Foi-se o tempo em que ter planta em casa era coisa da titia. Foi-se também o tempo em que se acreditava que só quem entende do assunto (ou que dispõe de um bom orçamento) consegue manter um belo jardim. Dos chás aos temperos, dos arbustos às suculentas, das samambaias aos mais variados tipos de flor, o costume de plantar em casa fez o maior sucesso em meio ao isolamento social. E trouxe impacto para a economia.
O setor de floricultura, que compreende o conjunto de atividades produtivas e comerciais relacionadas ao mercado de espécies vegetais cultivadas com finalidades ornamentais, fechou 2020 com um faturamento 10% acima do registrado no ano anterior. O dado é do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor).
Alguns produtores, de acordo com o instituto, tiveram crescimento de até 20% nos negócios. O avanço, em meio a um período em que todo tipo de gasto supérfluo precisou ser cortado, representa alento e otimismo, inclusive para 2021. Mesmo com os impactos do coronavírus, a expansão deve ser de 8% a 9% neste ano, segundo projeta a Cooperativa Veiling Holambra. A alta é puxada pelas espécies cultivadas para decorar a casa e pelas vendas no estilo delivery.
A atividade, que é explorada comercialmente no país desde a década de 1950, vinha crescendo mesmo antes da pandemia. Em um estudo do Sebrae de 2015, três principais motivos foram elencados para o fenômeno: os indicadores socioeconômicos subiram, a distribuição das mercadorias foi otimizada e a ideia do cultivo de plantas como agentes de qualidade de vida, bem-estar e reaproximação com a natureza foi sendo cada vez mais cultivada.
Nem tudo são flores
No início da quarentena, segundo informações do Ibraflor, as vendas de flores e plantas ornamentais caíram mais de 90%. O segmento mais afetado é o das flores de corte, utilizadas em arranjos para presentes e na decoração de eventos. Conforme o instituto, a área acumulou perdas 40% no ano. O que tornou os dados positivos no setor em geral foram as flores em vasos e as plantas ornamentais.
O cenário nacional é semelhante ao gaúcho. Segundo a Associação Rio-Grandense de Floricultura (Aflori), o setor vinha apresentando um crescimento de 10% ao ano: lento, mas constante, medido tanto pelo volume de produção quanto pela área cultivada. Em 2020, o presidente da associação, Walter Luiz Winge, fala em aumento de até 20%. Produtores que, no início da pandemia, se assustaram e cancelaram a compra de insumos precisaram repor os pedidos junto aos fornecedores.
— Os pedidos foram aumentando e chegou um momento, em setembro, em que teve até falta de insumo, tanto de mudas quanto de embalagens, sacos plásticos, vasos para cultivo e caixas de papelão (para transporte). As indústrias de plástico tiveram dificuldade em atender os produtores — comenta Winge.
Tamanha demanda pode ser explicada pelos novos hábitos — ou, quem sabe, resgate dos antigos costumes —, motivados pelo maior tempo dentro de casa. A mudança foi sentida não apenas no setor de plantas, como explica o presidente da Aflori, mas no de decoração, nos segmentos de pintura, tapetes e cortinas, por exemplo.
— Estando em casa, o pessoal começou a cuidar mais da casa. As flores entram em cheio. Representam beleza, vida, esperança. Num momento em que está todo mundo só com notícia ruim, elas se tornam uma válvula de escape. Tu acompanhas o crescimento. Com animais, o cachorro vem e te pula, a interação nem parte de ti. Mas como a planta é passiva, tu começas a fazer o cuidado para com ela e ela começa a responder devagarinho. Isso mostra a vida. É uma volta às origens.
Produção destaque em municípios da região
Nova Petrópolis é uma das cidades mais ligadas ao cultivo de flores no Nordeste Gaúcho. Não é à toa que recebeu o nome de Jardim da Serra. O município abriga um dos grandes expoentes do país, a Floricultura Úrsula, que, além do varejo, fornece mudas aos produtores e vende atacado para outras floriculturas e empresas de paisagismo. São mais de 1,2 mil variedades de plantas. Fundada em 1958, a empresa sentiu os efeitos da pandemia, como quase qualquer negócio. No entanto, colheu bons resultados em 2020 — 10% acima do faturado em 2019 — e vem semeando o mesmo para 2021.
— Os primeiros meses foram críticos, mas, a partir de julho, (o faturamento) se recuperou. O processo de produção é de ciclo longo e, como o início do ano foi catastrófico, para a retomada se perderam muitas vendas por falta de produto. Após o terceiro trimestre, a produção conseguiu equilibrar, mas surgiu a falta de insumos. A grande maioria dos fornecedores teve reajustes e atrasos nas entregas — conta o gerente de vendas Rubens Emrich.
Para 2021, Nova Petrópolis aposta na ampliação do tradicional Frühlingsfest, o Festival da Primavera. O tradicional evento anual, realizado ao longo de 10 dias na Rua Coberta, reúne parada das flores, shows, concurso de fotografia, palestras e oficinas envolvendo paisagismo e jardinagem. A ideia agora é realizar, junto ao festival, uma feira de negócios voltada ao segmento.
— As floriculturas no município possuem um papel fundamental no desenvolvimento econômico e na questão turística, gerando inúmeros empregos e também renda — avalia o secretário de Turismo, Indústria e Comércio de Nova Petrópolis, Rodrigo Santos.
Engenheiro agrônomo do escritório municipal da Emater em Nova Petrópolis, Luciano Ilha confirma o avanço consistente do ramo:
— Alguns agricultores familiares começaram a entrar no negócio. A gente vê que o setor cresceu, porque tem alguns empreendimentos novos.
Vacaria também se sobressai pelo plantio de flores, como os gerânios, e vende para boa parte dos mercados estadual e nacional. O clima do verão, quente de dia e ameno à noite, favorece o cultivo. Entre os maiores produtores de mudas e flores de vaso, está a Agro Industrial Lazzeri, empresa familiar de italianos criada em 1983 para abastecer o mercado do país europeu, em razão da mão-de-obra ser mais barata por aqui. Hoje, 40% da produção vai direto para o mercado externo.
Boas notícias brotam também no comércio
O engenheiro agrônomo Mauro Luiz Mokwa teve seu primeiro emprego há 17 anos no Parque das Flores, em Caxias do Sul. Na função até hoje, ele conhece bem o terreno e pôde ver de perto as surpresas que 2020 reservou para o setor. Viu subir a procura dos clientes pelos insumos, como os substratos, mas especialmente pelos temperos e suculentas, enquanto os pedidos feitos aos fornecedores não chegavam, por conta do aumento expressivo da demanda.
Aberta em 1998, a floricultura produz exclusivamente para o consumidor final, oferecendo, entre outras variedades, flores, arbustos, cactos e os plugs, que são as mudas em esponjas prontas para o replantio. A área do cultivo soma cerca de 3 mil metros quadrados; pela limitação do espaço e o calendário pré-estabelecido do plantio, não deu para crescer tanto em volume. Foram cerca de 250 mil plantas colhidas em 2020. Em outros anos, a produção não passava de 230 mil.
— Achamos que íamos baixar as vendas na pandemia, mas mantivemos a mesma programação. Quando aumentaram as vendas, não tínhamos mais como aumentar os pedidos, porque já estavam feitos, e o fornecedor também tinha um número restrito. Não conseguimos ampliar de uma hora para outra, a planta é diferente de uma máquina. O ciclo tem uns 150 dias, do enraizamento até o ponto de venda, como é o caso do gerânio — revela Mokwa.
A grama foi outro produto bastante procurado, de acordo com a sócia da floricultura, Tânia Maria Tessaro. Já as flores mais vendidas foram amor-perfeito, tanto de verão quanto de inverno, boca-de-leão, tagete, cravina, flor-de-mel, alegria-de-jardim e gazânia. As espécies mais fáceis de manter, segundo Tânia, são as flores da estação. Em meio à busca dos consumidores por plantas simples de cultivar em casa, o faturamento da loja triplicou, para a surpresa da proprietária.
— Eu imaginava fechar a empresa quando aconteceu a pandemia, porque meu produto é supérfluo. Tu vais comprar comida, mas não vais comprar flor. Mas foi muito procurado, a gente notava que as pessoas pensavam: 'não posso viajar, vou arrumar o jardim'.
Como o negócio se enquadra nas regras da produção primária, a equipe seguiu atendendo clientes no período mais duro da quarentena. A permissão, entretanto, só era possível porque atendiam de portas fechadas e priorizavam telentrega.
Vendas dobraram nos últimos meses
Os pedidos pela internet também entraram para a rotina da Terra & Verde. A loja abriu as portas em 1996, em Caxias, prestando serviços de ajardinamento e paisagismo, além da venda de flores, vasos, sementes, bancos, pergolados, fontes de água e outros artigos. Depois da estagnação em março, não demorou muito para retornar aos níveis pré-pandemia. Na verdade, nos últimos meses, as vendas dobraram.
Para 2021, o empreendimento do casal Marcia Ines Eckert e Ivo Appio já está com a agenda lotada de serviços. São projetos paisagísticos em fase de planejamento, mas que serão executados em meados de setembro. No ano passado, contudo, o movimento nessa área estava tímido, o que provocou a reorganização da equipe. Ninguém foi demitido, segundo Marcia, mas trabalhadores do ajardinamento passaram a atuar no varejo.
— A jardinagem diminuiu, porque tem que ir na casa do cliente e, na época da pandemia, o pessoal ficou mais receoso. Em janeiro, o mercado começou a se movimentar bastante. Estamos pensando em contratar gente para dar conta do ajardinamento e de projetos paisagísticos — adianta a engenheira agrônoma.
Pelas redes sociais, a loja passou a informar todas as medidas de segurança e higiene que começou a seguir. A internet também foi o espaço para receber pedidos dos clientes e divulgar todos os produtos e serviços oferecidos. Um prato cheio para os consumidores que, de tanto ficar em casa, sentiram necessidade de tornar o espaço mais verde. Como 2020 mostrou, é uma grande ideia a ser cultivada. E que vai continuar dando frutos em 2021.
Estabelecimentos em Caxias do Sul
Incluindo microempreendedores, são 79 empresas ativas na área de jardinagem, 33 floriculturas e 12 de paisagismo, segundo registros da Secretaria Municipal da Receita, atualizados ao final do ano passado. O número pode ser menor, já que algumas empresas estão cadastradas em mais de uma categoria.
O raio x da produção
Conforme o Ibraflor, hoje são cerca de 8,2 mil produtores, aproximadamente 15 mil hectares de área plantada e mais de três mil variedades existentes em solo brasileiro. No Rio Grande do Sul, segundo o presidente da Aflori, Walter Winge, as áreas de cultivo são pequenas propriedades, geralmente formadas por empresas familiares. A Emater/RS acompanha 390 famílias de produtores espalhadas por 47 municípios gaúchos, mas o número de produtores pode chegar a 700, uma vez que nem todas as empresas são tão pequenas assim e, portanto, não chegam a ser assistidas pela entidade.
Embora o movimento mais expressivo no Estado seja alavancado pela região de Pareci Novo e Montenegro, estendendo-se a Dois Irmãos e Ivoti, no Vale dos Sinos, a Emater/RS monitora outros pontos estratégicos da produção gaúcha: Santa Cruz do Sul, Pelotas e Vacaria, que inclusive exporta parte do que é plantado.
Na região administrativa de Caxias do Sul, há atividade econômica registrada em pelo menos nove cidades: Antônio Prado, Bento Gonçalves, Cotiporã, Guaporé, Nova Araçá, Nova Bassano e Nova Prata, com grande destaque para Gramado e Nova Petrópolis, na Região das Hortênsias. Conforme a Emater/RS, são pelo menos 90 famílias envolvidas com a produção na região. Em Caxias, a Secretaria Municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento contabiliza dois produtores. Muito do que é vendido nas floriculturas daqui vem de outros lugares, como Holambra (SP).
— A maior parte das flores comercializadas no Estado vem de fora. Nós temos uma limitação de clima, frio e pouca luminosidade no inverno, que afeta diretamente a produção. A atividade requer mão-de-obra qualificada e especializada. Cada espécie tem exigências específicas... E também não pode ser muito caro, senão não temos condições de competir com o que vem de fora do Estado. Para a produção de mudas, a maior parte das sementes são importadas de fora do país — diz Gervásio Paulus, engenheiro agronômico e coordenador técnico estadual da área de Olericultura da Emater/RS.
Dicas para plantar em casa
- Informe-se a respeito. Há livros, conteúdos na internet e as próprias floriculturas que fornecem orientações valiosas na hora de escolher o melhor tipo de planta para o seu espaço.
- Cada espécie costuma reagir de formas diferentes. Ao adquirir, pergunte ao florista como identificar se a planta está com excesso ou falta de sol e umidade.
- Para plantas em vaso, monte um dreno: primeiro coloque a manta permeável, que serve para deixar a água passar, depois argila expandida, que ajuda a não deixar o solo compactado. Por fim, preencha o espaço com composto orgânico, que é vendido nas floriculturas, e pode plantar.
- Após 30 dias, você pode fazer adubação de reposição. Os nutrientes podem ser encontrados na forma sólida ou líquida, que deve ser diluída na água usada para regar a planta. Uma boa adubação previne insetos.
- No caso das hortas, o ideal é que sejam fora de casa. Se for dentro, o lugar precisa pegar sol.
- Quando a folha está danificada nas extremidades, geralmente é sinal de problema na irrigação. Pode ser tanto falta quanto excesso de água.
- Plantas que nunca dão flor sinalizam problemas nos níveis de fósforo. Déficits nutricionais podem ser resolvidos com reposição.
- O lírio-da-paz é ótimo para quem ainda não tem conhecimento do assunto, uma vez que "avisa" facilmente quando falta água. Suculentas e cactos também têm vantagens para quem têm pouco tempo de cuidar, porque exigem pouca hidratação. Em ambientes internos, os filodendros, jiboias e espadas-de-São-Jorge vão bem. Já fora, a dica são flores como alegria-de-jardim, tagetes e gerânios.
Fonte: Terra & Verde