O futuro do mundo está em constante discussão, afinal, os impactos da ação humana e da atividade econômica, em sua maioria danosos ao meio ambiente, precisam ser brecados para o bem das próximas gerações. Ao mesmo tempo, populações crescem e exigem das indústrias e empresas as matérias-primas para desenvolver seus produtos e, por consequência, obter consumo e gerar resultados financeiros significativos. Esse já está sendo o grande desafio para gestores e empresas: encontrar um equilíbrio nesses dois cenários para se manter vivos no mercado de ebulição competitiva e de alta exigência do consumidor.
Um dos caminhos para enfrentar esse atual momento e construir o futuro está alicerçado em três letras: ESG, da sigla em inglês para Enviromental, Social and Governance que, traduzidas para o português,significam boas práticas ambientais, preocupação social e diretrizes de governança corporativa. O conceito não é novo. Segundo especialistas, foi criado ainda no início dos anos 2000, porém, nos últimos três anos, passou a tomar conta do mercado, no qual as empresas passam a demonstrar o tamanho de seu comprometimento com temas centrais atualmente, como a redução de danos e boas práticas econômicas visando a um desenvolvimento sustentável.
A questão ambiental é cada vez mais fundamental para adentrar em debate nas empresas, e não apenas nas mãos dos governantes políticos.Alguns setores já sentem a falta de matérias-primas e insumos para a produção,caso dos ramos metalmecânico, construção civil e de bebidas. Outro ponto importante que vem causando transtornos são as alterações climáticas. Um melhor aproveitamento da água é fundamental, assim como novas alternativas de energia limpa e menos poluentes, como a solar, e a busca por diminuir a emissão de poluentes.
No pilar social, a diversidade e inclusão de grupos minoritários eram assuntos pouco discutidos e hoje estão no centro das discussões da sociedade, de empresas e governos. Ou seja, se referem à relação de uma empresa com as pessoas que fazem parte do seu universo. Dentro desse eixo, estão englobados a satisfação do cliente, proteção de dados, engajamento de funcionários, relacionamento com a comunidade e respeito aos direitos humanos e trabalhistas.
Já a governança,que busca materializar grande parte do pensamento estrutural das empresas com medidas como a composição de conselhos, comitê de auditorias, executivos remunerados, relação com entidades e um canal de denúncias, pelo menos em parte das empresas já acontece. Um dos pontos apontados por especialistas no tema é o pagamento de impostos.
Assim, algumas empresas, para terem maior sustentabilidade de seus negócios,já estão,mesmo que aos poucos,se adequando para incorporar a agenda ESG aos seus complexos planejamentos estratégicos para que consigam obter os resultados significativos em seus balanços financeiros. Outras ainda precisam percorrer esse caminho para não ficar muito para trás na concorrência.
Em Caxias e região, prática se concentra nas maiores empresas
Em Caxias do Sul, não há um levantamento preciso de quantas empresas estão aderindo à agenda ESG, assim como na região. Contudo, Randon, Marcopolo, Agrale, Soprano, Tramontina e outras, com um poderio econômico e financeiro maior, não ficaram para trás dentro desse modelo que está sendo proposto e implantado em escala mundial.
Para Ruben Bisi, diretor institucional e futuro vice-presidente de Indústria da Câmara de Indústria, Comércio de Serviços de Caxias do Sul (CIC), a aceitação da agenda ESG, inicialmente por parte dos maiores conglomerados caxienses, segue princípios das concorrentes do mercado internacional.
– As empresas de Caxias do Sul estão muito fortes nesse sentido. Primeiro, por convicção de suas administrações. Segundo, os investidores estão colocando dinheiro nas empresas que tenham o (modelo) ESG consolidado. Em terceiro, é possível que os bancos irão ter taxas diferenciadas. E por fim, o consumidor, para comprar os produtos dessas empresas, vai exigir que elas executem esses princípios. Isso já acontece e vai ser mais forte – menciona.
Ainda na avaliação de Bisi, a governança já é destaque dentro das empresas caxienses e da Serra Gaúcha.
– Temos uma boa governança, sem dúvida. Somos fornecedores de várias grandes empresas em diversos setores, e essas matrizes internacionais exigem alguns pontos de ESG, assim como antes era, por exemplo, o ISO 9000 e outras (certificações). A maioria já tem essas políticas, mas precisa botar no papel e monitorar essas práticas. Tem muito para avançar, mas o caminho está trilhado – salienta.
INCENTIVO DA CIC
Sobre o papel da CIC Caxias no processo de incentivar mais empresas, independente se de grande, médio ou pequeno porte, Bisi revela que um caminho será trilhado a partir de 2022, com a posse da nova diretoria.
– Tivemos uma reunião na última semana sobre a gestão 2022-2024 e discutimos esse ponto.Nós precisamos informar as empresas sobre o que é o ESG,as razões para que elas invistam. É uma questão de sustentabilidade para o futuro delas. A partir do ano que vem, teremos uma diretoria pensando em ESG, disponibilizando para os associados cursos, palestras e conscientização. Vai ser um movimento bastante grande. A CIC quer debater muito sobre isso – projeta.
Em nota, o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Paulo Spanholi, avalia o atual cenário do ESG e o que pode ser feito pela entidade.
– O Simecs acompanha o movimento que debate essas questões e estimula o fortalecimento e adoção de práticas ambientais, sociais e de governança nas empresas, como forma de garantir a sustentabilidade dos negócios. As grandes e médias empresas da nossa base de atuação já estão mais avançadas nesses processos, enquanto que pequenas e micro ainda estão em outros estágios de evolução, onde esses temas de forma individual ficam menos latentes, mas que já trabalhamos no estímulo, de forma transversal, em iniciativas de apoio à gestão e inclusão das nossas indústrias ao perfil de indústrias 4.0. O sindicato estuda intensificar as ações institucionais relativas ao fomento dessa temática, dentro das iniciativas permanentes que estimulam a competitividade do setor – aponta Spanholi.
O economista e professor Mosár Ness acredita que o cenário caxiense pode avançar em virtude do intercâmbio e exigências que as empresas têm junto ao mercado estrangeiro.
– Esse tipo de ideia começa nas grandes empresas, que se adaptam mais rápido às condições do mercado lá fora. Com isso, trazem as ideias e implantam na cultura, que,uma vez colocada,ela começa a colocar/cobrar dos fornecedores também esses pilares. Isso faz com que se chegue nas médias e pequenas empresas, sem dúvida. Vai contaminar o ambiente econômico e as próprias pessoas vão repassando as ideias para melhorar a produção e lucros – entende.
PEQUENAS E MÉDIAS
De acordo com Janaina Macke, professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a pandemia pode ser um motivo para que as médias e pequenas empresas ainda não tenham aderido ao modelo ESG.
– Essas práticas são pouco adotadas porque a questão econômica fala mais alto, em especial em decorrência da pandemia, quando eles focaram seus esforços em manter suas empresas em operação, não arriscaram, algo que as maiores puderam fazer – avalia.
Família Geremia
Também há exemplos de adesão aos preceitos ESG fora das grandes empresas. Em Carlos Barbosa, a família Geremia, que faz parte de programa do grupo BRF, buscou uma solução para diminuir o desperdício de água no resfriamento de seu aviário.Para isso, desenvolveu um sistema próprio para fazer a água circular e resfriar, sem perdas.
Uma caixa de 20 mil litros conectada entre os aviários e o poço artesiano da família permitem ter água em movimento e sem desperdício. No sistema convencional, as torneiras despejariam água no solo, movimentando e resfriando o líquido.
Marciela Geremia, uma das proprietárias da granja, diz que o projeto evita o desperdício de até 18 mil litros de água limpa em apenas um dia.
– Ver toda aquela água indo embora nos incomodava. Se é possível armazenar água da chuva coletando em uma calha, por que não daria para fazer o mesmo no reúso de manejo das aves com a água que é bombeada do poço? – pondera.
Empresas Randon
Não apenas estabelecer uma série de metas a médio e longo prazo, mas colocá-las em prática na questão ambiental, assim como em termos de governança e nos aspectos sociais. As maiores empresas de Caxias do Sul e da região estão de acordo com os princípios da ESG.
O conglomerado Randon e Fras-le divulgou metas de sua Rota Verde. O objetivo é zerar a disposição de resíduos em aterros industriais e afluentes até 2025 e reduzir em 40% a emissão de gases com efeito-estufa até 2030.
Para a redução de gases, as alternativas são a utilização de fontes alternativas de energia, a substituição de equipamentos a combustão por equipamentos elétricos e a melhoria dos processos produtivos.
O vice-presidente executivo, COO das Empresas Randon e CEO da Fras-le,Sergio Carvalho, comentou as metas.
– As metas são desafiadoras, mas alcançáveis. Sempre tivemos projetos de meio ambiente, mas até então tratados de forma específica. Agora vamos atuar de forma cooperativa,com sinergia entre todas as empresas que, de maneira conjunta, irão potencializar os resultados – declara.
Na Randon, 65% dos efluentes tratados retornam ao processo da empresa. Com o projeto Exemplo, estudo ainda em desenvolvimento, que propõe a utilização da tecnologia chamada de osmose reversa, o potencial de reúso fica próximo dos 100%. A osmose reversa possibilita otimizar a qualidade do efluente para reúso nos processos de pintura. O potencial é de adição de 50 milhões de litros ao ano para reutilização.
No aspecto social, a Randon também tem forte atuação, na preocupação dos fundadores, desde os funcionários até a comunidade. O Instituto Elizabetha Randon conta com programas para crianças e adolescentes no contraturno escolar, projeto para um trânsito seguro e de inserção no mercado de trabalho.
Marcopolo
A empresa lançou um plano estratégico com metas de 2020 a 2025, no qual acredita que a sustentabilidade precisa apoiar alguns pilares, e o primeiro deles é a transformação cultural.
Para Luciano Resner, diretor de Operações Industriais da Marcopolo, alguns passos já foram dados e outros estão por vir.
– Pequenos passos, como a digitalização de procedimentos e rotinas, a adoção de novas tecnologias, o uso racional dos recursos, a utilização de matérias mais sustentáveis para a composição dos veículos que produzimos, são frentes que priorizamos – descreve.
No aspecto ambiental, a Marcopolo avança com uma série de iniciativas, diz Resner.
– Nossos produtos avançam para a emissão de menor quantidade de poluentes no ambiente. Seguindo essa premissa, lançamos o primeiro veículo leve sobre pneus (VLP) 100% elétrico do Brasil, o primeiro ônibus rodoviário movido a eletricidade da Região Sul e seguimos investindo em veículos com propulsão sustentável. Os processos produtivos priorizam ações sustentáveis, como o uso de máquinas de solda com inversora e a utilização de gás com menor impacto ao operador e meio ambiente, o que proporciona uma redução no consumo de energia – destaca.
Com relação à governança, a empresa está seguindo padrões exigidos pelo mercado, uma vez que é uma companhia de capital aberto, que tem ações na B3. Na esfera social, mantém há 33 anos a Fundação Marcopolo com um histórico de ações estruturantes e capacitadoras.
Conforme a empresa,mais de 12 mil pessoas são impactadas por ações da entidade.O foco é atuar com visão humanista, com base na responsabilidade social, voltada à promoção da qualidade de vida e da cidadania dos colaboradores, familiares e comunidades onde as empresas da Marcopolo estão presentes.
Com relação à importância de implementar o conceito ESG em um mercado de alta competitividade e um consumidor exigente, Resner ressalta:
–Ter uma estratégia de ESG robusta beneficia não apenas a própria empresa como toda a sociedade. Afinal, investir nas dimensões ambiental, social e de governança torna os negócios mais sustentáveis sob todos os pontos de vista, em benefício de todos os públicos com que as organizações se relacionam. Essa robustez representa um diferencial diante dos concorrentes e é reconhecida por consumidores, investidores e outros stakeholders, cada vez mais atentos e que valorizam cada vez mais essas práticas.
Tramontina
A Tramontina também executa os preceitos da ESG. Conforme a empresa em seu site, há investimos constantes em tecnologias limpas, reduzindo a geração de resíduos, efluentes e emissões atmosféricas, o que contribui para o desenvolvimento sustentável.
Além disso, é destinada parte dos resíduos gerados para outras indústrias, e esse resíduo volta a ser matéria-prima. Iniciativas em outras áreas sustentáveis também estão no portfólio da Tramontina nas unidades de Carlos Barbosa, Garibaldi e Farroupilha.
A Tramontina conta com Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs) para o tratamento da água utilizada nas diferentes atividades possibilitando assim o reúso,que,no caso de algumas unidades fabris, chega a 100%, bem como faz a captação de água da chuva para utilização em seus processos.
Soprano
Em Farroupilha, a Soprano conquistou recentemente o título internacional de Indústria Sustentável, fornecido pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A empresa substituiu o uso do HCFH-141b, agente de expansão em espumas utilizado no isolamento de vários produtos, por substâncias não agressoras da camada de ozônio.
As mudanças, além de contribuírem com a preservação do meio ambiente, também ajudam para que as metas estabelecidas no Protocolo de Montreal (tratado internacional que visa proteger a camada de ozônio) sejam atingidas. De acordo com a analista de qualidade da Soprano, Gabriela Becker, a sustentabilidade está na cultura da empresa.
– Nos sentimos orgulhosos por conquistar esse reconhecimento e por saber que estamos alinhados aos processos de industrialização limpa. A sustentabilidade está presente dentro da cultura da Soprano, e queremos compartilhar essa nossa preocupação com nossos clientes, colaboradores, fornecedores e a comunidade – aponta Gabriela.
A empresa possui em sua unidade um sistema de reutilização da água, tem as empilhadeiras elétricas, em vez de combustão, o que reduz a emissão de poluentes. E ainda vai ampliar a captação de energia solar com objetivo de gerar 70% do que é consumido pela unidade em eletricidade.
Com relação à questão da governança, a Soprano vem consolidando um modelo com comitês de inovação, financeiro, de riscos e de pessoas.
Consumo consciente ganha adeptos
A busca por informações quanto à origem dos componentes do produto e de que maneira foi fabricado antes de ser colocado para a compra, por exemplo, já chamam a atenção dos consumidores. E isso também faz com que as empresas precisem estar atentas dentro do modelo ESG.
Segundo Janaina Macke, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação da UCS na área de Administração, esse consumidor consciente está ganhando mais adeptos no Brasil, e a tendência é de que cresça.
– Percebemos que tem um aumento, mas ainda não no estágio que precisaria. Há levantamentos que mostram essa melhora. O planejamento, reciclagem e compras sustentáveis estão entre as informações que são buscadas pelos consumidores. Na Europa, esse movimento é muito forte, e aqui vai crescer – projeta.
Esse crescente interesse pode levar as empresas a buscar divulgar os processos de como seus produtos estão sendo fabricados até chegar nas mãos do consumidor, o que atrairia a atenção. Isso poderia ser feito em forma de selos,como aponta Janaina.
– Seria bacana termos mais selos que pudessem ajudar e chamar a atenção dos consumidores nessa decisão. Temos isso em alguns produtos elétricos, como geladeira, freezer e ar condicionado. Por exemplo, na etiqueta da roupa poderia ter um selo de sustentabilidade com indicadores de como foi feito, quem os fabricou, a tinta usada, quanto de água foi utilizado, entre outros pontos. Esse tipo de iniciativa seria muito interessante – aponta.
Mercado e investidores estão mais exigentes
Estar alinhado aos princípios ESG deve trazer uma série de resultados positivos para as empresas. Isso porque o mercado e os investidores estão atentos a quem está colocando eles em prática, aponta Janaina Macke, professora e pesquisadora de pós-graduação na UCS na área de Administração.
– Essas práticas (ambientais, de governança e sociais) também fazem parte da avaliação dos índices da Bovespa. Esta é uma forma de fazer com que as empresas sejam ranqueadas e os investidores possam ter essa avaliação antes de aplicar seu capital. Hoje estão ainda mais valorizadas no mercado das ações e seus papéis negociados, e o ESG é uma forma. Quando, por exemplo, a XP (Investimentos) anuncia fundos verdes e mostra crescimento de procura, isso é indicativo de que, sem esse olhar, as empresas não vão atrair investimento – esclarece.
Mesmo assim, ainda há um caminho significativo a ser percorrido. Pelo menos é o que aponta estudo da Grant Thornton, em parceria com a XP Inc. e a Fundação Dom Cabral, que buscou compreender qual o efeito do desempenho ESG sobre os resultados de 167 empresas brasileiras listadas na bolsa de valores: 75% das empresas participantes consideraram os aspectos ESG como prioridade, mas apenas 14% os levam em conta na tomada de decisões.
Para o economista Mosár Ness, isso comprova que as empresas precisam estar atentas para manter ou buscar resultados positivos no mercado.
– De tempos em tempos, o capitalismo dá uma virada para se perpetuar mais.Agora as empresas com esses três pilares sustentam o crescimento a longo prazo. É uma tendência que veio para ficar, sem dúvida. Se a companhia não produzir algo com qualidade, durabilidade e que seja aceitável,não tem como ficar no topo – entende.
Além do melhor manejo e cuidado para não esgotar as matérias-primas para a fabricação dos produtos, algo que já acontece em alguns setores, Ness ressalta que as partes social e de governança trazem benefícios se bem trabalhadas pelas empresas.
– O eixo social tem um movimento interessante, pois não adianta produzir se não tem quem consumir. É preciso criar condições para que as pessoas se habilitem a consumir. E a governança, o legado de pai para filho vai se extinguir, as grandes corporações têm milhares de acionistas que investem para ter retorno no futuro sem preocupações – observa