As mulheres, que representam 51,8% da população brasileira, segundo dados do IBGE, tiveram lugar de destaque no Gramado Summit, que encerrou sexta-feira (7). Elas ganharam um palco próprio e espaço nos dois outros ambientes para palestras. Contudo, ainda representaram menos da metade (47%) dos 91 palestrantes do evento.
Em suas participações no Summit, elas incentivaram as mulheres a tomarem decisões, assumirem papeis de liderança, a ocuparem espaço maior no mercado de trabalho, inclusive em áreas financeiras e tecnológicas. É que se a participação das mulheres no mercado de trabalho vinha em uma crescente nos últimos anos, com a pandemia, ela despencou.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicou que a queda foi de cerca de 50%, voltando a patamares de 1990. A inspiração para incentivar quem estava na plateia a mudar essa realidade veio por meio das histórias pessoais de cada uma das palestrantes. Em geral, mulheres que são exemplos pelas atuações à frente de corporações ou pelas trajetórias de vida.
— É um momento crítico, em que toda a construção que vem sendo feita há séculos, toda uma conquista corre o risco de se perder. O que podemos fazer para retomar esse espaço? A mulher hoje é chefe de família, em situação de restrições (da pandemia) tem de cuidar do ensino dos filhos, da administração da casa... somando essa jordana múltipla, que é invisibilidade e não remunerada, se coloca um cenário muito crítico para a mulher no mercado de trabalho — revela Elisa Tawil, que coordena a EXP Brasil, imobiliária digital que tem 52 mil corretores no mundo e está presente em 12 países.
Para Onília Araújo, fundadora do I.Con Inovação Contábil, as mulheres precisam tomar as rédeas da própria vida e, para isso, é preciso independência financeira e autonomia econômica. E para chegar a isso, é necessário, segundo Onília, observar características comuns à maioria das mulheres: elas gastam mais com bem-estar, enquanto que os homens, com patrimônio; e elas ainda apostam em um casamento como segurança.
— Eu tenho que tomar conta do meu dinheiro. Se a gente pode ter uma condição financeira saudável, se pode ter um apartamento de luxo... por quê não? Por que a mulher não pode acessar esse espaço? Porque ela nunca chega a ter dinheiro suficiente. Então, comecem a guardar. Não importa quanto ganhe, guarde uma parte. Tenha um objetivo. É preciso querer, para ter alguma coisa. Aprenda a investir — orienta Onília.
Além dessa redução na participação no mercado em geral, existem áreas em que a presença feminina ainda é pequena. Segundo a coordenadora estadual de Startups do Sebrae RS, Débora Chagas, o setor de tecnologia, um dos focos da Gramado Summit, é um desses setores.
— Eu vibro quando temos startups fundadas por mulheres, porque ainda são poucas. Não temos muitas mulheres no mercado de tecnologia. Temos o grupo Mulheres do Brasil e movimentos nesse sentido, de incentivar as mulheres a entrarem em cursos de tecnologia — defende Débora.
E para aquelas pessoas que estão com a sensação de "quero fazer algo","sinto que posso fazer algo", Elisa Tawil dá o recado:
— Comece, faça.
Aos homens, Elisa também deixou uma dica. Além de ter mais mulheres em cargos de liderança é preciso liderar de uma forma mais feminina.
— Isso não tem nada a ver com gênero. É colocar elementos femininos na sua forma de liderar, que inclui o cuidado, a empatia, o olhar didático... — exemplifica a empreendedora.
Experiências que inspiram
O palco Minas de Propósito foi o espaço criado nesta quarta edição da Gramado Summit para dar voz às experiências das mulheres nos negócios e em trajetórias de vidas. Essa é a essência do coletivo feminino que deu nome ao palco, que surgiu em 2018, justamente para amplificar essas vozes no Rio Grande do Sul e acabou alcançando espaço nacional.
— Entendemos que as dores das mulheres eram parecidas, que, por mais que vivessem em realidades diferentes e tivessem culturas diversas, os desafios eram, praticamente, os mesmos. Vivemos em uma sociedade que tem conquistas muito recentes das mulheres. Nas empresas, os salários não são iguais, fora todo o trabalho invisível que as mulheres realizam, além da carga horária, e que não é remunerado. Entendemos que era necessário unir essas mulheres com diferentes histórias para que elas as contassem e, juntas, pudéssemos perceber como é potente quando nos unimos. Que desse jeito conseguiremos mais espaço na sociedade para ocupar os mesmos lugares que os homens, para chegar em cargos de liderança que ainda estamos longe de ter — pondera Miriã Antunes, fundadora e CEO do coletivo.
Pelo palco Minas, entre quarta (5) e sexta-feira (7), passaram empreendedoras e referências, como Amanda da Cruz Costa, ativista pelo meio ambiente, embaixadora jovem da Organização das Nações Unidas (ONU) e fundadora do PerifaSustentável.
— Preparamos uma curadoria de mulheres de todos os cantos do país, para contar as histórias delas, compartilhar os desafios e, também, para mostrar a outras mulheres que os lugares onde elas chegaram são possíveis para quem está na plateia assistindo e quer realizar sonhos e viver dos seus propósitos — disse Miriã.
Os eventos do Minas de Propósito estão ocorrendo de forma virtual. Basta procurar o coletivo nas redes sociais.
Elas atuam em várias frentes
Mais do que desempenhar qualquer tipo de função, as mulheres conseguem executar mais de uma atividade no dia a dia. Essa característica foi demonstrada em depoimentos como de Elisa Tawil, que também é idealizadora do Mulheres do Imobiliário, grupo feminino do setor que trata, entre outros, do tema de assédio na atividade. Uma pesquisa realizada pelo grupo e parceiros, apontou que 61% das mulheres que atuam no ramo já sofreram algum tipo de assédio e 93% acha importante falar sobre o assunto. Elisa também tem o podcast Vieses Femininos em que entrevista outras mulheres e homens inspiradores.
— Percebendo a dificuldade de ser mulher empreendedora em um setor tão pouco diverso como o meu, me fez querer montar um movimento feminino para falar dessas pautas — explica Elisa.
O olhar local foi dado pela médica gramadense Mariela Silveira, que, além de dirigir a empresa familiar Kurotel, fundou a ONG Mente Viva, que trabalha meditação de forma gratuita e voluntária com crianças em escolas de 16 estados e, pelo menos, em outros três países. A sequência do projeto foi a criação de uma série de meditações baseadas na natureza. A cada dia é apresentado um ensinamento que estimula a criança ou adolescente a entender a habilidade de um animal para a vida dele.
— Trabalhamos a atenção, o foco, as capacidades cognitivas, mas trabalhamos muito a questão do protagonismo, de empreendedorismo, tudo isso, por meio das mensagens dos animais — conta Mariela.
Aceitação é o primeiro passo e um dos mais difíceis
Muitas das palestrantes do Summit relataram que um dos desafios que enfrentaram até chegarem onde desejavam, para além do preconceito e machismo estrutural, foi o da aceitação. Alexandra Zanella, diretora de relacionamento da Padrinho Conteúdo e Assessoria, contou que teve dificuldade em aceitar a origem.
— Enfrentar o que enfrentamos, da violência contra a mulher é horrível, mas a não aceitação foi a maior trava da minha vida. Só consegui me reconhecer, me reconectar comigo quando entendi que existo, e que a garota do campo pode ficar no campo e ser uma mulher incrível ou ela pode conquistar o mundo fora de onde ela está. Não é o lugar de onde eu venho que vai dizer se eu posso mais ou posso menos — desabafa.
Dirlene da Silva foi premiada em 2020 como Top Linkedin, rede social voltada para negócios. No palco Minas, ela contou que descobriu a mulher empoderada que é hoje revisitando o passado. Veio de uma família pobre. Morava em casa sem energia elétrica, sem água encanada, sem banheiro, em bairro sem saneamento, em Canoas. Foi criada mais pelas duas irmãs mais velhas, do que pela mãe, que precisou trabalhar dia e noite para garantir o susto das filhas. Sofreu preconceito por ser negra e filha de empregada doméstica, depois, filha de lixeira, como a chamavam outras crianças e colegas de aula, quando a mãe se tornou gari na prefeitura.
— Minhas irmãs começaram a trabalhar como empregadas domésticas e eu tinha certeza que não queria aquilo para mim. Me agarrei nos estudos. Não sabia o que ele iria me trazer, mas achava que poderia ser alguma coisa diferente.
Ela se sentiu representada pela primeira vez quando viu uma mulher negra, gaúcha, ser eleita miss Brasil, Deise Nunes, em 1986. A menina conseguiu uma bolsa de estudos em escola particular e decolou. Descobriu a psicologia nos livros da biblioteca. Passou a reagir ao preconceito.
— Descobri que o maior problema que eu tinha era autoaceitação. Eu não me aceitava. Descobri o autoconhecimento e junto veio a gratidão. Porque eu tinha vergonha da vida que tinha e passei a ser grata a minha mãe, pela minha história, às pessoas que vaziam vaquinha para comprar livros para mim, por todas as oportunidades que tive na vida e que muitas Dirlenes nas favelas e nas vilas não têm. Entendi que qualquer coisa ajuda quem quer ser ajudado e eu realmente queria mudar minha vida — conta, referindo que aos 15 anos se tornou protagonista da própria vida.
Fez curso técnico de contabilidade porque precisava trabalhar cedo. E foi assim que escolheu a carreira de economista. Conseguiu emprego, comprou apartamento e carro. Fez dois NBAs e mestrado em Paris. Atualmente, é CEO da DS Estratégias e Inteligência Financeira.
— Se a gente tem a capacidade de sonhar, temos a capacidade de realizar — defende Dirlene.
As mulheres são mais instruídas, mas ganham menos do que os homens
A segunda edição das Estatísticas de gênero apurada pelo IBGE, que analisa as condições de vida das brasileiras a partir de um conjunto de indicadores proposto pelas Nações Unidas, apontou, em 2019, que em relação a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo que os homens: 21,4 horas contra 11 horas semanais.
Na população com 25 anos ou mais, 15,1% dos homens e 19,4% das mulheres tinham nível superior completo. No entanto, as mulheres representavam menos da metade (46,8%) dos professores de instituições de ensino superior no país. Em cursos de graduação, elas são minoria entre os alunos nas áreas ligadas às ciências exatas e à esfera da produção: apenas 13,3% dos alunos de Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) são mulheres, enquanto elas ocupam 88,3% das matrículas na área de Bem-Estar, que contempla cursos como Serviço Social.
O estudo indicou ainda, que apesar de mais instruídas, as mulheres ocupavam 37,4% dos cargos gerenciais e recebiam 77,7% do rendimento dos homens. Enquanto que o rendimento médio mensal dos homens era de R$ 2.555, o das mulheres era de R$ 1.985.
A desigualdade é maior entre as pessoas nos grupos ocupacionais com maiores rendimentos. Nos grupos de diretores e gerentes e profissionais das ciências e intelectuais, as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens. Nas Regiões Sudeste e Sul as mulheres recebiam em média, 74% e 72,8%, respectivamente, do rendimento dos homens. Nas Regiões Norte e Nordeste, onde os rendimentos médios foram mais baixos para homens e mulheres, as desigualdades eram menores (92,6% e 86,5%, respectivamente).
Sobre as disparidades, a coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Bárbara Cobo, comenta:
— O Brasil já superou o gargalo da educação, porque hoje as mulheres são mais escolarizadas do que os homens, mas isso ainda não está refletido no mercado de trabalho (...). Ela está chegando mais escolarizada, então por que o rendimento ainda não está similar? Muito provavelmente ela está escolhendo ocupações que precisam de uma jornada de trabalho mais flexível, porque ainda tem a carga de afazeres domésticos extremamente pesada.
O IBGE utiliza informações de suas pesquisas e de fontes externas para elaborar os estudos.
IBGE Sobre Gêneros*
Educação
População de 25 anos ou mais com ensino superior completo em 2019:
Mulheres - 19,4%
Homens - 15,1%
Estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a recursos
Tempo dedicado aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos (em horas semanais em 2019)
Mulheres - 21,4
Homens - 11
Diferença de rendimentos (mensal médio de todos os trabalhos em 2019)
Mulheres - R$ 1.985
Homens - R$ 2.555
*Fonte: Dados do IBGE