Apesar de um consumo presente, notável pelas vitrines do comércio central e pela demanda que se renova a cada criança que nasce ou atinge uma diferente etapa de desenvolvimento, o mercado de brinquedos, especialmente em relação à fabricação de itens, ainda parece timidamente explorado na Serra.
A Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) conta, atualmente, com quatro empresas gaúchas associadas, incluindo a conhecida Xalingo, que tem sede em Santa Cruz do Sul. Em Caxias do Sul, são duas empresas associadas.
No último levantamento com recorte por Estado realizado pela Abrinq, referente ao ano de 2018, o Rio Grande do Sul detinha 4,6% do faturamento total do setor no país. Em 2022, a fabricação brasileira representou 2,7% das vendas do mercado mundial.
Não há um levantamento de quantas empresas, associadas ou não à Abrinq, atuam na Serra, mas as que optaram pelo setor, tem ganhado espaço no mercado.
É no varejo que itens produzidos por aqui, assim como em diferentes lugares do Brasil e do mundo, ficam ao alcance de quem os deseja, seja para desfrute próprio ou para presentear alguém. De acordo com o Mapa das Empresas, disponibilizado pela Receita Federal, Caxias do Sul registra, hoje, 87 empresas em atividade nesta classificação.
Em Bento, experiência no polo moveleiro motivou negócio no setor de brinquedos
Os painéis de MDF transformados em móveis nas fábricas de Bento Gonçalves foram basicamente a chave que abriu as portas para que Fernandes Santo Calza, 44, e Muriel Pesin Calza, 39, migrassem para o setor de brinquedos. A experiência de anos que ambos acumulavam colaborando em diferentes ocupações dentro do polo moveleiro hoje move a Sopecca, empresa de brinquedos educativos e pedagógicos. São produzidos por meio de parcerias terceirizadas que movimentam, pelo menos, outros cinco negócios do município, incluindo o serviço de marketing digital, arte gráfica e claro, as peças em madeira que viraram a principal característica da marca de sete anos.
Fernandes relata que, quando o casal começou a cogitar um negócio próprio, a inspiração partiu de dentro de casa. Mais especificamente da filha deles, que na época estava com três anos de idade e foi até homenageada na concepção da marca, que tem nome alusivo às iniciais de Sofia Pesin Calza.
— Quando ela era pequena, comprávamos bastante jogos e vimos que seria possível produzir aquilo com os materiais que tínhamos aqui. Como eu conhecia o processo do MDF, ficou mais fácil de desenvolver o processo — afirma o pai de Sofia.
A partir do know-how acerca do maquinário de corte utilizado na indústria moveleira, ele conseguiu obter o corte específico demandado para as pequenas peças, de diferentes formatos, que tornaram-se base para a maioria dos cerca de 70 produtos hoje catalogados. São itens como dominós, quebra-cabeças, jogos de tabuleiro e blocos de montar, para crianças de dois a nove anos de idade. Comercializados por um time de aproximadamente 20 representantes, para o setor varejista de todo o Brasil, especialmente Santa Catarina e Paraná.
A criação também fica por conta do casal, ou melhor, da família, já que Sofia, agora com 10 anos de idade, faz questão de participar das trocas de ideias e também de testar os produtos recém criados. Recentemente, uma ideia que partiu dela motivou a criação de um dos produtos: um dominó que estimula o aprendizado das cores primárias e secundárias. Ela fez a proposta quando voltou da escola, depois de ter uma aula sobre o assunto.
— A gente vai dando ideia um pro outro, e isso nunca acontece dentro da empresa, onde a gente foca mais em cortar as peças e montar as caixas para envio — comenta Muriel.
Sobre a escolha pelo setor, ela avalia:
— É um mercado diferente, somos praticamente sozinhos aqui na nossa região. A gente frequenta feiras, onde conseguimos muitos contatos e futuramente pretendemos expor também — comenta.
No comparativo de 2022 com 2021, a empresa, que tem sede no bairro São Roque, dobrou de faturamento e, para este ano, prospecta um crescimento de 30%.
Quem quer brincar?
Já no varejo, onde as criações ficam ao alcance do público, uma das lojas que atua neste segmento em Caxias do Sul é a Estação dos Brinquedos, que tem mais de 40 mil tipos de brinquedos, e atrai compradores de todas as faixas etárias. A loja aposta na fidelização de clientes a partir do incentivo à brincadeira fora das telas, realidade cada vez mais presente na vida de crianças, adolescentes e adultos.
— Quando a gente atende pais ou avós e toca nesta questão, da importância do brinquedo pra tirar a criança das telas e também do sedentarismo, acabamos fidelizando o cliente. Até porque o brinquedo é muito mais que um brinquedo, é uma ferramenta de desenvolvimento — destaca o gerente da loja, Giedry Garcia Boldori.
Se por um lado as telas podem levar ao desinteresse por brinquedos manipuláveis, por outro, o mercado é aquecido pelas produções de cinema, televisão e games, já que personagens em forma física viram alvo de desejo de diversas faixas etárias.
Brinquedos relacionados ao Pokemon, Lego e Patrulha Canina, por exemplo, estão entre os mais procurados na loja caxiense, que está no mercado há 16 anos e preza pela oferta adequada dos produtos a cada faixa etária.
De acordo com o gerente, a maior parte das vendas se concentra na faixa de um a seis anos, com vendas que incluem as bonecas, heróis e pelúcias relacionados às mídias. Para o público de até 36 meses de idade, a preferência se dá por brinquedos de encaixe, com formas e texturas diferenciadas.
Artesanais para crianças e adultos
A tendência de pais e mães que querem tirar filhos e filhas da frente dos computadores e celulares, com uma pitada de nostalgia, está movimentando o empreendimento familiar iniciado por Leonardo Grandini Adami, 33, em Caxias do Sul. A Kynda Brinquedos comercializa itens de madeira, fabricados artesanalmente por Dirceu Adami, 69, pai do idealizador, contando ainda com apoio administrativo da esposa, mãe de Leonardo, Iolanda Grandini Adami, 72.
Desde que foi criada a empresa, que trabalha por encomendas online, já fabricou mais de 200 peças. O maior volume de pedidos chega de São Paulo, mas brinquedos feitos aqui já foram enviados para regiões mais distantes, como o Nordeste.
Entre as preferidas estão a bicicleta de equilíbrio (sem pedais), com 40 unidades. E na liderança o clássico cavalinho de balanço, que mexe com a memória dos mais antigos, mas também estimula os pequenos de agora.
— Muitas vezes são os avós que vêm comprar, na tentativa de puxar as crianças da família para essas brincadeiras mais ao modo antigo — comenta Leonardo.
Leonardo, que agora mora em Florianópolis, é que fica com a parte de criação. Mesmo não sendo a atividade de principal fonte de renda da família, ele diz perceber um crescimento na procura a cada ano, especialmente entre setembro e dezembro, e não se arrepende de ter ingressado neste mercado.
— É um mercado que prospera sempre, porque o “trabalho” da criança é brincar. Isso desenvolve a motricidade, a coordenação, e nunca vai deixar de ser necessário — avalia.
Ouça a reportagem que foi ao ar no Gaúcha Hoje desta segunda-feira (8):
Cenário é de instabilidade
Para 2023, a expectativa inicial era de faturamento de R$ 9 bilhões, mantendo o ritmo de 7% de crescimento em relação ao ano passado. Porém, instabilidades econômicas, especialmente gerada a partir do rombo nas Lojas Americanas, podem impactar nos resultados do setor, conforme avalia o presidente da Abrinq, Synésio Batista da Costa.
— A estimativa que tínhamos era de crescimento muito positivo, até superior à inflação, mas este cenário começa a nos deixar em dúvidas, porque o varejo não reage, o consumidor também não tem reagido do jeito que pensávamos. É um momento de inflexão na curva. Ainda não estamos anunciando desastres, mas é um momento muito tenso. Nossa produção tem que ser colocada em funcionamento a partir de 1º de junho. Ainda não sabemos o que nem quanto vamos produzir, mas seguimos tentando crescer e reverter o ano — pontua o presidente.
DADOS DA FABRICAÇÃO DE BRINQUEDOS
:: Em último levantamento com recorte por Estado realizado pela Abrinq, referente ao ano de 2018, o Rio Grande do Sul detinha 4,6% do faturamento total do setor no país. Em 2022, a fabricação brasileira representou 2,7% das vendas do mercado mundial.
:: Conforme dados da entidade, datas sazonais, principalmente Dia das Crianças e Natal, são os principais responsáveis pelas vendas. Na indústria, agosto costuma concentrar o maior volume de vendas mensais. Em 2022, o mês concentrou 19,1% das vendas do setor, seguido por setembro com 18,1%.
:: A China é o país de origem de 79,34% dos brinquedos e peças importadas, seguida pelo Vietnã (9,82%) e México (6,43%). Paraguai recebe quase metade da produção que é exportada: 44,1%. Seguido por Argentina (12,9%) e Uruguai (9,08%)
:: A fabricação de brinquedos emprega 37.650 pessoas no país, sendo própria a maior fatia de mão-de-obra, 34.100; e 3.550 terceirizada.
Locação de brinquedos é alternativa para famílias adeptas ao consumo consciente
Mateus Anghinoni Duarte ainda nem completou dois anos de vida, mas já está sendo introduzido ao consumo consciente por meio de uma escolha feita pelos pais dele: a de alugar brinquedos. Na alternativa disponível em Caxias do Sul, a mãe dele, Aline Bortolotto Anghinoni Duarte, 26, viu a possibilidade de variar os estímulos por meio de diferentes brinquedos, gastando menos e evitando o acúmulo de itens que logo deixariam de ser atrativos para o bebê.
— Quando eles estão em desenvolvimento, acabam perdendo o interesse muito rápido, e aí as crianças acabam virando acumuladoras. Comecei a botar na ponta do lápis e ver que ia gastar menos podendo pegar um brinquedo diferente a cada mês, por exemplo, que é o tempo médio que tenho alugado. Vi que fazia mais sentido do que gastar e depois ficar com o brinquedo parado — afirma Aline.
Ao adotar a dinâmica, há cerca de um ano, a mãe estipulou a despesa fixa mensal de R$ 70 a R$ 100 pra esta finalidade, o que permite que o filho dela usufrua, por um mês, de brinquedos como o jumper, estrutura que permite que o bebê brinque e se balance, indicado para crianças a partir de seis meses que ainda não caminhem, e que pode custar, em média, R$ 700.
— Este eu cheguei alugar por três meses, mas pude variar os temas, com diferentes modelos. E agora que ele caminha o brinquedo, que ocupa um espaço gigante, já não teria mais funcionalidade — observa a mãe, que busca adaptar os estímulos para cada etapa.
Para isso ela conta, inclusive, com o auxílio da Brincandoteca, empresa que presta o serviço de locação no município e preza, sobretudo, pela adequação referente à faixa etária, peso, e demais necessidades das crianças de até quatro anos, que são o público-alvo do negócio.
É a mesma idade do Artur Bisi Baroni, filho de Francine Bisi Baroni, 37, que resolveu empreender nesta área no final de 2020, quando, como mãe de um bebê de sete meses, entendeu que esta alternativa poderia ser útil não apenas para ela, mas para muitas outras famílias.
— Fui comprando brinquedos e testando com ele, depois passei a divulgar de um jeito mais informal nas redes sociais, pra ver se as pessoas compravam a ideia, porque, quando se fala em brinquedos alugados, se tem muito a imagem de que sejam brinquedos velhos, desgastados, mas queria demonstrar que não era esse o perfil. Temos controle de qualidade dos produtos, que são bem higienizados, usados, mas em perfeitas condições — destaca a proprietária, que oficializou a empresa em agosto de 2021 e integra a Associação Brasileira de Locadoras de Brinquedos e Produtos Infantis (Alocbrinq).
Atualmente, a Brincandoteca conta com um acervo de 380 produtos disponibilizados em catálogo online para locação por períodos variados: de uma ou duas semanas, um ou mais meses, conforme a demanda. Segundo Francine, os valores cobrados representam em torno de 15% a 20% do preço de venda do brinquedo, sendo muitos deles são importados.
A partir da reserva, o produto é entregue na casa do cliente de Caxias do Sul, Farroupilha ou Flores da Cunha. Rompendo limites territoriais, a alternativa também tem atraído moradores de outras cidades da região, que aproveitam viagens até Caxias para consultas, por exemplo, para realizar a retirada e/ou devolução dos itens que não se limitam apenas a brinquedos.
— Nosso carro-chefe é a locação mensal de brinquedos, mas temos clientes que entram em contato conosco ainda grávidas, para reserva de itens como extrator de leite, carrinho, berço... Em época de férias, final de ano, temos procura pessoas que recebem familiares de fora e alugam itens como cadeirinhas para o período de visita, e também para quem viaja e precisa de itens como o carrinho dobrável, que fica do tamanho de uma bagagem de mão e pode ser levado no avião. São opções que facilitam a vida dos pais com menor custo — completa.