Quando criança, o morador de Pinto Bandeira Gabriel De Toni, 16 anos, dormia em uma rede instalada embaixo dos parreirais. Era a forma encontrada pelos pais para manter o pequeno por perto e seguir com o trabalho intermitente gerado pela safra da uva. Por estar sempre muito próximo da labuta e acompanhado pelos irmãos mais velhos, o fato de que a propriedade seria um dia administrada também por ele parecia ser uma certeza.
Um ciclo tão natural quanto as dúvidas que surgem aos adolescentes prestes a encerrar o Ensino Médio e que podem comprometer a sucessão do meio rural.
— Não tinha certeza de nada, a questão financeira pendia muito a favor, mas ao mesmo tempo pensava se era isso que queria pra minha vida. Mas entendi que era mais fácil continuar fazendo o que já faço do que ir pra cidade e começar algo novo — conta o jovem.
O raciocínio de que seria muito mais produtivo na propriedade dos pais veio com a ajuda de um programa desenvolvido desde 2017 pela Cooperativa Vinícola Aurora, de Bento Gonçalves, em parceria com Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo do Estado do Rio Grande do Sul (Sescoop).
Chamada Aprendiz Cooperativo do Campo, a iniciativa gratuita capacita jovens de 14 a 24 anos, filhos de associados, para permanecerem na viticultura com ênfase na gestão das propriedades. Já são 65 jovens que concluíram o programa em três grupos de estudantes.
Aluno da quarta turma, De Toni irá se formar no final do ano junto de outros 20 jovens com realidades muito semelhantes à sua. Meninos e meninas que, depois de 15 dias de aulas no contraturno escolar, levam o aprendizado à propriedade da família e retornam no mês seguinte para mais 15 dias de capacitação.
Manejo da terra, tecnologia e administração são alguns dos assuntos tratados em uma sala de aula cedida pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Foi ali que De Toni teve contato com as primeiras lições de gestão rural, sua disciplina favorita e que tem muito a contribuir em casa.
— Meu pai é da época antiga e não tem experiência com computadores. Aprendi a saber o que estou ganhando e onde gasto, as planilhas ajudam muito, e quero implantar na colônia. Funciona só botar a mão na terra, mas aí se gasta mais e se ganha menos — explicou o adolescente.
São ao todo 17 meses de curso com carga horária dividida em aulas teóricas e aplicações práticas nas próprias colônias e que são trazidas para o debate em sala de aula. Controle de dados, como os que De Toni irá organizar para o pai, é apenas um dos temas ensinados pelo professor Fábio Guaragni, que tem a missão de expandir horizontes para as possibilidades da viticultura.
— Os alunos estão muito conectados e têm um potencial gigantesco. Com espaço pra exercer a curiosidade, ele realmente irá aplicar em suas terras. Isso é muito importante para a sucessão rural. Se ele não tiver espaço, irá procurar outros caminhos — afirmou.
Aval dos pais
O espaço para a criatividade, tido como fundamental pelo professor Guaragni, foi aberto pela família Lerin à filha Amanda, 21, que se formou em 2019, na segunda turma do programa. O interesse foi tanto que hoje a jovem é bolsista da Embrapa Uva e Vinho no curso de Viticultura e Enologia do IFRS de Bento Gonçalves.
Na safra deste ano, 250 mil quilos de sete variedades de uva foram colhidos na propriedade familiar, que já vem sendo acompanhada com outros olhos pela jovem. Segundo o pai, Arlindo Lerin, 62, a futura enóloga chegava sempre muito animada com o que havia aprendido.
— Sempre ficou a critério dela, não dá pra forçar a sucessão, mas ficamos muito felizes em ouvir as ideias que melhoram um trabalho já feito por tantos anos — garante Lerin.
O próximo passo, segundo Amanda, é investir em tecnologia. As possibilidades surpreenderam a jovem, que passou a ter contato com implementos que facilitam o tratamento das plantas, por exemplo.
— Achei que seria só focado no campo, mas é muito abrangente e passei até a entender como a cooperativa funciona. Sempre estive na propriedade, mas dentro do curso aprendi sobre a parte financeira do nosso trabalho, por exemplo, e que já é possível utilizar drones na colônia — disse Amanda.
O avanço da tecnologia, com a possibilidade de integrar inclusive inteligência artificial na agricultura, anima o professor Guaragni, que diariamente é responsável por estimular quem enxerga na viticultura um futuro profissional.
— Eles são a peça chave para incrementar a tecnologia no meio rural, porque estão naturalmente aptos a lidar com ela, então pode quebrar os muros colocados por gerações antigas. É o jovem que irá romper essa barreira — garante Guaragni.
Motivos para comemorar
Passar a tratar a propriedade em que nasceu não mais só como um local de trabalho, mas também como forma de oportunidade. Essa é a mudança que o presidente da Cooperativa Vinícola Aurora, Renê Tonello, percebeu nos jovens que passaram até agora pelo Aprendiz Cooperativo do Campo. Dos 65 alunos formados, 15 se associaram à cooperativa. Alguns deles aguardam a maioridade para se tornarem sócios, o que é um dos requisitos, e passar assim a tomar decisões junto dos associados.
— A Serra traz muita oportunidade com o turismo e agroindústrias, por exemplo, que podem se consolidar através dessas capacitações. A ideia não é abandonar o associado após o curso, mas mantê-lo para fazer parte do que é decidido aqui — explicou Tonello.
Com 1,1 mil associados espalhados em propriedades de em média 3 hectares, a Cooperativa Aurora aponta, através do programa, os motivos que fazem da agricultura um ramo atrativo àqueles que se desafiam a permanecer.
— Os jovens tomando ciência das novas tecnologias dão a propriedade um ânimo novo, um refresco tão necessário para o setor — diz Tonello.
A atual turma do Cooperativo Jovem no Campo iniciou os estudos em junho de 2022 e será concluída em dezembro de 2023 com 21 formandos. Um novo grupo será aberto em janeiro de 2024. Dos 65 jovens já formados, 37 eram meninas e 28 meninos.