As calçadas da Avenida Júlio de Castilhos podem ser consideradas um termômetro de o quanto a crise econômica afeta Caxias do Sul – em maio, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), foram fechados 779 postos de trabalho. E a opinião dos lojistas e transeuntes é unânime: nunca foram vistos tantos vendedores ambulantes na via. A presença é notada desde a esquina com a Borges de Medeiros até a Feijó Júnior. A maior aglomeração ocorre nas imediações do Hospital Pompéia: no início da tarde deste sábado, 25 ambulantes dividiam a quadra entre as ruas Garibaldi e Marechal Floriano.
A maioria eram senegaleses, porém nenhum quis se identificar. Além da discrição, a preocupação é com a repercussão pelos órgãos fiscalizadores. Apenas na semana passada, três investidas da Operação Centro Limpo apreenderam mais de 5,4 mil produtos irregulares.
– Se tivesse emprego, eu não estaria vendendo. Como não tem, eu venho para cá. Não posso ficar parado em casa – explica o imigrante de 24 anos, em Caxias desde 2014 e desempregado há um ano e dois meses, quando foi dispensado de uma empresa de embalagens.
Os senegaleses, porém, dividem a calçada com outras figuras conhecidas. Entre eles o popular Vento, que vende artefatos indígenas em diversas cidades da região Sul desde 1987.
– Nunca tinha visto tanta gente vendendo, mas o movimento está baixo. São os efeitos da crise. Não é apenas em Caxias. Está espalhado por todas as cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O pessoal não consegue emprego, então vira mercador – relata o ambulante de 50 anos.
O presidente do Sindilojas, Sadi Donazzolo, diz que há mais de ano tramita na Câmara de Vereadores um projeto que prevê a cassação do alvará do comerciante que protege o ambulante na hora da fiscalização. Mas falta vontade política, segundo ele.
– Defendemos o comerciante legalizado, que trabalha dentro da lei, que paga os impostos. É o absurdo do absurdo o que está acontecendo nas calçadas da Júlio de Castilhos. Um problema difícil de resolver – avalia.
Calçada lotada, respeito mútuo
Os lojistas da Avenida Júlio concordam que o movimento de ambulantes nunca esteve tão intenso. A aglomeração gera comentários de clientes quanto a falta de espaço para caminhar. Mesmo assim, o respeito dos senegaleses é um destaque apontado pela caixa da Interlojas, em frente ao Hospital Pompéia.
– Eles são educados. Quando venho trabalhar com meu bebê eles sempre brincam com ele. O que a gente ouve as pessoas reclamarem é quando ocorre alguma atitude mais agressiva da fiscalização. As pessoas entendem a situação deles. Dizem que “é melhor eles ficarem vendendo do que roubando” – salienta Jeane Weschenfelber.
O bom relacionamento também é destacado pela gerência da filial da Magazine Luiza. Alguns ambulantes inclusive ocupam o degrau em frente às vitrines para sentar e colocar seus produtos à mostra.
– Não chega a incomodar ou dar impacto nas vendas da loja. Até porque vendemos produtos bem diferentes. Quando atendemos, não costumamos ouvir reclamações. A relação é amigável. Eles até costumam usar o nosso banheiro – conta o gerente Gabriel Frota, que define os ambulantes como um “mercado paralelo”.
Os artigos mais comuns ofertados pelos ambulantes são pequenas peças de roupas contra o frio, como toucas, meias e mantas, além de flores, bijuterias, e CDs e DVDs piratas de músicas, filmes e jogos.