A região que mais produz vinhos e espumantes no Brasil sente as consequências de um crime que vem se tornando comum no Rio Grande do Sul: a importação ilegal de vinhos e espumantes. De acordo com a Receita Federal, as apreensões cresceram mais de 1000% nos últimos dois anos. Em 2020, 3.130 garrafas foram apreendidas na Serra, número que saltou para 45.039 no ano passado. No primeiro mês de 2023, 550 garrafas já foram apreendidas – no mesmo período de 2022, nenhum material havia sido recolhido.
É escondida no porta-malas dos carros ou na carroceria dos caminhões que a bebida chega no Brasil, a maioria vinda da Argentina. Os produtos são considerados ilegais por não serem taxados no momento da importação, fazendo com que tenham um valor mais competitivo que a indústria nacional.
A justificativa para o aumento, segundo o delegado da Receita Federal de Caxias do Sul, Leandro Tessaro Ramos, é a “atratividade” do mercado ilegal.
– O perfil de produto importado começou a mudar e o vinho começou a ganhar muito espaço, porque muito provavelmente o vinho ficou mais caro pela inflação e começou a despertar um interesse maior nos vinhos estrangeiros, que, embora o câmbio tenha aumentado, tinha um valor que competia. Isso a gente notou em 2019, 2020, início da pandemia para cá – afirma o delegado.
A prática de importação ilegal de vinhos e espumantes se enquadra no crime de descaminho, que tem como pena um a quatro anos de reclusão.
Prática do descaminho prejudica a cadeia produtiva
O crime tem impacto em um setor importante da Serra. Vinícolas da região sentem os efeitos da importação ilegal, visto que diminui a competitividade no mercado interno. Apesar de não haver dados do prejuízo que o crime causa no setor vitivinícola da Serra, as perdas são sentidas de forma subjetiva.
O coordenador de Relações Institucionais do Conselho de Planejamento e Gestão da Aplicação de Recursos Financeiros para Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis), Helio Marchioro, confirma que toda a cadeia produtiva é impactada pela redução de lucro.
– Além de criar um problema sério para o mercado dos produtos do Rio Grande do Sul, notadamente da indústria gaúcha, também cria problemas para o escoamento da uva do agricultor, da arrecadação dos nossos municípios, da geração de trabalho e renda, da diminuição do turismo. Enfim, da procura de um produto genuíno, nacional e gaúcho. Por quê? Por conta da questão dos valores que estão sendo ofertados no mercado – explica o coordenador.
Produtos apreendidos são transformados em álcool gel e sanitizantes
O combate à prática é realizado a partir de fiscalização nas rodovias por parte de forças de segurança. Além de coibir a ação dos criminosos, a preocupação do setor vitivinícola é com o destino do produto, que comumente não tem procedência e costuma ser armazenado de forma inadequada. A opção encontrada para evitar que o material volte para o mercado – como ocorre em caso de leilões realizados pela Receita – é transformá-lo.
As bebidas apreendidas na Serra gaúcha são encaminhadas pela Receita Federal para a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Lá, o líquido passa pelo processo de destilação e se transforma em novos produtos.
De acordo com o coordenador da usina piloto de etanol do Colégio Politécnico da UFSM, Filipe Fagan Donato, de 600 litros de vinho é possível extrair de 50 a 55 litros de álcool etílico.
– Produzimos álcool gel, álcool 70, álcool glicerinado e esses produtos são usados internamente na universidade por diferentes departamentos, mas, na pandemia, a gente fez diversas ações para a comunidade externa e a gente chegou nos dias de hoje a 30 mil litros de sanitizantes à base de álcool etílico produzidos – afirma o coordenador da usina piloto de etanol do Colégio Politécnico da UFSM, Filipe Fagan Donato.
O material pode ser transformado, também, em etanol, que é usado nos carros da instituição. Apesar de alternativas serem encontradas para a destinação do produto, o objetivo é evitar que ele entre em circulação. Para isso, forças de segurança e o setor vitivinícola reforçam a importância dos consumidores não comprarem produtos sem nota fiscal. Não há pena prevista para quem compra esse tipo de produto, mas a aposta é no bom senso.
– A gente faz um apelo e um pedido para que as pessoas tenham consciência que as pessoas estão eliminando oportunidade de trabalho emprego renda, estão diminuindo o poder arrecadatório para reversão a saúde educação do nosso município dos nossos lugares, de onde a gente vive – reforça o coordenador do Consevitis, Helio Marchioro.