Caxias do Sul está dividida em três faixas de empreendimentos na relação com os cuidados ambientais, de acordo com Mario Guilherme Sebben, da Diretoria de Desenvolvimento Sustentável da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) do município. A mais representativa em volume de negócios é que tem as maiores empresas, que produzem a maior quantidade de resíduos e também são as que estão mais preocupadas com as questões ambientais, em processos e correta destinação de resíduos.
Junto delas estão as fornecedoras que acabam seguindo as mesmas diretrizes. Um segundo grupo tem empreendimentos com conhecimento da legislação, mas que descartam os resíduos de maneira mais barata e nem sempre correta. E o terceiro grupo é aquele em que estão as empresas que não se preocupam em adotar práticas de redução de impactos e fazem descarte ilegal. Esse último é o mais numeroso, segundo Sebben, mas que vem diminuindo com o passar dos anos:
— A cultura vem evoluindo dia a dia. Ainda pela fiscalização, que acaba sendo um estímulo às avessas. Mas, felizmente, também por uma consciência maior ambiental. Diria que mais da metade dos resíduos produzidos vem sendo convenientemente tratado nas indústrias. Acho que Caxias é um ponto de destaque nessas questões, por iniciativa das empresas, pela consciência do papel que elas têm na busca de um ambiente mais equilibrado principalmente para as gerações futuras.
Para o empresário, falta incentivo por parte do poder público:
— Não tem nem no âmbito municipal, nem estadual nem federal. O que, aliás, faz bastante falta, porque poderia ser um estímulo importante a mais para as empresas.
O governo federal tem um programa de isenção de imposto na importação de equipamentos utilizados na geração de energia solar até o final de 2021. Entre eles, bombas para líquidos, para uso em sistema de energia solar fotovoltaico, rastreadores solares, que são aproveitados em grandes usinas para acompanhar a posição do sol ao longo do dia, o que aumenta a produtividade da unidade. Segundo o Ministério de Minas e Energia, as fontes renováveis de energia, que incluem hidráulica, eólica, solar e bioenergia, chegaram a 46,1% de participação na matriz de 2019.
Aurora usa energia renovável e trata efluentes
Se o ambiente tem papel cada vez mais importante para as grandes corporações imagina o que significa para uma empresa, cuja matéria-prima vem direto da natureza. Segundo a Supervisora de Qualidade e Meio Ambiente da Vinícola Aurora, Cassandra Marcon Giacomazzi, o vínculo entre a saúde econômica do empreendimento, o bem-estar do quadro funcional e de associados e as questões ambientais sempre estiveram presentes no negócio:
— Isso sempre nos acompanhou, seja pelo viés social, que é muito forte dentro de uma cooperativa, a preocupação com a questão econômica do empreendimento e também as questões ambientais. Ao planejar uma safra, um novo produto, uma expansão na área produtiva sempre é muito presente para nós o uso responsável do recurso natural.
A vinícola tem programas de gerenciamento com ações voltadas para melhoria do processo, com objetivo de entregar um produto de qualidade e seguro, gerando menor impacto possível. Para isso, estabelece metas e faz controle de ruído, de emissão atmosférica, de resíduos sólidos e de efluentes. No caso dos resíduos, a cooperativa conta com uma rede de parceiros que fazem a destinação correta. Desde 2019, toda a energia elétrica necessária para a operação é adquirida de empresas que fornecem a chamada energia limpa, que é produzida a partir de fontes eólicas ou solares, por exemplo. Com a medida, conseguiu economizar R$ 828 mil no ano passado, média de 25% do que seria gasto com fontes convencionais. Ainda em 2020, ano em que registrou um faturamento de R$ 701 milhões (o maior em nove décadas), a vinícola reduziu a emissão de 316,8 mil toneladas de gás carbônico na atmosfera. Este volume é o equivalente a 8,8 mil mudas de árvores conservadas por 20 anos, a 3,1 mil veículos leves à gasolina percorrendo 500 quilômetros, ou, ainda, a 793 transportes de cargas de uma tonelada pelo mesmo trajeto. Por isso, recebeu o Certificado de Redução de Emissão de Gases de Efeito Estufa pela Consultoria em Energia Ludfor. Nessa linha, o telhado da unidade do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves já foi preparado e, a médio prazo, deve receber placas fotovoltáicas, ou seja, a geração de energia vai acontecer na própria sede. A vinícola também tem uma estação de tratamento de efluentes e parte da água é aproveitada para lavagem de pisos e calçadas.
— A melhoria é interna, do ambiente de trabalho, no processo produtivo, no produto que se oferece ao cliente e ao consumidor. Como consequência, tem a questão do mercado que exige que os fornecedores desenvolvam um trabalho relacionado a responsabilidade sócio-ambiental. Mas, não vejo mais como uma exigência de mercado e sim uma estratégia de negócio — aponta Cassandra.
Soprano reutiliza toda a água e usa matéria prima reaproveitada
A construção da nova galvânica, em 2015, foi o start para a Soprano entender que deveria mudar processos para além de atender a legislação, deixar um meio ambiente melhor para o futuro. A empresa já adotava práticas de sustentabilidade há muitos anos, mas percebeu que as ações de hoje não podem comprometer o amanhã. Isso desencadeou iniciativas em todas as unidades e, neste ano, foi certificada novamente como empresa renovável por reduzir emissão de gás carbônico no ambiente.
A unidade possui sistema de utilização da água em circuito fechado, ou seja, a água que é retirada da natureza é tratada e reutilizada em processo contínuo. Além disso, as empilhadeiras movidas à combustão foram substituídas por elétricas, o que reduz a emissão de poluentes. A empresa ainda vai ampliar a captação de energia solar com objetivo de gerar 70% do que é consumido pela unidade elétrica.
A aposta no sistema de energia renovável também se tornou negócio para a Soprano que importa da China e revende painéis para geração de energia fotovoltaica (não há produção nacional dos equipamentos) na Serra, para outras cidades do Rio Grande do Sul e em expansão para outros estados.
— A Soprano foi pioneira na utilização de energia limpa, comprando energia somente de fontes renováveis, de pequenas usinas hidrelétricas, nos anos 2000. Hoje 100% da nossa energia é renovável — explica o diretor de Operações da empresa, Valter Sonda.
Na produção de resíduos, a empresa tem duas ações importantes. Uma é que a maioria das embalagens utilizadas pela indústria é de papelão, reduzindo o uso do plástico. A segunda é a utilização de material reaproveitado.
— O segredo para não ter que tratar resíduo é não gerar. No desenvolvimento do produto temos em mente isso, que a embalagem seja reutilizável. E temos uma unidade em que 50% da resina plástica utilizada já vem de material pós industrializado — conta o gestor.
Com as práticas adotadas, em 2020, a Soprano deixou de emitir cerca de 370 mil toneladas de gás carbônico, o que equivale a 10.241 mudas de árvores conservadas por 20 anos, 3.683 veículos leves à gasolina percorrendo 500 km, 923 transportes rodoviários de uma tonelada de carga por 500 km e 158 toneladas de papel/papelão enviadas para aterro sanitário. Esses cálculos são feitos pela Ludfor Energia, que concedeu o certificado à empresa.
Alinhada aos conceitos de ESG, a Soprano trabalha a questão da governança desde 2012 e vem consolidando esse modelo, com comitês de inovação, financeiro, de riscos e de pessoas. Para estender as práticas a mais empresas e amplair os efeitos disso na comunidade, o Instituto Hélice, do qual a Soprano faz parte junto com outras empresas de Caxias do Sul, vai prestar uma espécie de consultoria sobre ESG.
— Estamos unindo esforços com grandes empresas, para que isso chegue na sociedade. O trabalho agora é de conscientização, depois vem a consequência. O difícil é mudar a cultura, ainda mais aqui na Serra gaúcha. Mas está mudando. As empresas estão começando a enxergar diferente. E o Hélice está sendo o grande propulsor disso — declarou Valter.
HG conseguiu doação de painéis solares e criou selo verde
Há cerca de dois anos, em 2019, o Hospital Geral, em Caxias, revisitou o planejamento estratégico para o período 2020 a 2025. E por ser uma entidade filantrópica, que atende 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a viabilidade financeira é uma preocupação premente. Mas, naquele momento, a instituição voltou o olhar também para a sustentabilidade. Teve início uma pesquisa sobre qual impacto os hospitais geram no ambiente. A descoberta foi surpreendente.
Os dados coletados pelo HG apontam que estima-se que os hospitais brasileiros consumam cerca de 10% da energia comercial do nosso país. Isso em função da quantidade de equipamentos e de tecnologias que utilizam de forma ininterrupta. Um dado da Inglaterra indica que a emissão de gás carbônico, por ano, na atomosfera chega a 8 milhões de toneladas. Além disso, existe a dificuldade de segregação e de destinação correta dos resíduos hospitalares. E, ainda, alto consumo de produtos químicos que também geram impacto.
— Chegamos a alguns dados bem alarmantes quando estamos falando de instituições que promovem saúde. Somos seres que consumimos esse planeta. Então, se trabalhamos e queremos desenvolver saúde, temos que ser sustentáveis na questão ambiental — comentou Scheila .
Para além disso, Scheila explica que, como o HG é certificado em nível de excelência, tem o compromisso de promover ações na comunidade, de conscientização da separação de resíduos, de economia de energia e da compra sustentável. Esta última, por exemplo, consiste em adquirir produtos locais, reduzindo transporte e, consequentemente, consumo de combustível fóssil e emissão de gás.
Ao repensar as estratégias de gestão, o HG aderiu ao movimento dos Hospitais Saudáveis, associação sem fins econômicos dedicada a transformar o setor de saúde em exemplo para toda a sociedade em aspectos de proteção ao ambiente, à saúde do trabalhador, do paciente e da população em geral. A proposta vai ao encontro da agenda 2030, da ONU. Em 2020, o hospital acabou voltando a atenção ao combate da pandemia de covid-19 e, neste ano, retomou as ações. Foi criado o selo HG Pense Verde, que será incorporado às campanhas, aos informativos e outras mobilizações ligadas à sustentabilidade e ao meio ambiente. Ele também está relacionado a uma campanha de redução de uso de papel, que começou pela diretoria e vai avançar aos demais setores do hospital. A meta é que até junho, a direção não utilize mais papel nos seus processos, e que isso ocorra em toda a instituição até 2025.
Outra ação implementada foi a instalação, em abril deste ano, de 16 painéis de captação solar para geração de energia. Ela foi viabilizada com a ajuda da população que indicou o hospital em uma campanha lançada pela empresa Renovigi, que doou os sistemas para entidades filantrópicas de todo o Brasil envolvidas no combate ao coronavírus. Em três dias, maio do ano passado, o hospital recebeu mais de 14 mil indicações e foi contemplado.
Essas iniciativas se somam a anteriores que havim sido implementadas como a substituição de torneiras para reduzir o despedício de água e de lâmpadas pelo sistema LED e uso de materiais reaproveitados nas aberturas do pronto-atendimento. As portas são envelopadas com uma lâmina de poliéster que utiliza 92 garrafas PET recicladas por porta.
Randon tem metas de zerar resíduos em aterros e o lançamento de efluentes
Na última terça-feira, as Empresas Randon apresentaram os compromissos do grupo em sustentabilidade, meio ambiente, impacto social e governança alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Entre as principais metas estão reduzir a emissão de gases do efeito estufa em 40% até 2030, zerar a disposição de resíduos em aterro industrial e eliminar o lançamento de efluentes até 2025. Para alcança-las, a companhia desenvolverá um conjunto de ações e projetos internos baseados em cinco pilares: condução ética e responsável, excelência e segurança como um valor, compromisso com o meio ambiente, prosperidade para todos, e inovação sustentável.
Mas sustentabilidade faz parte dos processos das companhias do grupo há mais de três décadas. O marco inicial desse compromisso ocorreu na década de 1990, quando a Fras-le passou a desenvolver produtos sem amianto, motivada por uma exigência do mercado externo. À época a empresa também já se preocupava com a destinação de resíduos do processo de produção.
— A entrega de produtos para clientes de mercados, na época, mais desenvolvidos, fez as empresas entenderem essa importância da questão do meio ambiente. Isso vem evoluindo ano a ano — comenta Daniel Randon, CEO das empresas Randon.
Já as práticas de governança que voltou a ter destaque com a popularização do conceito ESG (da sigla em inglês que, em português, significa Ambiental, Social e Governança) começaram a ser adotadas nas empresas ainda na década de 1970, por meio da transparência, de regras e de auditorias. O aspecto social, segundo O CEO, sempre foi uma preocupação dos fundadores, desde os funcionários até a comunidade. Exemplo disso, é o Instituto Elizabetha Randon, com programas para crianças e adolescentes no contraturno escolar, projeto para um trânsito seguro e de inserção no mercado de trabalho.
Na área ambiental, foi criado o projeto Rota Verde, que reúne todas as iniciativas desenvolvidas pelas empresas.
— Fechamos uma rede de elementos que nos trazem tanto produtividade, quanto sustentabilidade, quanto benefícios ao meio ambiente — disse Bernardo Soares, diretor de Excelência Operacional da Companhia, referindo às metas apresentadas.
Entre as ações a serem desenvolvidas estão a substituição de empilhadeiras a combustão por veículos elétricos guiados de forma automática; o uso de areias das fundições na construção civil (os resíduos metálicos não são descartados, eles são fundidos) e uso da água em circuito fechado nos sistemas de pintura. A empresa já havia substituído a madeira por outros materiais nos processos.
— É possível fazer e inovar com sustentabilidade. Existe uma preocupação do propósito da empresa e não é só por parte do cliente, é da comunidade, dos acionistas, que exigem que as empresas tenham claras suas políticas de sustentabilidade. E nós olhamos tudo isso como oportunidade. Podemos inovar, fazer algo com custo menor, com menos passivo, para a mão de obra que está trabalhando com o produto até ao cliente final e esse valor é reconhecido pelo cliente na ponta. Trabalhamos com fornecedores no sentido de eles também evoluírem para sistemas mais sustentáveis. É um ciclo — considera Randon.