A redução de mão de obra na agricultura, principalmente a especializada, tem feito com que proprietários rurais recorram a formas alternativas para manter o ritmo de trabalho. Na colheita de uva e outras frutas na região da Serra, agricultores contam com a ajuda, nos fins de semana, de parentes que moram na cidade, e guardam a fruta colhida em câmaras frias para posterior distribuição. Conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, Rudimar Menegotto, outro recurso já tradicional e que se torna ainda mais importante diante da falta de mão de obra especializada é a ajuda entre vizinhos que colhem variedades em diferentes períodos.
— O problema maior é a falta de mão de obra especializada. Há pessoas muitas vezes que querem trabalhar, mas não têm noção da rotina na lavoura nem a habilidade necessária — avalia.
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Márcio Ferrari, presidente do Sindicato dos Agricultores Familiares de Farroupilha e coordenador da Comissão Interestadual da Uva, comenta que a dificuldade com a disponibilidade de mão de obra começou na metade da última década, com a melhora no cenário econômico do Brasil, quando muitas pessoas foram em busca de empregos nas cidades. De 2015 para cá, segundo ele, com a crise, a dificuldade em encontrar pessoal especializado até diminuiu; mas, de modo geral, o morador da Serra prefere os empregos existentes na área urbana na região, como na indústria.
— O trabalho na agricultura exige enfrentar um tempo muitas vezes quente e úmido, trabalho em áreas de morros, com aclives. Aqui na região, muitas pessoas não estão dispostas a isso e preferem um emprego urbano. Em outras regiões, não existem empregos urbanos como aqui, e por isso muitas pessoas de fora, inclusive de outros estados, vêm trabalhar aqui para garantir o seu sustento — analisa.
Ferrari pontua que, além da colheita, também faltam trabalhadores com conhecimento para trabalhar ao longo do ano na lavoura, como na poda dos parreirais, e também no plantio de espécies como alho e cebola.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha, Olir Schiavenin, acrescenta que, embora a família trabalhe mais para compensar a falta de mão de obra, ela pode não produzir em todo o terreno.
— Há casos em que a área plantada não cobre todo o terreno. Mas, onde há plantação, o agricultor consegue dar conta do trabalho — explica.
É justamente essa a situação relatada por Paulo Ricardo dos Santos, que cultiva uvas e tem uma criação de ovelhas em São Virgílio da 6ª Légua, em Caxias.
— Eu tenho uma área de mais de 10 hectares onde não estou fazendo nada, por enquanto, porque não tenho mão de obra para trabalhar. Estou iniciando uma outra produção, de outro tipo de fruta, e estou segurando porque não tenho mão de obra para trabalhar com isso. Na própria ovinocultura, estou diminuindo o rebanho porque não há mão de obra para lidar — conta.
Santos explica que está oferecendo uma oportunidade com carteira assinada, mas que não busca um caseiro, já que teria que ter uma estrutura adicional para isso. Ele acrescenta que poderia contratar pessoas de fora da região; entretanto, neste caso, o problema apontado pelo proprietário é que falta uma linha de transporte coletivo para que um eventual trabalhador de outra região, ou até mesmo um imigrante, se estabeleça num bairro da cidade e se desloque diariamente para o trabalho.
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Nesse contexto, o custo de mão de obra tem uma tendência a aumentar. Conforme Márcio Ferrari, uma família paga atualmente ao safrista, em média, entre R$ 100 e R$ 120 por dia.
— Esse valor é uma média, mas varia muito, dependendo da área e do momento da safra, e não inclui outros custos para a família proprietária, como alimentação, moradia, lavanderia e eventualmente o transporte também — ilustra.
Uma das saídas para a falta de mão de obra, apontada por Ferrari, é a terceirização do trabalho na agricultura, possibilidade aberta com a nova lei trabalhista. Conforme ele, inclusive, nesta safra uma empresa de Porto Alegre que fornece mão de obra já foi contratada por alguns proprietários rurais, e acredita que isso pode se tornar mais comum nos próximos anos. Segundo Ferrari, a terceirização não diminui o custo para o produtor, mas facilita a contratação, evitando perda de tempo e dor de cabeça com a burocracia que o processo envolve.
Já Olir Schiavenin vê com desconfiança essa possibilidade. Segundo ele, houve uma experiência negativa na região com uma cooperativa de Santa Maria nos anos 1990, em que os trabalhadores que vinham de lá chegavam nas propriedades e viam que o trabalho não era o que esperavam. Schiavenin afirma que o sindicato dá as orientações necessárias para o intermédio da contratação dos trabalhadores rurais. Ele também comenta que o uso cada vez maior de maquinário para uma série de atividades na lavoura também vem substituindo a mão de obra em falta. Schiavenin estima que, na região do sindicato em que atua, em Flores da Cunha e Nova Pádua, pouco mais de 3 mil trabalhadores atuem na safra.
Entre os trabalhos na lavoura, conforme Rudimar Menegotto, o que tem a mão de obra mais cara é a poda, e o trabalho de fazer os enxertos também tem um custo maior, porque exige conhecimento especializado. Na colheita da uva, uma mão de obra não especializada é possível no caso da fruta destinada às vinícolas; já a uva para consumo in natura requer mais conhecimento e habilidade na colheita, para que a fruta chegue sem danos às prateleiras dos mercados.