Faz quatro anos que a caxiense Priscila Venzon Antunes, 40, se dedica a cuidar de animais de estimação na ausência dos seus tutores. Começou atendendo a poucos usuários que a encontravam pelo aplicativo Dog Hero, mas o acúmulo de avaliações positivas e recomendações logo rendeu a ela uma clientela que a fez perceber que hospedar bichinhos seria sua profissão. Na casa em que mora com os pais no bairro Colina Sorriso, o quarto que antes pertencia à irmã, que foi morar fora, virou a suíte para os hóspedes caninos, que podem transitar por toda a residência. No ano passado, o pet hotel ganhou o nome de James DogLove (homenagem a um cãozinho de Priscila chamado James, que morreu anos atrás).
Para profissionais como Priscila, que hospedam, visitam ou oferecem suas casas como espaço de recreação para animais de estimação, o prolongamento da pandemia provocou incertezas. Com as pessoas mais propensas a ficar em casa, cancelando viagens e evitando passeios para se proteger do vírus, 2020 foi um ano quase ocioso, enquanto 2021 ainda representa uma expectativa de retomada.
– Quem trabalha com hospedagem pet depende muito de feriados, especialmente Natal, Ano-Novo e Carnaval. No Réveillon de 2019 para 2020 tive seis cachorros hospedados, praticamente a minha lotação. Este ano tive apenas um hóspede – exemplifica Priscila.
Enquanto a rotina não volta a certo grau de normalidade, Priscila desviou o foco para o adestramento, serviço no qual vem se especializando com cursos online, dentro do método positivo (que foca na recompensa pelas atitudes corretas do animal, ao invés da punição pelos erros).
– É uma área que sempre me interessou, e que passei a praticar em troca das primeiras hospedagens, conforme fazia os primeiros cursos. A ideia era ajudar a tornar os cães mais sociáveis para o próprio período de hospedagem comigo, mas acabou se tornando outra proposta do meu trabalho, que no momento está com uma procura maior – conta.
A redução na demanda durante a pandemia também foi sentida pela babá pet Karine Cardoso Corrêa, 32. Ela atende a gatos e cães, em visitas de uma hora ou de uma hora e meia, dividida em três turnos (quando o animalzinho toma medicamentos). Há dois anos no mercado, Karine tem a maior parte da clientela em usuários do aplicativo Dog Hero. Além de cuidar a domicílio, também oferece o serviço de passeadora, porém esse nicho ainda não se popularizou em Caxias. A única demanda que registrou pequena melhora, graças aos feriados de fim de ano, foi a de hospedagem no seu apartamento.
– As visitas praticamente pararam. O que garantiu algum trabalho foi a hospedagem, porque muitos moradores de Caxias vêm de outras cidades, e aproveitam os feriados para visitar suas famílias. Minha expectativa é de que no Carnaval, mesmo que não haja a festa, as pessoas aproveitem para viajar e a demanda aumente – diz Karine.
Hospedaria felina
Sensação diferente das colegas experimenta Stéfani Machado. A caxiense de 24 anos, que desde 2017 atua como babá de gatos, identificou a necessidade de um hotel para felinos em Caxias. E foi assim que o sótão da casa em que mora com o marido no bairro Exposição virou o Lar Purr Purr, primeira hospedaria exclusiva para os ronronantes na cidade. O movimento nos primeiros meses foi baixo, mas a divulgação nas redes sociais fez o negócio alavancar já no final do ano passado.
– Primeiro como gateira, depois como babá, percebia que faltava essa opção para as pessoas deixarem seus gatinhos em um hotel onde não haja cachorros, quando vão viajar. Como não era tão conhecida no começo, passei um ano praticamente só fazendo a divulgação, mas agora tem sido muito recompensador – comenta Stéfani, que tem curso de auxiliar de veterinária e trabalhou nessa função em uma clínica.
A ocupação só não é maior porque a anfitriã faz um rígido controle de hóspedes. Segundo Stéfani, muitos tutores sequer conhecem as duas doenças mais graves que podem ser transmitidas entre felinos, a FIV e a FeLV, popularmente conhecidas como a aids e a leucemia felinas, respectivamente. Para hospedar o pet no Purrr Purr, só após o check-list com a carteira de vacinação em dia e testes negativos para FIV e FeLv:
– São doenças transmitidas de gato para gato, e tenho de prezar pela saúde e segurança dos bichinhos. No começo era complicado, porque tu falava nestas exigências e os tutores desapareciam. Muitos sequer ouviram falar. Hoje percebo que as pessoas estão mais conscientes, e aqueles que realmente se importam com a saúde dos bichinhos não descuidam dos testes e das vacinas – explica.
Com fama de temperamentais, os gatinhos exigem alguns cuidados. Para amenizar a quebra da rotina, Stéfani pede que os tutores levem a ração e a areia sanitária usadas em casa. E mesmo quando todos os quartos estão ocupados, os felinos não têm contato entre si (exceto os que vêm da mesma família). Cabe a Stéfani organizar o revezamento para garantir a cada um o momento para brincar na área de recreação e passear no pátio.
– Programo os horários para que cada gato saia do quarto pelo menos três ou quatro vezes por dia. Toda saída do ambiente em que ele está acostumado gera algum estresse, mas a gente tenta minimizar ao máximo. A única coisa que incomoda e é impossível evitar é o cheiro de outros gatos. Mas em menos de dois dias eles se acostumam – diz.
Caninos em férias
No sentido contrário das hospedagens e das pet sitter, espaços voltados para a recreação de animais tiveram maior procura na pandemia. No bairro Cinquentenário, as irmãs Cláudia e Ana Paula Galiotto, com a sócia Iashoda Caro, ampliaram o espaço e a oferta de serviços do Cantinho da Tabi. Além de hospedagem, elas oferecem uma “colônia de férias” para cachorros, bem nos moldes daquelas para crianças, com alimentação, brincadeiras e atividades físicas. O público-alvo são cachorros de pequeno porte, especialmente aqueles criados em apartamento.
– Muitas pessoas têm a ideia de que só os cães maiores precisam fazer exercício, para gastar energia, mas a pandemia deixou mais claro para todos o quão ruim é ter de ficar preso dentro de casa. Por menor ou mais idoso que seja o cão, ele ainda é um cão e também precisa socializar, brincar, cavar, ter acesso a esse gasto de energia e à atividade intelectual. É importante para a qualidade de vida deles e aqui a gente propõe que eles tenham acesso a isso diariamente – explica Cláudia.
O espaço foi criado há seis anos, de forma bem modesta. Com o boom do mercado pet nos últimos anos, as sócias deixaram de lado suas profissões de formação (Ana Paula é quiropraxista, Cláudia é fisioterapeuta e Iashoda é bióloga) para dar atenção exclusiva ao Cantinho, que saiu dos fundos da casa de Ana Paula para um espaço novo e amplo, capaz de atender até a 100 cães, que também contam com atendimento veterinário, banho e tosa. Especialmente durante a pandemia, que provocou uma onda de cancelamentos nas reservas de hospedagem, o carro-chefe tem sido a recreação, cuja programação pode ser mais agitada do que as crianças experimentam num dia intenso de colônia de férias.
– A gente criou um roteiro de turno integral: tem a hora da alimentação, do descanso, da música, da alimentação, do enriquecimento ambiental, da atividade física, mental, cognitiva. Todas são importantes e se complementam para a melhor saúde física e mental do cachorro – ressalta Cláudia.
Antes da viagem, consultar a melhor opção
A veterinária Juliana Mariani, que trabalha na Clínica Pet Center, em Caxias do Sul, atendeu a reportagem para tirar algumas dúvidas e dar dicas sobre como escolher da melhor maneira os serviços de hospedagem, babás e recreação para animais. Confira:
Almanaque: Quais fatores a pessoa que irá deixar seu pet hospedado deve levar em conta para escolher um bom serviço, que atenda às necessidades do seu bichinho?
Juliana Mariani: É bom visitar o local antes, ver se a proposta que ele divulga é realmente o que irá entregar de serviço; se os animais vão ter contato um com os outros ou se vão ficar apenas em baias, que só são recomendadas para cães que não socializam tão bem. Tem de ser um lugar adequado para o comportamento do animal.
Um tutor cujo pet nunca ficou em um serviço de hospedagem, deve preparar o bichinho de alguma forma para essa primeira experiência, fora de casa e da companhia habitual?
Muitos cães sofrem de síndrome da separação. Tem de avaliar como ele vai reagir em um ambiente diferente. É como uma criança. Se o cão não é acostumado a interagir com outros cães e fica mais quietinho, tem locais que deixam o cão mais isolado numa baia, mas tendo o contato humano. Senão, tem a opção de pet sitters, que vão até a casa da pessoa e são uma boa opção também para gatos. Para cães que não são acostumados a ir a pet shops, a sair de casa para ir no parque, que não têm contato social, eu indicaria mais as pet sitters, que cuidam do animal no local que ele está acostumado. Mas para os cães acostumados a acompanhar o dono aonde ele vai, e a ter o contato com outros animais, para esses o hotel é mais tranquilo.
Considerando casos em que pets passaram a ficar ainda mais no apartamento durante a pandemia, qual a importância de procurar alguma alternativa como um espaço de recreação, que oportunize ao bicho gastar energia e ter contato com outros animais?
Com certeza. A gente vê que aumentou bastante a procura por estes espaços, muito por conta disso. Se a pessoa não acha tão seguro ir passear com o cão, por conta do vírus, então a escolinha já é uma forma dele socializar, de brincar. Para pessoas que ficam o dia inteiro fora e seu cãozinho fica o dia inteiro no apartamento, é recomendável levá-lo a um espaço de recreação, para que ele tenha essa interação social e não se sinta isolado.
Existe a ideia de que o gato é um animal independente, e que, por isso, tendo água, comida e areia sanitária, é possível deixá-lo sozinho por alguns dias. Isso é aconselhável?
Nunca recomendo deixar o gato por mais de um dia sozinho. Tem a questão de trocar a água, que tem de estar sempre fresca, a caixa de areia precisa estar sempre limpa, porque o gato é um animal muito higiênico, e a falta dessa limpeza acaba causando problemas de saúde, como urinários e digestivos. Também na questão social, é recomendável que o gato interaja pelo menos 15 minutos por dia. O fato dele ficar sozinho vai deixá-lo deprimido. Assim como o cachorro, ele também quer atenção. Só que ele escolhe momentos para isso.
O que seria mais indicado no caso de viajar por alguns dias e não poder levar o gatinho junto? Babá ou um deixá-lo num pet hotel?
Existem gatos que ficam muito bem fora de casa, que vêm para o atendimento veterinário no colo do tutor, enquanto há outros que ficam muito estressados. É preciso considerar a individualidade de cada pet, ao invés de vê-los como seres em conjunto. Tem gatos que vão se dar muito bem num ambiente de hospedagem, enquanto para outros o pet sitter é mais indicado. A gente brinca que tem muito “gato cachorro” por aí, que é mais sociável, que não se importa tanto com barulho. Depende muito da criação e da personalidade. Além disso é muito importante estar atendo a questão das vacinas, do local aceitar apenas gatos que estejam vacinados e com testes negativos.