Há um filme do cineasta norte-americano Stanley Kubrick, chamado 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) que pode ilustrar essas constantes altas do dólar. É uma obra de ficção científica, em que HAL, um computador dotado de inteligência artificial, passa a comandar, por sua conta, a nave espacial Discovery, em sua rota pelo espaço. O câmbio flutuante é um dos pontos-chave da livre economia de mercado. Ou seja, usando o economês, é "o sistema cambial em que as operações de compra e venda de moedas funcionam sem controle sistemático do governo. O valor das moedas estrangeiras flutua de acordo com a oferta e a demanda no mercado".
Leia ainda
Entre março e abril, setor moveleiro estima prejuízo de 80% no faturamento
Nove em cada dez empresas da indústria da Serra registram queda de demanda entre março e abril
Esse câmbio flutuante, sujeito às influências de toda sorte, leva os mercados, como no Brasil, a operar o dólar em R$ 5,78 (taxa mais alta na tarde de terça-feira, dia 28, em Caxias do Sul). E, que chegou a passar dos R$ 6 na segunda-feira (27) e sobretudo na sexta-feira (23), após o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. A metáfora do HAL é para provar que todos os fatores, sejam econômicos, sanitários ou políticos, interferem no humor do mercado, que reage com subidas e descidas bruscas das taxas de câmbio e precificação das ações nas bolsas de valores.
Deixando de lado, a comparação com o insano computador do filme do Kubrick, na última vez em que o economista Gustavo Bertotti concedeu entrevista ao Pioneiro sobre a alta do dólar, a moeda americana havia passado dos R$ 4, e seguia firme rumo aos R$ 5. No dia 14 de fevereiro, as casa de câmbio em Caxias operavam o dólar a R$ 4,50. A razão para aquela escalada, ainda não tão vertiginosa como agora, era o reflexo da instabilidade do mercado futuro por conta da crise do coronavírus, que avançava da China para o resto do mundo. Para além das decorrências da covid-19, Bertotti, que é professor da FSG e head de Renda Variável da Messem Investimentos, elencou outros fatores que poderão servir para desvalorizar ainda mais o Real.
— Um novo corte de juros agressivo pode ser contracíclico, ou seja, pode pressionar mais ainda o câmbio e prejudicar a atividade econômica (principalmente para o importador). Sendo assim, o Brasil se torna menos atrativo para o capital internacional — avalia Bertotti, citando que a expectativa da taxa Selic deve ser de baixar dos atuais 3,75% para 3% ao ano, conforme o Relatório Focus, divulgado todas as segundas-feiras pelo Banco Central do Brasil.
CRISE POLÍTICA
Além disso, outro grave fator no Brasil é a dificuldade que o presidente Jair Bolsonaro tem de estabelecer alianças, por conta da tensa relação com os líderes de outros poderes (Judiciário e Legislativo) e também a rachadura na sustentação do seu plano de governo, estruturado previamente nas figuras de Sérgio Moro (agora ex-ministro) e Paulo Guedes (ministro da Economia). Essa é a avaliação tanto de Bertotti como também da economista e professora Maria Carolina Gullo.
No que tange à questão econômica, Maria Carolina e Bertotti estão temerosos com a possível perda de prestígio do ministro Paulo Guedes, por conta do pacote de R$ 30 bilhões anunciado na última quarta-feira (22) pelo ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto.
— O programa vai no sentido contrário da linha de condução do ministro Guedes, que é um economista liberal, e que não concorda com essa "gastança" pública, e entende que isso vai ter efeitos na economia brasileira lá na frente, que poderão ser difíceis de resolver — avalia.
O plano, chamado de Pró-Brasil, prevê uma série de estímulos em obras de infraestrutura, com envolvimento dos ministérios de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura, pastas que estarão debaixo da supervisão da Casa Civil, de Braga Netto, e não de Guedes.
ESTADO DESENVOLVIMENTISTA
Na segunda-feira (27), para estabilizar o humor do mercado, Bolsonaro deu uma declaração à imprensa defendendo que o ministro Guedes é quem dá o rumo da economia no país. A postura do presidente arrefeceu a instabilidade, mas agora é preciso saber se de fato Bolsonaro vai dar a Guedes o cetro da condução, de fato, ou apensas da boca para fora, questiona Maria Carolina.
— O mercado está nervoso. Tenho muito receio de que o Guedes possa abandonar o governo. E, se fizer isso, teremos um governo desenvolvimentista, mais perto dos governos militares, dos anos 1970, do Médici (Emílio Garrastazu Médici) e do Geisel (Ernesto Geisel), onde houve muitos investimentos, mas que culminaram numa dívida externa muito grande e no aumento vertiginoso da inflação ao longo dos anos 1970 e 1980. Esse é um dos fatos recentes, que tem causado a forte instabilidade no dólar — avalia.
Maria Carolina entende, sim, que a pandemia e a recessão atual são as principais causas da crise, que de saúde se transformou em crise econômica, mas no Brasil, a maior tensão é de caráter político.
— A maior razão para essa instabilidade é, sem dúvida, a crise política que se estabeleceu desde a quinta-feira (23) passada, com os rumores da saída do ex-ministro Sérgio Moro, que se efetivou na sexta-feira (24).
IMPACTOS NA ECONOMIA LOCAL
A tendência para os próximos meses, entende o economista Gustavo Bertotti, é de que o dólar venha a se valorizar ainda mais no Brasil, ultrapassando a cotação dos R$ 6. Na esteira dessa expectativa de alta, há uma série de consequências negativas, e com impactos tanto para a indústria quanto para o consumidor final.
— A depreciação do câmbio, que, em parte, deixaria os produtos nacionais mais baratos em relação aos estrangeiros, não impede a retração da indústria nacional. Cabe destacar que pauta de exportação brasileira é baseada em commodities (representam em média mais da metade das exportações brasileiras), e a indústria possui pouca relevância. Mesmo com o dólar renovando sucessivos recordes, o saldo da balança comercial no primeiro trimestre de 2020 é de 32% inferior ao mesmo período do ano passado — explica Bertotti.
Mesmo que algumas pessoas tenham dificuldade de enxergar, toda a instabilidade gerada no Brasil, para além do que a covid-19 está causando, tem forte ênfase na crise política, que acaba ampliando ainda mais os problemas econômicos.
— Nesse contexto, Caxias do Sul, que é polo metalmecânico, depende muito da importação de componentes e insumos estrangeiros, então, as empresas estão absorvendo o aumento dos custos relacionados às matérias-primas e contratos de financiamento em dólar. Todavia, devido à velocidade que o câmbio está se depreciando, é inevitável que as empresas repassem a depreciação cambial para o mercado interno, ou seja, o impacto será repassado diretamente para o consumidor final — observa Bertotti.
Em curto e médio prazo, as empresas brasileiras terão dificuldade em exportar.
— O que podemos analisar é que, em parte, a desvalorização do real perante o dólar aumenta a competitividade da indústria para o exportador, porém, devido ao cenário de desaceleração econômica, as indústrias tendem a ter dificuldades para exportar já no curto e no médio prazo. Para o importador, aumentam os custos dos investimentos e dos insumos — sintetiza Bertotti.
COTAÇÃO DÓLAR TURISMO EM CAXIAS DO SUL
Em 28 de abril
CTR Turismo e Câmbio: R$ 5,65
Executive Corretora de Câmbio: R$ 5,75
Vitória Câmbio: R$ 5,78
Cambionet: R$ 5,55
Turcambio Money Exchange: não estavam operando no dia 27, data da pesquisa do Pioneiro
Em 9 de março
CTR Turismo e Câmbio: R$ 4,96
Executive Corretora de Câmbio: R$ 4,93
Vitória Câmbio: R$ 5,02
Cambionet: R$ 5,05
Turcambio Money Exchange: R$ 4,96