Com uma taxa de juros reduzidos e menos burocracia, os bancos da Mulher e da Família se diferem das instituições tradicionais na hora de conceder um empréstimo. Especializadas no microcrédito, estas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) deixam a papelada de lado e visitam o negócio dos novos empreendedores. A conversa estabelece uma relação de parceria, de acreditar nos sonhos destes autônomos.
A oportunidade cria histórias como a da sorridente Ivete Maria de Oliveira, 56 anos, em Caxias do Sul. A confeiteira gosta do que faz e por isso, faz questão de dar o toque final nos pães e doces que são feitos em sua cozinha.
— Essa semana mesmo me perguntaram, "já são 11 anos, não está na hora de descansar?". Respondi, "Por quê?". Não tem porquê e nem como parar. A gente é acostumado a ver o negócio e, às vezes, tem que colocar a nossa mão lá para dar o último toque. É o meu nome que está lá, né? — conta a proprietária da Docivete Confeitaria, na Rua Andrade Neves.
A história da confeiteira é um exemplo do que o Banco da Mulher quer ajudar. Ivete veio de Alpestre para Caxias do Sul aos 15 anos para trabalhar na casa de uma médica. Lá se interessou pela confeitaria e, mais tarde, fez um curso no Senac, onde saiu empregada em uma doceria.
— O passo seguinte foi começar a fazer meus doces em casa e vender sob encomenda. Tive ajuda dos meus filhos e, depois, meu marido também se juntou a mim. Virou o principal negócio da família. Só que as crianças, a casa ficou mais movimentada e a cozinha que eu trabalhava ficou pequena. Chegou o momento que não conseguia mais, precisava sair de casa — lembra Ivete.
Foi neste momento de profissionalização que a confeiteira não encontrou amparo. De praxe, os bancos tradicionais costumam exigir comprovação de renda dos últimos 12 meses, o que foi o primeiro empecilho. Os microempreendedores também relatam que há certa resistência com profissões como cozinheiras, cabeleireiras e outros negócios autônomos.
"Fui com medo de pegar dinheiro, mas fui bem atendida e aquele valor me ajudou muito a me organizar"
IVETE MARIA DE OLIVEIRA
— Eu tinha bastante cliente, mas não tinha como provar. Não tinha a papelada. Então, comecei sem conseguir empréstimo. Abri com a cara, a coragem e a vontade de trabalhar. Eu ia conseguindo pagar as contas, mas chegou o momento que não tinha nenhum centavo sobrando. Foi aí que me falaram do Banco da Mulher, uma ajuda que foi essencial — relata a empresária.
A Docivete Confeitaria foi inaugurada em agosto de 2011 e a parceria com o Banco da Mulher aconteceu no ano seguinte. Ivete ressalta que a conversa foi completamente diferente do que com os outros bancos. A taxa de juros reduzida e a possibilidade de ajustar a forma de pagamento também agradaram.
— Elas incentivaram muito. Tem várias pessoas lá que nos dão uma palavra. Conversar com elas não nos coloca para baixo, e isso é uma grande coisa. Porque às vezes a gente está desanimado, e faz toda diferença conversar com pessoas que são otimistas junto contigo. Fui com medo de pegar dinheiro, mas fui bem atendida e aquele valor, que não era um empréstimo alto, me ajudou muito a me organizar — relata.
Na época, a Docivete era um negócio familiar, com seis pessoas trabalhando. Hoje, é emprego para 14 pessoas. Mas ainda conta com Ivete, o marido e a participação dos filhos, já formados na faculdade. O espaço é capaz de atender 70 pessoas.
— Os clientes percebem e perguntam "Hoje não foi a senhora que fez, né?". O nosso forte é a qualidade, o cliente pode vir hoje e voltar daqui a um mês que a qualidade e o sabor serão sempre os mesmos. Preservo e brigo por isso na cozinha. E não trabalhamos com cardápio. Tem dias que tem umas coisas, outros que tem outras, sempre inovando. É assim que eu gosto — destaca Ivete.
Após 11 anos de operação, a Docivete está perspectiva de abrir uma segunda loja. A filial ficará na Olavo Bilac, no bairro Rio Branco, onde está se consolidando um centro gastronômico. O investimento está calculado, mas, em caso de necessidade, Ivete já sabe onde irá procurar.
— Não tenho mais nenhuma parceria (com o Banco da Mulher), mas mantenho a relação. Sei que qualquer coisa que precisar, posso ir sem medo. Por isso, recomendo. Vai lá e poderá conversa como se estivesse em casa. Não é aquele negócio de banco, que vem gerente, isso e aquilo, aparecem taxas absurdas e não há chance de escolher como tu quer pagar. Ali a gente conversa e chega num consenso. Conseguimos "mandar" no acordo e elas avaliam se é aquilo mesmo que podem liberar — recomenda.
O BANCO DA MULHER
Apesar do nome de instituição financeira, o Banco da Mulher nunca visou ao lucro. A proposta sempre foi a de ajudar as pessoas a se estabelecerem no mercado de trabalho. Foi essa ideia que Marien Salatino Rech ouviu em 1997 e fez questão de compartilhar com outras mulheres ligadas à CIC Caxias.
"Hoje é chamado de microempreendedor individual, mas há 25 anos não existia esse nome. Eram autônomas, mulheres que queriam trabalhar. Cozinheira, costureira, cabelereira, empreendimentos começando que precisavam desse valor "
ELIANE TONDO
Essa parceria com a entidade empresarial, que até hoje cede uma sala para o Banco da Mulher, foi fundamental para que essas mulheres mantivessem o seu trabalho voluntário e conseguissem recursos para fazer os primeiros empréstimos.
Nesses 25 anos de atuação, houve mudanças na composição das 11 voluntárias, sem perder a essência. Hoje, o conselho é formado por Marli Trentin, Eliane Tondo, Ana Corovantes, a presidente Silvana Dalle Grave, Nilva Randon e Maria Helena Ayala.
O Banco de Mulher não tem dados sobre número de operações de crédito e clientes beneficiados. A informação é que são "centenas".
"Não desisti e arranjei o meu negócio"
Empreender também é a capacidade de desafiar o destino. E para isso, a criatividade é uma importante aliada. Foi nesse objetivo de avançar sempre que os sócios Charles Patrick Biasio, 27 anos, e Keilor Aguiar, 29, criaram a CK Fair Corporate. A empresa reúne dois empreendimentos que não costumam estar relacionados, mas que contam a história dos amigos do bairro Consolação: um salão de beleza e uma agência de turismo.
Como outras histórias de empreendedores, esta começa com uma dose de inquietação e outra de coragem. Cansados de trabalhar para os outros, Charles e Keilor pediram as contas e decidiram abrir o próprio negócio.
"Aceitaram me ouvir e vieram até o meu ambiente para avaliar o negócio. Foi uma conversa olho no olho e disseram como me ajudar"
CHARLES PATRICK BIASIO
— Era o auge das barbearias, e resolvemos investir nisso. Fizemos o nosso acerto (trabalhista) e fomos atrás de cursos, do aluguel e de um ponto legal aqui no nosso bairro. Só que criar uma clientela demora um tempo e começou a faltar caixa, foi quando entrou o Banco da Família na nossa história — conta Charles.
O salão de beleza foi inaugurado em 2015 na Avenida Ângelo Guisso. As dificuldades financeiras surgiram quase dois anos depois. Sem desanimar, Charles foi atrás de um empréstimo, mas recebeu diversos "não" simplesmente por ser jovem, afinal tinha 22 anos.
— Eles colocavam no sistema e aí barravam, porque meu CPF era novo. Fui rodando Caxias até que cheguei ao Banco da Família. Lá eles aceitaram me ouvir e vieram até o meu ambiente para avaliar o negócio. Foi uma conversa olho no olho e disseram como me ajudar — lembra o microempreendedor.
Três dias depois do contato inicial, o valor emprestado serviu para colocar em dia todas as contas do salão. Assim, o negócio pôde prosperar. Só que os sócios ainda não estavam satisfeitos e decidiram abrir um segundo empreendimento.
— Sempre gostamos de aviação. O salão foi a necessidade, mas não desisti e arranjei o meu negócio para estar próximo dos aviões — conta Charles.
Foi em 2019 que surgiu a agência de turismo, que foi unida ao salão de beleza, criando a CK Fair Corporate Salão e Turismo. A venda de passagens e pacotes de viagens acontece de forma remota e tem sua principal divulgação pelas redes sociais.
— Foi a forma de me aproximar e trabalhar com o que gosto. Além de ser uma renda extra. Foi o famoso juntar o útil e o agradável — comemora Charles.
Sobre o Banco da Família, os sócios voltaram lá durante a pandemia de coronavírus. As restrições para evitar o contágio da doença afetaram diretamente os dois negócios da empresa, por isso as contas voltaram a ficar apertadas.
— Ficamos mais de dois meses fechados, o que nos prejudicou muito. Então, fui lá explicar que tinha me apertado nas contas. Minha ideia era refinanciar, mas a gerente conseguiu até me emprestar mais um valor caso as dificuldades prosseguissem. Novamente, foi muito rápido. Eles sempre acreditaram no meu salão e eu sempre honrei minhas parcelas em dia — destaca Charles.
O BANCO DA FAMÍLIA
Em sua missão, o Banco da Família anuncia que atua em microfinanças como agente de inclusão, desenvolvimento e transformação social. Atualmente, a Oscip catarinense possui unidades em seis cidades gaúchas, incluindo três da Serra: Caxias do Sul, Farroupilha e Vacaria. As agências também atendem os municípios ao redor.
"Sabemos que não podemos, de maneira nenhuma, endividar nosso cliente. Por isso, nosso trabalho de fazer esse levantamento socioeconômico para avaliar a capacidade deles"
CÁTIA FERREIRA
Supervisora do Banco da Família em Caxias do Sul
No total, já foram liberados R$ 256,9 milhões em créditos a 14.653 clientes da região nestes 17 anos de operação. Em seus produtos, o Banco da Família tem linhas especiais para agricultores, para aquisição de painéis solares, para cobrir despesas médicas, entre outras.
Após o microcrédito, a maior busca é pelo chamado BF Reforma, oferta pensada para modificar sua residência ou espaço de trabalho. O valor pode ser usado para pagamento de materiais de construção ou a mão de obra e tem uma proposta semelhante à do microempreendedor, com uma taxa de juros de 3,29%.
— O nosso carro-chefe é microcrédito para pessoas que querem começar seu negócio e que não têm renda comprovada. Sabemos que não podemos, de maneira nenhuma, endividar nosso cliente. Por isso, nosso trabalho de fazer esse levantamento socioeconômico para avaliar a capacidade deles. Estamos sempre com nossos clientes, crescemos juntos com ele. não somos um banco comercial. Queremos crescer, mas sempre lembrando esse impacto social que causamos na vida da pessoa — explica Cátia Ferreira, supervisora em Caxias do Sul.
BANCO DA FAMÍLIA EM CAXIAS DO SUL
:: Valor liberações: R$ 180,6 milhões
:: Número de clientes: 9.237
:: Tíquete médio: R$ 19.555 por cliente
:: Valor para microcrédito: R$ 74,7 milhões
:: Valor para reformas: R$ 85,2 milhões
BANCO DA FAMÍLIA EM VACARIA
:: Valor liberações: R$ 76,2 milhões
:: Número de clientes: 5.416
:: Tíquete médio: R$ 14.085 por cliente
:: Valor para microcrédito: R$ 29 milhões
:: Valor para reformas: R$ 32,1 milhões