Na tarde desta quinta-feira, o clima era de abandono na entrada principal da Guerra SA, localizada às margens da BR-116, em Caxias do Sul. No acesso à empresa, o mato já toma conta das poucas áreas verdes visíveis do lado de fora. Um caminhão no meio do pátio lembrava a linha de produção da empresa.
Os portões foram lacrados e a campainha instalada no portão principal não ressoava em nenhum ambiente. Nas guaritas, as persianas estavam fechadas e nenhum funcionário apareceu para atender à reportagem do Pioneiro. Durante a tarde, nenhum funcionário esteve por lá para relembrar a trajetória da segunda maior empresa de implementos rodoviários do país. Pairava o silêncio.
Ao lado da empresa está localizado o restaurante Camatti, diariamente frequentado pelos trabalhadores da Guerra. O proprietário Nestor Camatti, 50 anos, está no local há 22. No auge das operações da Guerra, a receita vinda dos funcionários da empresa já representou 20% do faturamento do pequeno negócio.
— Todos os dias, eles apareciam por aqui para tomar um café ou almoçar — relata.
Mas o que mais Camatti sente falta é da movimentação.
— Sinto falta de ver os trabalhadores entrando na empresa de manhã e no terceiro turno. Agora, a BR fica vazia no trecho entre o viaduto e o posto da Polícia Federal, principalmente à noite. Está um deserto — relata.
Camatti também lembra, comovido, dos antigos funcionários da empresa que passavam pelo bar para relatar o que estava acontecendo com a fábrica nos últimos anos. Segundo o empresário, eles reclamavam muito do Fundo Internacional Axxon Group, que comprou parte da empresa em 2008.
— Eles falavam que as coisas mudaram muito. Para pior. Começaram a demitir os funcionários mais antigos. Foi uma tristeza muito grande, e todos viviam apreensivos.
Funcionários desolados
Em setembro deste ano, o Pioneiro publicou uma série de reportagens sobre o drama vividos pelos funcionários da Guerra, há meses sem trabalhar e sem receber os salários. O acerto das rescisões ainda não foi feito, e cerca de 600 trabalhadores ainda aguardam pelo dinheiro.
O operador de produção da empresa Moisés da Motta Mathyas disse não acreditar que uma empresa que tanto amou tinha virado um pesadelo. Na época, assegurou que mais de 100 produtos estavam em processo de fabricação e que foram abandonados com a interrupção dos trabalhos, em abril. Ele trabalhou na fábrica de implementos rodoviários durante 13 anos. Em 2013, ele viveu o auge da empresa, quando empregava mais de 2 mil funcionários.
Márcio Nascimento Goulart, 41 anos, é pai de três filhos. Em setembro, ele temia pela falência da Guerra. Estava sem trabalho, sem salário, sem plano de saúde, sem perspectivas. Para tentar equilibrar as contas, renegociou as prestações do apartamento, pediu dinheiro emprestado, vendeu o carro, a máquina lava-roupa, a bicicleta e o aparelho de videogame. Felizmente, hoje, ele está de volta ao mercado. Sobre a falência, ele declara:
— É uma situação muito ruim e nem sabemos se vamos receber. O grupo não fez nada para recuperar a empresa.
O também ex-funcionário Evandro Spagnol, 39 anos, diz que já esperava pela falência. E lamenta:
— Fico triste por mim, pela cidade e pela história da empresa. Antes de ser adquirida por um grupo estrangeiro, éramos valorizados e tratados com muito respeito e humanidade.
Ainda fora do mercado de trabalho, ele aguarda os trâmites do processo contra a empresa em que pede uma indenização de cerca de R$ 70 mil.
O QUE DIZEM AS LIDERANÇAS EMPRESARIAIS DE CAXIAS
"Perdemos uma empresa de referência, que levou o nome de Caxias para vários países. A direção tomou decisões erradas, houve muitas divergências dentro do grupo e não souberam resolvê-las. É uma pena."
Nelson Sbabo, presidente da CIC
"É uma perda sob todos os pontos de vista. Foi uma marca tradicional, que começou pequena no bairro Santa Catarina pelo fundador Ângelo Guerra. É lamentável. Perdemos produtos de qualidade e riqueza."
Odacir Conte, diretor executivo do Simecs
"É um fato lamentável. A falência da Guerra é o resultado de uma série de decisões erradas. Se perdem impostos e receita, o que agrava ainda mais a crise em Caxias do Sul."
Astor Schmitt, engenheiro e diretor de Economia, Finanças e Estatística da CIC
"A falência da Guerra é uma consequência, (a empresa) vinha se deteriorando. É uma pena que ela não tenha aguentando mais um tempo, pois a economia está se recuperando. Mas ela deixa uma lição, um sinal. Não deixe que a situação chegue ao extremo. É um alerta para evitar que outras empresas fechem."
Dagoberto Godoy, presidente do Conselho Superior da CIC
Um pouco da história
* A Guerra começou pequena, no bairro Santa Catarina, pelas mãos do fundador, Angelo Guerra. A fundação ocorreu em 20 de agosto de 1970.
* Sempre fabricou implementos rodoviários. "A marca PAZ na Estrada consolidou-se como a marca da qualidade, tecnologia e inovação", diz a página do Facebook da empresa.
* Na década de 70, mudou-se para o bairro São Ciro, onde foi construída uma área de 20 mil metros quadrados.
* Já representou de 5 a 6% do faturamento da economia industrial de Caxias do Sul. No setor de implementos, representou 40% do faturamento.
* No auge da produção, por volta de 2013, a Guerra chegou a ter 2 mil funcionários.
* A Guerra foi a segunda maior empresa de implementos rodoviários do país e a pioneira na fabricação do bitrem.