Histórias que tratam da rotina, diversidade, conflitos familiares, sentimentos e estereótipos. Os temas abordados nas leituras mais procuradas pelo público infantil na 40ª Feira do Livro de Caxias do Sul apontam uma geração de leitores criteriosos.
A busca de narrativas que retratem situações pessoais é interpretada pela autora, professora e patrona do evento, Helô Bacichette, como uma maneira de as crianças e os jovens entenderem seus sentimentos e a si mesmos.
— Normalmente esse público não gosta de demonstrar o que sente, mas tem a identificação com o livro. A gente percebe que eles buscam narrativas e personagens com os quais se reconheçam. Entre os menores há a preferência por livros ilustrados, que trazem rimas. Os mais velhos já são mais conectados, preferem até as versões digitais dos livros – diferencia Helô.
Para o presidente do Instituto de Leitura Quindim, Volnei Canônica, a transformação no perfil dos leitores jovens, é reflexo da expansão do próprio setor literário. Segundo ele, o Brasil se tornou uma referência na literatura infantil, o que amplia o acesso a diferentes histórias.
— As crianças estão descobrindo obras literárias que refletem a complexidade do mundo e que dialogam com os seus sentimentos. Se as gerações passadas tinham pouco acesso aos livros de literatura e o mercado editorial investia basicamente em traduções de clássicos, hoje, a realidade é bem diferente —reconhece Canônica.
Nas bancas específicas para o público infantil — que, aliás, retornaram nesta edição da feira — as vendas nesse ano apontam para a variedade de narrativas. Como em edições passadas, os livros estilo diários seguem entre os mais procurados. As temáticas de desenhos animados, animes e jogos também estão em alta. Mas a predileção do público por enredos atuais também conquistou espaço. Títulos que abordam as emoções têm despertado a atenção de crianças e jovens.
— Sou livreira há 20 anos e a gente tem visto, sim, uma mudança gradual na escolha dos livros pelos mais novos. Tanto as crianças, quanto os pais estão mais abertos para temáticas novas, tanto que os livros de histórias clássicas são os que menos vendem — conta Flávia Kuwer, 50 anos.
Gibis servem como porta de entrada para sensibilizar novos leitores
Responsáveis por cativar gerações de novos leitores, os gibis mantêm-se queridos pelo público infantojuvenil. Tanto que nos últimos anos o gibi serviu como uma espécie de transição para a febre gerada pelos mangás.
Assim como em edições passadas da Feira do Livro, as histórias em quadrinhos japonesas continuam protagonistas de vendas. One Piece, Naruto, Demon Slayer, Dragon Ball e Pokémon são alguns dos exemplos citados pelos livreiros como os mangás mais vendidos durante a edição deste ano da Feira do Livro.
Não é mera coincidência que as histórias em quadrinho tenham um papel central na formação de leitores. O conjunto de imagens e textos curtos, com narrativas que abordam aventura e amizade, configuram-se em uma fórmula envolvente e de fácil compreensão.
— Esse formato ajuda muito no processo do acompanhamento da narrativa e do que chamamos ampliação de fôlego leitor, para conseguir ler narrativas maiores e com diferentes personagens e enredos que se relacionam — aponta Volnei Canônica, presidente do Instituto de Leitura Quindim.
Além disso, os preços dos gibis, mais em conta do que alguns livros, mantém o produto acessível. Outro fator que favorece a popularidade dos gibis entre as crianças, são as vendas em pontos alternativos.
— Gradativamente as bancas estão fechando, então migramos para locais que as famílias frequentam, como supermercados e farmácias. Os preços acessíveis são atrativos para os pais, que em muitos casos já eram leitores de quadrinhos. Ainda, as crianças são familiarizadas com esse tipo de leitura nas escolas, onde as professoras utilizam os gibis nas aulas – explica a gerente editorial da Culturama, Naihobi Steinmetz Rodrigues, empresa licenciada de gibis da Disney.
Construção coletiva
Tão importante quanto o contato com os livros, o incentivo ao hábito da leitura é fundamental para despertar o encanto nas crianças. Conforme a patrona da Feria do Livro de Caxias e escritora Helô Bacichette, o estímulo vem em duas frentes: em casa e na escola.
— As bibliotecas escolares são uma grande influência na formação de novos leitores, sobretudo nas famílias que não há o hábito de ler. Claro que ter o pai, mãe, avô ou irmão que seja leitor ativo é excelente para despertar o interesse e fomentar esse elo entre livro e leitor — explica.
É o caso de Ingrid Bays, 31, mãe da pequena Cecília Bays, três. A dupla lê junto, frequenta bibliotecas e esteve na Feira do Livro, buscando novas histórias para compartilhar.
— Viemos especificamente para escolher um livro novo para a Cecília. Acabamos encontrado esse que fala sobre um novo bebê na barriga. Justamente o que estamos vivendo, porque ela vai ser irmã mais velha — conta.
O estímulo a leitura também começou cedo com a pequena Valentina Pegoraro, dois. Há dois anos ela frequenta a Feria do Livro de Caxias do Sul acompanhada da mãe, Valesca Pegoraro, 36.
— É um processo de incentivar o desenvolvimento. Alguns livros são pedagógicos, outros são de histórias de animais e princesas, que são os temas que ela mais demonstra interesse atualmente — conta.