A pandemia tirou tudo do lugar. No momento mais crítico, quando surgiram os primeiros casos de covid-19, em março de 2020, os governos reagiram com os severos protocolos de distanciamento social. Fábricas, escolas, shoppings, cinemas e bares, foram fechados do dia para a noite. Os lares se tornaram escritórios, salas de aula e de reuniões. Nas mesas de jantar, os pratos e talheres, foram substituídos por computadores, blocos de anotação e caneta. Não raro, em turnos diferentes, pais e filhos intercalavam suas tarefas.
Toda a cadeia produtiva estava preocupada com a paralisação. No entanto, os primeiros telefones que começaram a tocar foram dos arquitetos e designers. Do outo lado da linha, pessoas em diferentes níveis de ansiedade querendo saber como adaptar suas casas para as necessidades desse “novo normal”. A psicóloga Ana Cláudia Zampieri foi uma dessas que resolveu pedir socorro, ligando para a arquiteta e urbanista Andressa Orlandi Barroso.
– Começamos a reforma no final de março e terminamos em abril, mesmo com medo de receber as pessoas em casa, tivemos de fazer. Todos nós ficávamos de máscara. Depois da sujeira, da bagunça, e de eu e meu marido, que é empresário, dividirmos a mesa de jantar, a Andressa nos brindou com um espaço que pode ser de trabalho e também de lazer, que ficou muito bonito e confortável – explica Ana Cláudia.
A palavra chave dessa reportagem é justamente o conforto. Porque as pessoas passaram a ficar mais tempo em casa, seja para trabalhar ou mesmo para criar um ambiente agradável para a convivência com os filhos. No caso da família Zampieri, que tem um filho de 12 anos, o Henrique, ocorreram duas adaptações do dia para a noite. Primeiro, no quarto dele, criando um espaço para estudos. E segundo, transformando um ambiente que até tinha uma mesa e cadeira, e futuramente eles pensavam em fazer um escritório melhor.
– Já tínhamos um cômodo em casa, que fazia as vezes de escritório. Mas era muito mal decorado e mobiliado. Queríamos reformar, mas não era nada urgente. Só que aí, da noite para o dia, meu marido, empresário, e eu, professora e coordenadora do curso de Psicologia da FSG, fomos avisados que iríamos trabalhar em casa – recorda.
A arquiteta responsável pelo projeto explica que as demandas por pequenas reformas têm aumentando. Mas além disso, estando mais em casa, as pessoas passaram a prestar mais atenção em certos detalhes do lar que nem sempre eram tratados como itens importantes.
– Nesse período, além de fazer projetos, atendi muitos clientes que queriam uma consultoria até para trocar o sofá. Outros, quiseram investir em melhoria dos sistemas da casa, como caldeira de água quente, calefação e ar condicionado – revela Andressa Barroso.
Sofás e poltronas, as estrelas da pandemia
No Empório Villa Rica Móveis, uma loja com 45 anos de história, a procura tem sido intensa, desde abril do ano passado, por itens como sofás, poltronas e colchões. Gustavo Salamon, gerente comercial, revela que esses itens tiveram aumento de 40% nas vendas em relação a 2019.
Os prazos de entrega, no entanto, dobraram, afetados principalmente pela falta de insumos e matérias-primas para as indústrias.
– O ano todo foi positivo. Como as pessoas não gastaram em lazer, turismo, entretenimento, resolveram investir na casa, em conforto, bem-estar, e até em um design que agrada mais, que as deixa mais felizes – justifica Salamon.
A pandemia acelerou tendências
A designer Fernanda Pescador, da Carlota Decora, defende a ideia de que a pandemia acelerou tendências. Ela relaciona o comportamento de consumo com a sensação de bem-estar e aconchego do lar. É isso que justifica, na sua visão, o crescente interesse não apenas na adaptação de cômodos ou a troca de sofás e poltronas.
– Ao longo dos anos, as pessoas começariam a investir no bem-estar de suas casas, bem como na eficiência energética, em sistemas de calefação, tornando o ambiente mais agradável, e também no desejo de estarem mais próximas da natureza. A pandemia só acelerou essa tendência – argumenta.
Na esteira, Fernanda diz que vieram outras práticas como o uso de mobiliário mais leve, porque ambientes tiveram de ser criados, principalmente para dar espaço às crianças, seja para brincar ou realizar atividade física. Nos apartamentos que têm hall de entrada, a designer diz que esse espaço se tornou relevante. Porque a orientação é de que as pessoas tirem os sapatos, antes de entrar em casa, servindo ainda como um primeiro estágio de higienização.
Fernanda explica ainda que pessoas que moram em apartamentos sem sacada estão realmente de olho no quintal do vizinho. Porque sacadas viraram item de primeira necessidade, já que as pessoas tiveram de ficar mais em casa. Da mesma forma, quem tem poder de consumo vai preferir casa ao invés de apartamento, acredita.
– O ambiente em que vivemos nos afeta diretamente em nossas emoções. Para um projeto ou mesmo em uma consultoria, eu preciso fazer a leitura de estilo e de cultura dos moradores para aproximá-los do aconchego, com suas memórias afetivas. Porque o lar é uma extensão do que somos – defende Fernanda.
Preço do MDF nas alturas
A dinâmica que se percebe na Perini Móveis é a mesma nos demais setores da economia. Quando empresas foram fechadas, lá em março de 2020, o consumo ficou represado. Quando as represas do consumo foram reabertas, foi um deus-nos-acuda. Como ocorreu a desaceleração da produção, as empresas ficaram desabastecidas. Com o aumento da demanda, ocorreu então o aumento dos preços, que acabam por afetar diretamente o bolso do consumidor.
– Temos percebido a escassez e, consequentemente, o aumento expressivo da matéria-prima desde setembro do ano passado. Ainda não estabilizou, nem o estoque, nem o preço. O que mais subiu foi o MDF, da cor branca (na foto abaixo), que é o mais utilizado. Pagávamos cerca de R$ 135, a chapa, e estamos pagando R$ 220. Para que todas as marcenarias tenham material, estão racionalizando a compra – explica Júnior Rech, proprietário da Perini Móveis.
Além do MDF, para comprar insumos como serragem, cola e parafuso, Júnior precisa antecipar os pedidos em 60 dias. Sendo que antes da pandemia, ele poderia comprar de uma semana para a outra. Todo esse replanejamento é importante para manter o ritmo da produção.
– Logo no início da pandemia, recebemos muitos pedidos para home office. Até julho, foi em um ritmo lento. A partir de agosto e setembro, retornou a procura com muita intensidade. Mas, como atendemos em todas as frentes, desde pequenos pedidos até apartamentos inteiros para mobiliar, não podemos ficar sem material – explica Júnior.
Soluções para ambientes residenciais e comerciais
Alessandra Mosna, arquiteta e uma das diretoras da Associação Sala de Arquitetos, viveu em sua casa a mesma ansiedade dos seus clientes. Como profissional liberal e mãe, ela teve de adaptar sua casa para trabalhar e também para sua filha estudar e brincar. Aquele aparador que servia eventualmente de mesa para rascunhar um projeto ou outro, Alessandra colocou de frente para uma janela, entre outras adaptações no ambiente, para que, oficialmente, se tornasse a sua estação de trabalho.
Em muitos casos, a arquiteta disse que nem se tratava de realizar um projeto de reforma, mas de consultoria e de orientação aos clientes.
– A maioria estava preocupada com o bem-estar. Muitos trocaram sofás e tapetes, ou investiram em uma melhor iluminação. É por isso que alguns desses itens, que antes tinham prazo de entrega de 10 dias, atualmente demoram mais de 30.
Além dessa demanda residencial, Alessandra revela que muitas empresas aproveitaram a pandemia, para fazer alterações pontuais ou, ainda, para colocar em prática projetos futuros. É o caso da Doce Docê que vinha com um planejamento de expansão através de franquias.
– Quando começou a pandemia, me fiz uma pergunta: “o que eu tenho para aprender com tudo isso que está ocorrendo?”. No meio da operação de formatação da franquia da Doce Docê, fiquei pensando de que forma poderíamos melhorar a operação, para deixá-la mais eficiente e entregar uma experiência ainda melhor ao nosso consumidor – indagava-se Pedro Henrique Zanella Toss, diretor da Platinum Franchising, empresa responsável pelas franquias Doce Docê e Efoods.
Além da sistematização de novos processos de atendimento, Pedro explica que recorreu à arquiteta Alessandra Mosna para que a loja ficasse ainda mais atrativa para quem deseja ter uma franquia Doce Docê como negócio e também para o consumidor.
– Quando chamamos a Alessandra, para discutir a remodelagem, queríamos atualizar a arquitetura pensando na expansão da franquia, e que ela fosse atrativa e interessante – explica Pedro.
Atualmente, a Doce Docê tem oito lojas, entre Caxias, Canoas e Porto Alegre. A comercialização das franquias já foi iniciada e muitos perfis estão em fase de fechamento e análise de pontos comerciais. Pedro diz ainda que um dos motivos da lenta expansão é a indefinição quanto aos novos protocolos sanitários a serem decretados pelo governo.
E-commerce que virou loja física
Quando o comportamento do consumidor mudou, por ficar mais em casa, Pedro Toss entendeu que era preciso acompanhar esse novo movimento. Alguns clientes chegaram a procurar a Doce Docê para comprar produtos que antes consumiam na loja, para comer em casa.
– Então, criamos uma plataforma de e-commerce para disponibilizar aos clientes os produtos que eles já consumiam na Doce Docê. Além disso, resolvemos incluir no portfólio outras marcas de produtos da nossa empresa de alimentos, resultando num mix com mais de 150 opções. Na segunda versão da plataforma, escolhemos o nome Efoods e as vendas foram maiores ainda – revela Pedro.
Em vez de o empresário manter o conceito do negócio apenas dentro do ambiente virtual, entendeu que havia ali a possibilidade de criar uma loja física e que também pudesse ser comercializada em formato de franquia. Então, no dia 15 de dezembro de 2020, foi aberta a primeira loja da Efoods em Caxias.
– Se for contar, em seis meses inauguramos a primeira loja. Ela surge em um momento atípico, mas que se tornou em um negócio viável, que evoluiu para um formato de venda multicanal – comemora Pedro.
A ambientação da Efoods também foi realizada pela arquiteta Alessandra Mosna.