Mercado promissor antes da pandemia, a venda de sucos de uva no Estado sentiu o impacto do avanço do coronavírus. Fechou 2020 com queda de 7% na comercialização na categoria identificada como suco de uva, que inclui o adoçado, mas principalmente o suco integral. Isso significa cerca de 11,8 milhões de litros a menos na comparação com 2019. Foi uma frustração para os produtores – a Serra concentra 90% da elaboração da bebida do RS, segundo a Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi).
— Nós vínhamos crescendo ano a ano. Então, a gente esperava crescimento, mas teve esse problema da pandemia e a gente perdeu um cliente importante que é a merenda escolar. Isso acabou impactando as nossas vendas — explica o presidente da entidade, Darci Dani.
O cenário daqui para frente é uma incógnita. Sem dados fechados sobre a safra de 2021, Dani explica que a tendência, a partir do contato com as vinícolas, é que, com os estoques cheios, elas tenham segurado a produção de suco. A expansão das vendas de vinhos em 2020 reforça essa propensão, já que essa foi a“ bebida da pandemia”.
Esperança com um produto puro
Mesmo com o desafio trazido pela covid-19, há uma tentativa de elaboradores de suco de ganhar mercado com o integral. Essa bebida tem como principal propaganda os comprovados benefícios à saúde. A diferenciação em relação às demais está nos ingredientes descritos no rótulo, mas ainda pode ser confuso para o consumidor notar a diferença entre aquela à base da uva e outra feita só com a fruta.
Por isso, a Associação Brasileira dos Produtores de Suco de Uva Puro, fundada em 2018 em Flores da Cunha, agora tem um selo que atesta a pureza do produto das marcas que se encaixam neste perfil. As 12 vinícolas da entidade esperam aumento nas vendas em 2021:
— As nossas empresas estão trabalhando com uma projeção média de crescimento de 5%, muito até em função do advento do selo. Essa é a projeção das nossas empresas, que comercializam de 38 milhões a 40 milhões de litros de suco por ano, mesmo com toda a pandemia — detalha o diretor de relações institucionais da associação, Aguinaldo José de Lima.
De fato, a análise dos dados mostra que esse ainda é o mercado melhor colocado. Levantamento da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento aponta que a redução de vendas foi maior entre o néctar (- 17%), a bebida de uva (- 29%) e o suco concentrado (- 21%). Embora a categoria chamada de suco de uva não inclua apenas o integral, a Agavi diz que este tipo representa a maior parte do volume.
Outro aspecto é que, mesmo com a redução sobre 2019, a comercialização desse produto alcançou 151,4 milhões de litros. Foi a segunda melhor marca em cinco anos – em 2015, foram vendidos 118,1 milhões de litros. Ou seja, em meia década, mesmo com a pandemia, esse mercado se expandiu 28%.
Vendas
- BEBIDA DE UVA: 498.512 litros em 2019 contra 354.511 litros em 2020
- NECTAR DE UVA: 4.006.595 litros em 2019 contra 3.314.833 litros em 2020
- SUCO CONCENTRADO: 27.172.222 litros em 2019 contra 21.384.770 litros em 2020
- SUCO DE UVA (*): 163.238.379 litros em 2019 contra 151.424.532 litros em 2020
(*) Inclui outros tipos, como o adoçado, mas principalmente o integral.
Fonte: Agavi, a Associação Gaúcha de Vinicultura, a partir de levantamento da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural
Produção em dobro
Os dados sobre a produção de sucos de uva em 2020 ainda não estão fechados no Sisdevin, um sistema declaratório alimentado pelas empresas. Conforme a coordenadora da Câmara Setorial do Vinho, Fabíola Boscaini Lopes, a demora ocorre porque pode ter havido relançamentos de declarações, o que alteraria os valores. Porém, a série histórica de 15 anos mostra o crescimento na aposta no suco de uva integral. Na safra de 2014, a produção no RS foi de 4,5 milhões de litros, enquanto em 2019 ultrapassou os 50 milhões.
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO*
* A Agavi sugere que a diferença de volume de suco integral produzido em 2019, por exemplo, e o volume vendido no mesmo ano, bem maior, possa estar relacionada a estoque de sucos produzidos em períodos anteriores ou produção a partir do mosto da uva, guardado para produção posterior.
Faz bem para a saúde, mas tem de ser puro
As propriedades do suco de uva puro que beneficiam o corpo já são reconhecidas pela ciência. Pesquisadores identificaram que compostos chamados de polifenóis, presentes principalmente na casca e na semente da uva, se transferem para derivados da fruta. Isso gera efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios.
Mas o que significa na prática? A biomédica Caroline Dani explica: prevenção de doenças cardiovasculares, Parkinson e Alzheimer; melhora da performance na prática de atividade física e a posterior recuperação; auxílio para equilibrar a microbiota intestinal, o que gera mais imunidade; redução do colesterol que faz mal ao corpo e melhora do que faz bem. Além disso, a pesquisadora, que é uma das principais desta área, diz que há estudos indicando que o suco de uva ajuda idosos a melhorarem a memória, a terem mais equilíbrio e obterem a redução de danos no DNA, que poderiam vir a se tornar células cancerosas.
A pós-doutora salienta, no entanto, que os estudos são sempre conduzidos com suco puro da fruta, ou seja, sem adição de açúcar, conservantes ou água. Para obter os benefícios, portanto, é preciso garantir que ele tenha essas mesmas condições:
— O suco de uva puro é mais saudável e mais seguro, porque o conservante, a gente não sabe o efeito a longo prazo. O que a gente sabe também é que a adição de açúcar faz com que o suco de uva perca seus benefícios. O açúcar age em cima desses polifenóis e faz com que eles percam suas propriedades. Eles (sucos) deixam de ser antioxidantes — diz, ao explicar que os sucos reconstituídos também podem perder propriedades por causa do processo a que são submetidos.
Melhor suco de uva do Brasil é feito na Serra
Quando o enólogo André Gasperin desenvolve um novo suco na Vinícola Don Affonso, em Caxias do Sul, o primeiro teste é de fogo. Tem de agradar o paladar de três crianças e, você sabe, elas não mentem. A primeira prova é feita com os filhos, uma menina de 10 anos e dois meninos de sete e dois anos:
— Eu dou para eles degustarem e olho para a carinha deles. Se eles fizerem uma carinha boa, é porque o suco está bom. Então, o parâmetro que a gente tem é esse.
Ao que tudo indica, o paladar dos pequenos está alinhado ao de técnicos. Na safra de 2020, o suco de uva tinto 100% integral da linha Don Affonso venceu a Grande Prova Vinhos do Brasil, concurso realizado no Rio de Janeiro. A bebida, de cor viva com tom azulado e violeta, tem aroma predominante da variedade bordô, com a qual foi produzida. Outra característica, explica Gasperin, é o equilíbrio entre o ácido e o doce.
— O suco é todo fruta. A pessoa que degusta o suco tem a mesma sensação, até remete isso na memória, de estar comendo a fruta madura, sã e in natura – pontua o responsável técnico e diretor da vinícola.
A empresa familiar, localizada no bairro Colina Sorriso, produz de 200 a 300 mil litros de suco de uva por ano. O principal mercado é o RS, mas também vende para outros Estados, especialmente com os investimentos no comércio online devido à pandemia, e exporta para países da Ásia.
Para garantir a matéria-prima, além dos vinhedos próprios, de onde sai metade das uvas usadas na elaboração das bebidas, a vinícola tem parceria de cerca de 30 famílias que produzem a fruta sob orientação para que alcancem características desejadas pela Don Affonso, fundada em 1980. A elaboração e comercialização de sucos, iniciada em 1998, são hoje o foco da vinícola, que está sob gestão da terceira geração da família:
— O mercado vem sinalizando dessa forma de se especializar em algum nicho. Produzimos vinhos finos de qualidade, espumantes de qualidade, mas entendemos que precisamos ser reconhecidos no mercado por um produto só, e não todos — destaca Gasperin.
A garantia de um suco de boa qualidade passa pelo processo como é feito. A seleção das uvas começa ainda no parreiral, com preferência para as mais maduras. A etapa posterior é a separação do grão do cabo e, em seguida, esse grão é aquecido em uma temperatura próxima aos 80° C. O objetivo, segundo o enólogo, é extrair os compostos de cor, aroma e sabor. Então, o produto passa por uma prensa pneumática, para não agredir semente e casca, o que faz com que o suco não fique amargo. É filtrado e pasteurizado, processo que garante que tenha validade de até dois anos sem a necessidade de adição de conservantes. Por fim, a bebida é armazenada, parte já engarrafada e outra parte em tanques de aço inox com atmosfera inerte de nitrogênio ou dentro de câmaras frias 0° C.
Cooperativa tem dedicação exclusiva ao suco
Cooperativismo, agricultura familiar, sustentabilidade e agroecologia estão na base de uma empresa que trabalha exclusivamente com a produção de sucos de frutas em um município de pouco menos de quatro mil habitantes na Serra. A Cooperativa Monte Vêneto, fundada há 14 anos em Cotiporã, reúne 170 famílias que decidiram apostar na bebida como forma de agregar valor à produção local. Na safra 2021, a cooperativa processou cerca de 3,5 milhões de quilos de uva que resultaram em 2,6 milhões de litros de suco puro, sem aditivos químicos.
O posicionamento voltado à sustentabilidade se conecta com a empresa de várias formas. Começa pela fábrica de 4 mil metros quadrados, onde 70% da energia utilizada é a solar, ou seja, de fonte renovável. A cooperativa também faz reaproveitamento de água e trabalha na preservação de áreas de mata. Para os agricultores, oferece assistência técnica:
— A reconversão da produção agrícola visa ao incentivo das produções agrícolas convencionais para modelos mais alinhados com padrões sustentáveis, seja produção orgânica, seja redução de incidência de agrotóxico. A gente incentiva o uso de caderno de campo para que o produtor controle as aplicações, a gente incentiva o uso de redução de pragas através de armadilhas. Enfim, procura se incentivar o produtor que ele produza de uma forma que esteja alinhada com o equilíbrio da natureza — explica Franciele Dal Mas, gestora de vendas e marketing da empresa.
A Monte Vêneto também sentiu o impacto da pandemia, com a queda nas vendas para eventos e para a merenda escolar, além de recuo no contato com o mercado internacional. Por outro lado, ao adotar práticas sustentáveis e apostar parcialmente em rótulos orgânicos, se favorece de uma fatia de negócios em expansão. Em 2019, a Pesquisa Consumidor Orgânico, feita pela Organis – Associação de Promoção dos Orgânicos, mostrou que o Sul é a região do país onde mais se consomem orgânicos: 23% dos moradores disseram ter comprado algum produto desta linha nos 30 dias anteriores à participação da pesquisa.
Fique atento
Se o que você procura são os benefícios do suco de uva para o corpo, fique atento ao que você está comprando. Muitas vezes, a embalagem, com desenhos de uva, pode te enganar. É preciso olhar a composição na parte do rótulo que indica os ingredientes. Se houver algo além de uva, esse produto já não é puro. Outra opção é ver se o produto traz junto à tampa ou no rótulo um selo escrito ' Suco de Uva Puro/ Certificado de Pureza e Qualidade'. Isso indica que ele passou por uma série de testes que comprovam que tem apenas uva na composição. Os primeiros produtos com essa certificação, dada pelo Instituto Totum, responsável por todo o processo de coleta de informações e análise dos produtos, chegaram ao mercado em novembro de 2020. Hoje, são 27 certificações já aprovadas e três em processo de avaliação.
No mercado
- Suco de uva integral: produto 100% uva, sem adição de açúcar ou água.
- Suco 100%: produto 100% uva, sem corantes ou aromatizantes, mas que pode ser adoçado e reconstituído com uso de água.
- Néctar: produto com 50% de uva, diluído em água e adoçado.
- Bebida de uva: produto com 30%, diluído em água e adoçado. Pode ser colorido e aromatizado artificialmente.
- Em pó: pode não conter uva na composição.
Fonte: Associação Brasileira de Elaboradores de Suco de Uva