Prestes a completar oito anos desde que migraram de uma estrutura instalada na Praça da Bandeira para um prédio recém-construído na Rua Sinimbu, os comerciantes do camelódromo de Caxias do Sul se organizam agora para uma nova mudança. Representantes da associação da categoria solicitaram ajuda do poder público para se transferirem ao novo centro de comércio popular anunciado pela prefeitura e que está em fase de prospecção de investidores para sair do papel. O projeto é que o espaço reúna vendedores ambulantes, artesãos e, agora, também comerciantes dos camelôs.
O movimento ganhou força, segundo os comerciantes, devido ao valor das despesas com a locação dos espaços pagos pelos microempreendedores que estão instalados desde dezembro de 2013 no prédio da Rua Sinimbu. A negociação é feita diretamente entre os comerciantes e o locatário, sem envolvimento da prefeitura.
O espaço possui dois andares: o térreo, onde o aluguel custa R$ 2,2 mil e a parte superior, no primeiro andar, com acesso pela Avenida Júlio de Castilhos, com valores em torno de R$ 1,4 mil. Além dos camelôs, há salas comerciais ocupadas por uma farmácia, sorveteria e uma praça de alimentação no primeiro andar.
Somado ao custo com o aluguel, os 73 comerciantes também pagam condomínio (verba destinada para a manutenção do local e custos com a limpeza), energia elétrica e um valor adicional em alguns meses do ano relacionado ao parcelamento do IPTU. Para ajudar a evitar casos de inadimplência com a despesa do condomínio, a presença de um profissional de segurança foi descontinuada no início de 2020 e os recursos agora são investidos para a manutenção de um circuito interno de câmeras de segurança.
A presidente da Associação dos Camelôs de Caxias, Matide Pizarro, relatou que foi feita uma assembleia entre os comerciantes e a maioria votou favorável para a mudança de local e migração para o espaço que a prefeitura pretende criar. O grupo sugere que o centro de compras fique no Centro.
— Combinamos de fazer uma série de reuniões com a prefeitura para saber como será esse centro popular, mas manifestamos a nossa vontade de estar nesse local. A situação ficou ruim para nós porque o aluguel está muito alto e entendemos que a prefeitura havia nos largado de mão. Como a prefeitura vai ajudar os vendedores ambulantes, pode também nos ajudar — explica.
O custo com o aluguel do espaço também é a principal queixa da comerciante Zelma Biazi, que é uma das integrantes da diretoria da Associação dos Camelôs de Caxias. Ela vende produtos de maquiagem e perfumaria há mais de 20 anos. De acordo com a comerciante, o espaço registra baixa movimentação desde o início da pandemia.
Após ficar fechado por um mês durante o período mais crítico, em 2020, ela entende que a clientela ainda não retornou e estima uma baixa de 50% nas vendas neste ano em relação a 2019. Para ela, em períodos de inflação alta e baixo poder de compra das pessoas, as famílias não conseguem investir em itens considerados não básicos.
— Estamos enfrentando um problema pós-covid. Trabalho com a auto-estima das pessoas e, muitas vezes, isso acaba ficando em segundo plano. As pessoas vão investir na alimentação, pagar contas e depois, se sobrar dinheiro, é que vão gastar com elas mesmas. Esse é o cenário que observo agora, onde vejo baixo movimento, menos vendas e um valor elevado no aluguel — ressalta.
Zelma é uma das entusiastas da mudança de local para que, junto ao centro de compras popular anunciado pela prefeitura, eles possam pagar um valor mais baixo que o atual na locação dos espaços.
— Inicialmente, eu não queria sair daqui. Depois me convenci. Precisamos reduzir os custos. E se for um local onde nós podemos trabalhar e ter um retorno financeiro melhor, não vejo problema — explica ela, que participou de uma reunião na semana passada entre Executivo e Legislativo para abordar o tema (leia mais abaixo).
O sentimento de Zelma é compartilhado pelo comerciante Orli Barbosa. Ele possui um espaço dentro do camelódromo que vende produtos eletrônicos, como carregadores, caixinhas de som e equipamentos para jogos. Com os efeitos da pandemia, precisou enxugar o quadro de funcionários fixos de cinco para apenas dois.
— Conseguiu sobreviver aqui dentro quem tinha alguma reserva. Outros fizeram dívidas, que precisam ser pagas. Deu uma reagida boa quando a circulação começou a melhorar, mas agora ela paralisou. Precisava estar melhor. As nossas vendas são para pessoas com baixo poder aquisitivo e que sentem os efeitos da crise. Elas precisam estar aquecidas para movimentar o nosso comércio — relata.
Ele também concorda com a ideia de mudança de local para ter um custo operacional mais baixo.
— Existe uma vontade muito grande de ter um outro local, público, com custo mais baixo. A prefeitura nos tirou do espaço na Moreira Cesar e nos ajudou a estar aqui. Mas agora está muito caro. O valor que cada um tem que pagar é muito alto — explica.
Vendas digitais para aumentar os lucros
Quem ainda não sente a necessidade de mudança são os comerciantes Rogério e Mariana Magnus. Pai e filha comandam uma banca que vende artigos de vestuário, principalmente para suportar os dias de baixas temperaturas na Serra. Para eles, a movimentação no camelódromo é boa.
Uma das alternativas criadas por eles para driblar as dificuldades do distanciamento foi a venda por meio do WhatsApp, onde o cliente faz o pedido pelo aplicativo e recebe em casa por meio de um serviço de tele-entrega.
A ferramenta continuou mesmo após a abertura plena do espaço e segue rendendo boas vendas para a família, que tem o comércio como a principal fonte de renda há mais de 30 anos. O local reúne artigos de R$ 4, como meias, até R$ 195, que é a linha de mochilas.
— Desde dezembro, vemos um crescimento bom. Sentimos uma baixa na semana passada, quando fez calor. É um recomeço, que está sendo positivo. A divulgação boca a boca é muito importante para a gente. O público que vem aqui está acostumado a comprar conosco — avalia Rogério.
Prefeitura estuda quatro locais para abrigar futuro centro de compras
Encontrar um espaço para abrigar comerciantes do camelódromo e também os vendedores ambulantes instalados em dois pontos do Centro, desta vez com a coordenação do município, é o próximo passo da prefeitura para implementar um centro de comércio popular na cidade.
As tratativas para a criação de um centro de compras popular estão sendo coordenadas pelo secretário municipal de Urbanismo, João Uez. Uma comissão foi criada entre o Executivo e os comerciantes para o alinhamento das informações. Segundo o secretário, a prefeitura estuda quatro áreas, tanto públicas como privadas, para abrigar o novo centro popular em um modelo de parceria público-privada. Ele prefere não detalhar quais são os locais, mas afirma que todas são no Centro da cidade.
A proposta é que o município auxilie nas tratativas para a aquisição ou cedência do terreno enquanto um investidor acene com o custeio da construção do local. Recursos para essa medida também são pleiteados.
— Estamos buscando parceiros que possam estar junto conosco na construção do que chamamos de centro popular de compras. Criamos um grupo de trabalho, com diversos secretários, para atuar no planejamento dessa ação que visa regrar o comércio ambulante e que também é vista como alternativa para quem está atualmente no camelódromo — avalia.
A pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores, presidida pelo vereador Juliano Valim, Uez participou de uma reunião na semana passada com os comerciantes sobre o assunto. No encontro, o secretário destacou que os vendedores ambulantes que ocupam as calçadas nas ruas Dr. Montaury e Marechal Floriano deverão migrar para esse novo espaço quando ele estiver pronto.
Reforçou também que a ação de retirar os comerciantes das calçadas da Avenida Júlio de Castilhos e organizá-los nestes dois pontos é uma medida paliativa enquanto o município trabalha na implementação do novo projeto.
Os comerciantes que estão no camelódromo, onde muitos realizam esse trabalho há décadas, poderão optar se farão essa transferência de espaço. Somados os dois grupos, segundo dados da prefeitura, o novo local planejado deverá ter espaço para abrigar entre 150 e 170 comerciantes. Além desse grupo, a previsão é que artesãos também sejam organizados nesse espaço.
Sem o indicativo de um local, o vereador Valim sugeriu, durante a reunião, que a prefeitura negociasse para instalar o centro de compras popular em um prédio localizado na esquina das ruas Os Dezoito do Forte com a Garibaldi. A estrutura, onde funcionou a antiga sede da empresa Corsetti & Cia, não está sendo ocupada. A prefeitura informou que tenta localizar os proprietários do imóvel, mas que, em um primeiro momento, pode avaliar a sugestão.
— A cidade precisa começar a debater esse assunto porque ele é muito sério. A construção desse centro de compras vai dar melhores condições aos vendedores ambulantes e amenizar os custos de quem está atualmente no camelódromo. São pessoas que vivem desse trabalho e precisam de auxílio do poder público para encontrar alternativas para seguir trabalhando — avalia o parlamentar, que avalia a realização de uma audiência pública sobre o tema para envolver a comunidade sobre a medida.
Mudança em 2013 causou polêmica
Os comerciantes do camelódromo de Caxias do Sul ocupavam, desde a década de 1990, uma estrutura na Praça da Bandeira. O local ocupava parte do trecho da Moreira César, entre as Os Dezoito do Forte e a Sinimbu.
Em 2012, a prefeitura anunciou planos de revitalização da praça e, para dar sequência, precisava da retirada dos comerciantes e instalação em outro ponto da cidade.
Após reuniões e envolvimento do poder público, na época, ficou definido que os comerciantes ocupariam dois espaços: um em um prédio recém-construído na Rua Sinimbu, 50 metros do antigo espaço, onde eles estão organizados atualmente.
Um grupo pleiteou a mudança para o prédio do antigo Comercial Cesa, na Marechal Floriano. O local permaneceu aberto e fechou logo depois.