A estiagem que parece não ter fim no Rio Grande do Sul atinge em cheio os agricultores da Serra que se adaptam como podem à escassez de um recurso fundamental para a lavoura. Com níveis de água bem abaixo do normal, os açudes dão um último fôlego às plantações de hortaliças e folhosas, que já começam a faltar na mesa do consumidor.
Em entrevista à Gaúcha Serra, o secretário de Agricultura de Caxias do Sul, Rudimar Menegotto, confirmou que já não há mais plantio de algumas culturas, o que faz diminuir a oferta dos produtos inclusive nas feiras organizadas pela secretaria.
— Estão sumindo do mercado... alface, repolho, cenoura, são produtos que os agricultores não fizeram o plantio devido ao sol forte e calor intenso.
Produtor de hortaliças no bairro São Luiz e na comunidade Santo Homo Bom, em Caxias do Sul, Jones Dalpiaz, 50 anos, conta com dois açudes como fonte de irrigação, mas que estão cada dia mais secos. Dalpiaz arriscou um plantio tardio de beterrabas e 30% menor que o de costume, mas não tem certeza sobre o futuro da produção.
— Já deixei de plantar uns três hectares de repolho e cenoura, que era para estarem produzindo agora. Foram furados dois poços artesianos, mas um deles não deu muita água. O outro (poço), é preciso bombear toda hora.
A escolha por não semear as culturas durante a estiagem é explicada pelo investimento, já que segundo Dalpiaz, somados os valores com sementes, adubo, maquinário, irrigação e mão de obra é preciso investir cerca de R$ 25 mil para plantar 1 hectare de cenoura, por exemplo. Com a falta de chuva não valeria a pena arriscar. A decisão dos produtores interfere diretamente nas feiras e nas sacolas dos consumidores, onde é cada vez mais difícil encontrar algumas hortaliças.
— Já não tem para suprir o mercado, peguei um pouco com meus colegas para atender os clientes, mas o preço é alto, a unidade do repolho pode custar até R$6,00, a dúzia da beterraba R$4,00 e o quilo da cenoura varia entre R$6,00 e R$7,00.
A administração municipal através das secretarias de Agricultura e Meio Ambiente diz realizar um trabalho conjunto para tentar auxiliar o agricultor que queira armazenar água. Ainda em entrevista à Gaúcha Serra o secretário Rudimar Menegotto externou sobre o desejo dos produtores em armazenar o recurso hídrico que, às vezes, acaba esbarrando na legislação.
— A Serra é diferenciada, temos dificuldade (em abrir poços) por estarmos em uma região de APPs (as Áreas de Preservação Permanente) e a legislação trata de forma igual as realidades que não são as mesmas.
Ainda que não seja da sua competência, a autorização para que o agricultor perfure a terra em busca do recurso é incentivada também pela secretaria do Meio Ambiente (SEMMA), desde que sejam protegidas as APPs.
— É mais difícil ter a outorga, mas por outro lado é o que nos garante a água. Graças as Áreas de Preservação Permanente é que temos muitas vezes em abundância, porque é o que segura a água no banhado ou na mata, então eu diria que é necessário, não dá pra reclamar. Quanto mais protegermos a nascente, mais água teremos — explica o secretário da SEMMA, João Osório Martins.
Ainda assim o Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento da secretaria estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, responsável pelas outorgas, diz que não é impossível a abertura legal de um poço artesiano dentro de uma Área de Preservação Permanente. Segundo o diretor Ivo Lessa, havendo o estudo, comprovando-se a necessidade e o baixo impacto ambiental é possível, sim, contar com o recurso dentro de uma APP.
Auto declaratório, o Sistema de Outorgas de Águas do Rio Grande do Sul (SIOUT) é um formulário informatizado em que o interessado deve cadastrar seu pedido. E conforme o preenchimento dos dados tem a liberação deferida na hora, segundo Lessa.
— Atendendo as normativas do programa, a autorização sai na hora. E tendo a assessoria de um técnico que estruture bem o pedido e prove que a atividade é de baixo impacto ambiental, o poço poderá ser perfurado inclusive em APP.
Alta demanda
O empresário Adilson Barbosa, 29 anos, cresceu acompanhando o pai que há 40 anos abriu a empresa de perfuração de poços artesianos. Desde lá sempre houve trabalho, mas segundo Barbosa nos últimos três anos a demanda por um local que provesse e armazenasse água aumentou muito no interior da Serra Gaúcha.
— Em um mês perfurávamos cinco poços, hoje passamos a abrir no mínimo quinze no mesmo período. E, às vezes, abrimos mais de um em uma mesma propriedade. Lugares que já viram o primeiro (poço) secar e querem garantir o segundo.
Um geólogo contratado pela empresa realiza o estudo de viabilidade e encaminha a licença para o Departamento de Recursos Hídricos (DRH) que libera a outorga do uso da água. De acordo com Barbosa, leva em média quatro horas para perfurar 100 metros e o investimento gira em torno de R$30 mil para entregar o poço artesiano pronto para o uso.
— São quase R$10 mil só em burocracia (licença e outorga), que está sendo liberada em até uma semana. O processo é rápido, mas temos que atender aos clientes que já estão em fila de espera.
O DRH confirma que, de outubro de 2021 até o início de março, foram autorizadas as aberturas de mais de 1,9 mil poços artesianos em todo o estado.