“É preciso muito talento para envelhecer”, escreveu certa vez o jornalista e humorista Millôr Fernandes (1923-2012). Diante do espelho, ficam mais evidentes as rugas e os cabelos brancos. O olhar que se perde através do reflexo faz verter memórias de um passado cada dia mais distante. Parece simples, mas envelhecer é um processo complexo e delicado. O caxiense Lury Poletto tem 82 anos e há seis passou por um dilema. Sentado no sofá da sala de sua casa, há muito tempo aposentado e depois de desligar-se do último emprego, suspirou e pensou:
– Vou ficar aqui esperando a morte chegar?
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Poletto começou a trabalhar aos 13 anos na Industrial Madeireira Ltda. Na década de 1950, período em que ele atuava na Industrial Madeireira, a empresa comercializava madeiras brutas e beneficiadas, caixas, esquadrias, equipamentos de tanoaria, móveis, terciados e compensados. Em 1983, Poletto se aposenta depois de uma vida no mesmo serviço. Então resolveu mudar de profissão, abandonou as vendas e foi virar enfermeiro do Hospital Pompeia.
– Trabalhei quase 30 anos na área da saúde, fiz até parto. Saí de lá em 2012 – recorda.
Na época, Poletto tinha 75. Foi nesse período que brotou do seu coração o dilema: esperar a morte chegar ou ir à luta? Poletto preferiu a luta, até porque, o dinheiro da aposentadoria cobre apenas uma parte das suas despesas. Então, o aposentado formado em curso técnico de contabilidade, com experiência em vendas e enfermagem, foi à procura de emprego.
Poletto faz parte de uma crescente estatística de pessoas com 65 anos ou mais que têm procurado cada dia mais por uma nova recolocação profissional no mercado formal. Entre 2008 e 2018, ocorreu um aumento de 131,8% de homens e mulheres brasileiros, muitos deles com cabelos brancos, que estão registrados e trabalhando. Em Caxias do Sul, esse índice foi de 112,34% entre 2008 e 2018, segundo o Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul.
Amigos abrem portas
A primeira alternativa foi buscar emprego nas empresas dirigidas por amigos seus.
– Lembrei do restaurante Famiglia Gelain, fui lá falar com o meu amigo pra ver se tinha pratos pra lavar. Na volta pra casa, passei pelo Posto Imigrante, e perguntei se Paulo Pezzi estava. Nos cumprimentamos, ele me perguntou o que eu andava fazendo. Eu disse que não estava fazendo nada. Aí ele me fez a pergunta: “Quer trabalhar aqui?”. Topei na hora. Já estou trabalhando como frentista há seis anos – conta Poletto.
A certa facilidade com que conseguiu um registro formal, com carteira assinada, não esconde a outra face da moeda que Poletto enfrenta, que é o preconceito.
– De um modo geral, as pessoas são bacanas comigo. Mas, às vezes, temos que engrossar, porque tem gente muito mal educada. Sempre tem aqueles apressados e sem paciência que reclamam. Eu brinco dizendo: “Vai lá no banco ou no mercado, pra ver se não tem fila também”. Apesar disso, eu gosto de trabalhar aqui – revela Poletto, com voz mansa e olhar terno.