a região está, de acordo com a Emater, com cerca de 60 empresas registradas e em processo de regularização.
O técnico da Emater em Bento Gonçalves, Thompson Didoné, explica que um dos fatores para o aumento da procura de produtores é uma nova possibilidade na legislação. Agora, as vinícolas familiares podem cadastrar um CNPJ, o que oportuniza a comercialização para estabelecimentos, empresas ou distribuidoras. Além disso, neste formato existe a possibilidade da terceirização de processos. Na inscrição com CPF, as agroindústrias podem apenas vender diretamente ao consumidor, além de terem um limite de produção anual de 20 mil litros.
— Existe a possibilidade do registro com CNPJ, onde a construção é a mesma que a Lei do Vinho Colonial, porém, ele (o produtor) faz a opção fiscal pelo Simples Nacional. O que isso significa? Ele vai pagar um pouco mais de imposto do que pelo CPF, porém pode vender em qualquer mercado, restaurante e não tem limite de produção. Abre um leque grande de mercado. E mais: (abre) a opção de nota fiscal para transportar os produtos para outros Estados. Hoje, a grande maioria das vinícolas está sendo registrada pelo CNPJ — relata o técnico.
Na lei do vinho, com a inscrição pelo CPF, existe uma contribuição social de apenas 1,5%. Já no cadastro por CNPJ, por meio do regime tributário do Simples Nacional, o imposto começa em 4% e pode ir até de 12%. Como pontua Didoné, a Lei do Vinho Colonial é importante porque criou a base para os registros, independentemente se for em pessoa física ou pessoa jurídica. Por exemplo, o regramento sobre tamanho da vinícola e a estrutura necessária para a produção está definido.
Apesar da preferência pelo CNPJ, produtores ainda podem optar pelo CPF. Nos dois modelos de registro, os interessados precisam estar cadastrados no Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf), junto à Secretaria Estadual da Agricultura. No fim, como reforça o técnico da Emater, a regularização vem trazendo bons frutos às agroindústrias da Serra:
— O que notamos é que todas as (vinícolas familiares) registradas desde 2018 evoluíram para melhor, aumentaram. É notório a ocorrência de sucessão familiar, como filhos que estavam na cidade e voltaram para a vinícola, e é algo promissor, que estamos aperfeiçoando.
Didoné afirma também que a demanda de registro é crescente. A maior parte das vinícolas familiares na Serra está em Bento Gonçalves. Conforme o técnico, são 12 regularizadas e 13 em processo de regularização. Caxias do Sul, neste momento, está em processo de registro de duas agroindústrias. Outros municípios com empreendimentos deste tipo são Antônio Prado, Flores da Cunha, Monte Belo do Sul, Farroupilha, Santa Tereza, Garibaldi e Coronel Pilar.
"Deu tudo certo", diz produtor de Bento
O produtor Juliano Zottis, fundador da Casa Zottis ao lado da esposa, Daniela, celebra o crescimento da vinícola. A família, que trabalha desde 2014 com a venda de uvas para indústria, entrou com o pedido de registro em 2019, com assistência da Emater. O investimento inicial foi de R$ 70 mil, recurso usado para adequar o espaço à produção do vinho de mesa e construir uma loja no Vale dos Vinhedos, a três quilômetros de Monte Belo do Sul.
— Tinha muito medo no início, mas graças a Deus deu tudo certo — comemora Zottis.
Quatro anos depois do pedido, a família alterou o registro de CPF para CNPJ. Hoje, a produção de 15 mil litros anuais engloba 17 rótulos de vinhos de mesa, vinhos finos, suco de uva e espumante. Na propriedade da família, a vinícola recebe turistas. No espaço verde, coberto pelo parreiral, os visitantes podem degustar as bebidas e curtir uma tábua de frios; ou ainda andar pelos vinhedos, conhecer o ciclo da uva e observar como a produção é feita.
Inclusive, a proposta de Zottis é mostrar como era o preparo da bebida antigamente, no porão de casa. É também uma forma de resgatar a memória do avô Angélico, que inspirou o negócio e até ganhou um rótulo em homenagem.
— Um pouco por ano, vamos crescendo. Nosso objetivo é um passo de cada vez. Fizemos o investimento inicial. Se fosse ver pela demanda que tem, precisaria ter um espaço maior, investir, mas temos um certo medo. Resumindo, não queremos dar o passo maior que a perna — planeja o produtor.
Nova oportunidade
Quem também celebra as possibilidades de negócios a partir do registro é Sandro Vicentini, empreendedor na vinícola familiar Porão do Vale, na Linha Zemith. Da mesma forma que Zottis, Vicentini usava CPF e mudou para CNPJ ao notar a crescente procura pelos vinhos e pela visitação à cantina. Os dois produtores, inclusive, citaram uma oportunidade para essa mudança no regime fiscal: a venda dos vinhos e sucos para fora do Estado.
O relato de Zottis e Vicentini é semelhante: turistas procuram as vinícolas e, depois, encomendam os produtos, enviados por transportadora.
— Melhorou muito a procura (após o registro) — garante o viticultor do Porão do Vale.
Vicentini e a família iniciaram o registro em 2018. Hoje, a produção é de 35 mil litros anuais - tendo os vinhos como principais produtos. O Porão do Vale também tem espaço para receber visitantes.
Além do bom resultado nas vendas, o produtor celebra os investimentos na estrutura de produção, necessários para a regularização:
— O principal foi ampliar o espaço. Foi até melhor, que agora tem todo o espaço (da produção de cada bebida) separado. Hoje, está tudo completo.
De casinha de venda de vinhos para espaço de turismo
A ideia inicial de Jean Carraro era apenas construir uma "casinha" para a venda dos vinhos coloniais. Mas, por incentivo do escritório da Emater em Bento Gonçalves, Carraro decidiu fazer o investimento, de cerca de R$ 60 mil, e apostou na produção própria. Parte da adaptação foi ter o espaço com tanques e máquinas, além da fossa para os resíduos que saem deste processo. Antes, a família já vendia uvas para vinícolas.
— (O investimento) Se pagou, mas sempre fomos pegando mais tanques, máquinas novas — observa o produtor.
Da regularização surgiu a Videiras Carraro, um espaço em Bento Gonçalves para venda dos vinhos e para que turistas possam fazer piqueniques, refeições e degustações sob o parreiral. A produção é de 13 mil litros anuais de vinhos, espumantes e sucos. As visitas auxiliam nas vendas, o que fez o investimento valer a pena.
— Foi evoluindo. Todo ano é uma evolução. O turismo aumentou — conta Carraro.
Apesar da produção estar dentro do limite se o registro fosse por CPF, Carraro comenta que mudou para CNPJ para poder compras uvas diferentes para produção, além, também, das vendas para outros Estados.
— Mudamos para comprar alguma uva diferente para fazer vinhos diferentes — relata o produtor.
Como está a primeira vinícola familiar com registro da Serra
Em 2018, a reportagem do Pioneiro apresentou a história de Auri e Diva Flâmia, os primeiros produtores da Serra a terem o registro do Mapa. Com a produção própria, de 16 mil litros anuais, o casal abriu a Piccola Cantina, na propriedade de 16 hectares em Faria Lemos, no interior de Bento Gonçalves.
Na época, com investimento de R$ 70 mil, a família celebrava a nova dinâmica de venda direta ao consumidor. Hoje, como conta Diva, continuam surgindo novos consumidores:
— Temos feito muitos clientes novos e várias amizades. Muitos que a gente vai para as feiras e conhecemos as pessoas. Convidamos para nos conhecer e elas vêm.
Desde o primeiro ano, a Piccola Cantina diversificou a produção, adicionando vinhos finos e sucos de uva na produção 100% própria. Além disso, realizaram novos investimentos, como a sala para produção do suco e uma loja para o negócio. O casal optou por permanecer com o registro em CPF. Inclusive, de acordo com o Sistema de Cadastro Vinícola do Estado do RS (Sisdevin), 52 vinícolas familiares permanecem com esse documento em todo o RS, com média de produção de 10 mil litros anuais. Em todo o Estado, são 690 vinícolas de todas as categorias.
Diva e Auri seguem tocando o negócio, com auxílio de familiares nos finais de semana. Uma vantagem da produção própria é o pagamento à vista, o que não acontece com a venda de uvas para indústria - o casal também segue neste ramo.
— O que nos ajuda bastante com a nossa agroindústria é que nós conseguimos vender e temos esse valor na hora da venda. A venda à vista do produto, do vinho e suco que produzimos. Enquanto a uva que entregamos para as grandes indústrias não tem previsão de pagamento. (Eles) Pagam em parcelas e não sabemos quanto vamos receber. É preciso que a gente continue com a agroindústria, que vamos ter a renda certa de todos os meses para nos mantermos —explica Diva.
Caxias do Sul iniciando agora regularização
Apesar de ser o maior município da Serra, Caxias do Sul está apenas agora com dois produtores em processo de regularização, como informa o secretário municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Rudimar Menegotto. O titular da pasta afirma que iniciando os registros, mais devem surgir.
Para Menegotto, um dos pontos para Bento Gonçalves ser a cidade da Serra com mais agroindústrias do setor é a vocação turística do município. Além disso, o secretário vê que produtores caxienses tinham dificuldade pela falta de agilidade em parte do processo:
— Lá (em Bento) tem muito a questão dos Caminhos de Pedra, do Vale dos Vinhedos, a vocação do turismo, que fez com que houvesse um interesse maior. O município que tem vocação turismo tem tendência em ter interesse maior. Em Caxias, temos um grupo que faz um vinho colonial, que a gente quer que com o novo projeto lei seja facilitado, que seja desburocratizada (a regularização).
O projeto de lei em questão é o número 27/2023, que implanta o Programa de Apoio à Criação e ao Fomento de Agroindústrias Familiares. A proposta foi aprovada pela Câmara de Vereadores, no fim de abril, e sancionada pelo prefeito Adiló Didomenico (PSDB) na última terça-feira (16).
— Todas agroindústrias enfrentavam o problema da morosidade. Com a nova lei, queremos agilizar esse processo, que o agricultor não precise fazer a peregrinação de secretarias, e sim de levar na mesma secretaria, com um checklist e que a secretaria de agricultura faça o processo — explica Menegotto.