Como um dos efeitos negativos, o surgimento de nichos e a facilitação de segmentos podem resultar na desorganização do mercado e, tratando-se de produtos sanitários, comprometer a responsabilidade social. No final de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou resolução em que liberava a fabricação e a venda de produtos como álcool gel e desinfetantes para limpeza de superfícies e ambientes sem autorização prévia da reguladora para preparações antissépticas e sanitizantes oficinais (por meio de manipulação). Teoricamente, a medida ajudaria a aumentar a oferta de álcool gel no país. Entretanto, para quem detém a expertise fabril do material, o que se viu foi a precarização da produção.
Em março, a Victoria Maxx, empresa de cosméticos de Caxias, interrompeu sua produção para dedicar-se exclusivamente à produção de álcool gel. Com início rentável, cerca de um mês depois as vendas despencaram cerca de 90%. O motivo, segundo a sócia-proprietária Zoraide Moreira, foi justamente a desregulação.
— Continuamos produzindo (atualmente), mas em menor escala. Depois que houve liberação maior para fabricação de álcool gel, todos começaram a produzir, inclusive pessoas sem a menor condição, sem equipamento adequado. Até compramos (outro produtos) e fizemos a medição. Tem álcool gel que não tem nem a metade do ativo que precisaria. Quando se fala que é álcool 70%, essa é a graduação correta, mas na hora de fabricar, se não souber o que fazer, essa graduação distorce. O teor alcóolico de alguns produtos que pegamos no mercado não atinge nem a metade (do correto) _ afirma.
Ela conta que o produto oferecido pela Victória Maxx acaba tendo um valor superior ao oferecido pela concorrência, porém, ressalta que isso ocorre justamente em razão da exigência criteriosa de produção e uso de matéria-prima e métodos corretos aplicados, que não seriam adotados pela maioria das demais empresas.
— O que vemos no mercado é doloroso. (A maioria) Não tem equipamentos e ambientes corretos e sanitizados. É falta de responsabilidade. Mas temos de continuar fazendo a nossa parte corretamente. Em virtude de sermos corretos é que estamos no mercado há 27 anos. Sabemos a responsabilidade de produzir algo que faça a função determinada e por isso usamos todos os processos que garantem isso —destaca Zoraide.
Embora hoje represente apenas cerca de 10% do faturamento, ela conta que, entre março e abril, a produção de álcool gel contribuiu para amenizar de forma significativa os prejuízos da empresa e garantir a manutenção de todos os funcionários.
Superfaturamento
Outro efeito, segundo Zoraide, foi o aumento percebido na venda da matéria-prima do álcool gel.
— Já perdi a noção de preço. Mas entre a primeira compra até a última, aumentou 300% — conta.
A situação é reforçada pelo proprietário da Polibom, César Polli:
— Inflacionam as matérias-primas e as embalagens. Álcool gel custava R$ 23 a matéria-prima, passou a r$ 500 reais o quilo. É importado, e infelizmente não temos controle nem opções de fornecedores. A única compensação mesmo é que temos aumento da nossa venda — comenta Polli.
O movimento de reajuste significativo é também percebido em outros segmentos, como relata o empresário Elias de Castilhos Duarte, que há cerca de dois meses começou a confeccionar e vender máscaras de tecido:
— O elástico começou por R$ 8, R$ 9 um rolo. Pulo para R$ 18, depois R$ 28. Por último, cheguei a pagar R$ 48. Normalmente busco em Farroupilha, que é mais barato. O tecido também, começou por R$ 12, R$ 14, pulou para R$ 28 e R$ 36, e às vezes, em Farroupilha, consigo a R$ 16 — cita.
Ele lamenta:
— A gente tem de entender que estamos no Brasil, o engajamento é no faturamento. Um passar a perna no outro, infelizmente, é uma cultura.
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