Nas prateleiras dos supermercados da Serra, não é incomum encontrar vinhos estrangeiros com valores mais acessíveis do que produtos fabricados na região. Para o setor vitivinícola, a situação é conhecida, lamentada e atribuída a um fator principal: a alta taxa tributária, que hoje incide em média de 46% e 48% sobre cada produto.
No entanto, uma proposta que busca tornar mais competitivo o mercado, idealizada pelo ex-deputado (atual secretário de Esporte e Lazer do RS) João Derly (PRB), que acabou sendo arquivada no ano passado após o fim do mandato, volta a ganhar destaque. Dois projetos que propõem a criação da Zona Franca da Uva e do Vinho foram protocolados na mesma semana pelos deputados federais Jerônimo Goergen (PP) e Carlos Gomes (PRB).
Os parlamentares afirmam que foi mera coincidência e, por isso, os projetos serão apensados (juntados) numa só proposta, que ainda deve sofrer intervenções e aditivos.
— Foi coincidência, mas o que importa é que o objetivo é o mesmo: reduzir a carga tributária. De qualquer forma, nem o dele (Gomes) e nem o meu é o projeto completo. Muitos municípios que não constam no plano já nos procuraram para serem incluídos.
Em ambas as propostas, 23 municípios da Serra Gaúcha são abrangidos pela chamada Zona Franca, que sugere a adoção de um regime tributário especial ao plantio, colheita e produção da uva, ao engarrafamento e à venda de vinhos. O setor pleiteia isenção especialmente do PIS/COFINS, IPI e ISSQN. No projeto desarquivado, está prevista a isenção apenas do IPI, inicialmente.
— A perda de arrecadação de impostos no vinho seria muito pequena e facilmente recuperada, o que geraria a cadeia do turismo. Os impostos que seriam reduzidos com criação da Zona Franca certamente seriam inferiores aos impostos gerados pelos demais serviços e consumo com alimentação, hotelaria e turismo que atrairia para a região — afirma o diretor de Relações Institucional do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Carlos Paviani.
Nas últimas semanas, o debate acerca do projeto voltou a ganhar força e entidades reforçaram a mobilização. Por isso, os parlamentares consideram que a proposta ainda está em construção, mas a referência utilizada como base é a Zona Franca de Manaus. O propósito da matéria já agradou os diferentes setores que seriam beneficiados.
— O projeto precisa de uma discussão mais ampla, mas já está muito bom. Tudo o que ameniza custos à produção reflete no preço final do serviço o que, naturalmente, atrai mais turistas à nossa região — destaca a presidente da Associação Internacional de Enoturismo (Aenotur), Ivane Fávero.
A isenção tributária envolveria tanto a saída quanto à entrada de vinhos ao território abrangido pela Zona Franca. Dados da Ideal Consulting e da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) indicam que são consumidos 338 milhões de litros de vinho por ano no Brasil, dos quais 65% são rótulos nacionais e 35% importados.
Zona Franca de Manaus
Na Zona Franca de Manaus, há redução de 88% sobre insumos, isenção de IPI, alíquota zero nas entradas e vendas internas entre indústrias e de 3,65% nas vendas de produtos acabados para o resto do pais, além de redução de 75% do Imposto sobre a Renda e Adicionais Não Restituíveis, entre outros benefícios
PRINCIPAIS PONTOS DA PROPOSTA
:: Criação da Zona Franca da Uva e do Vinho na Serra Gaúcha.
:: Estabelecimentos comerciais, industriais e atacadistas ficam isentos do pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a saída e entrada de vinhos produzidos nos municípios compreendidos.
:: Municípios já inclusos: Bento Gonçalves, Garibaldi, Monte Belo do Sul, Antônio Prado, Boa Vista do Sul, Carlos Barbosa, Caxias do Sul, Coronel Pilar, Cotiporã, Farroupilha, Flores da Cunha, Guaporé, Ipê, Nova Pádua, Nova Prata, Nova Roma do Sul, Pinto Bandeira, Salvador do Sul, Santa Tereza, São Marcos, São Valentim do Sul, Veranópolis e Vila Flores.
:: Pleiteiam entrada: Gramado, Canela, São Joaquim e São Miguel.
:: A Receita Federal ficará responsável pela vigilância e repressão a possíveis descaminhos e contrabandos na Zona Franca.
:: As isenções serão mantidas pelo prazo de 50 anos, a contar de sua implantação.
Convencer o governo
Para os deputados envolvidos no resgate do projeto, não há dúvidas que o assunto pode avançar ainda neste ano. O grande desafio, afirmam, é convencer o governo da importância em conceder condição diferenciada ao setor.
— O governo tem um raciocínio liberal e a gente começou a dar uma apertada para dizer: para sermos liberais temos de ter mesma condição de competitividade que o vinho não tem. O que estamos pedindo ao governo é adequada à ideologia do governo. Se o governo concordar com isso, está resolvido — afirma Jerônimo Goergen (PP).
— Vai ser uma batalha aprovar. O setor em si tem apelo muito grande, mas digo pelas condições políticas... Se houver dificuldade adiante deve ser pelo governo, principalmente no que se refere aos impostos federais. Mas, fora isso, acredito que temos como avançar nesse projeto neste ano — comenta Carlos Gomes (PRB).
No dia 10 de março, representantes do setor vitivinícola se reuniram no Vale dos Vinhedos com deputados e lideranças políticas, onde a retomada do debate sobre a criação da Zona Franca voltou a ser cobrada. Um dos presentes no encontro, deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) se comprometeu a articular encontro entre representantes do setor e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
— Estamos perdendo para países vizinhos pelo custo do Estado brasileiro. Vamos encontrar pela zona franca e organização tributária a volta em ter condição de competitividade — defendeu Maia.
Na sexta-feira, o assunto também foi exposto ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
QUATRO PONTOS BASES
Para o Ibravin, a proposta deve ser baseada em quatro pontos:
:: Abranger toda a Serra Gaúcha
:: Garantir a isenção de impostos federais (PIS/COFINS e IPI), estaduais e, em alguns casos, municipais ISSQN.
:: Definir cota limite de aquisição para pessoa física. Isso impediria que os vinhos adquiridos na Zona Franca fossem revendidos em outros locais.
:: Credenciamento de estabelecimentos para comercializar vinhos sem impostos dessa região.
O ESTADO
:: A Serra Gaúcha responde por cerca de 85% da produção e do processamento do setor vitivinícola.
:: Cerca de 15 mil famílias estão envolvidas diretamente no setor vitivinícola gaúcho.
:: A cadeia da uva e do vinho movimenta cerca de R$ 3,5 bilhões anualmente no Estado.
Fonte: Ibravin