Em 40 anos, a Feira do Livro de Caxias do Sul reuniu milhares de leitores, autores e amantes da literatura para celebrar o personagem principal da história: o livro. Nas 40 edições, autores, de renomados a estreantes, participaram de bate-papos e encararam sessões de autógrafos, estabelecendo uma estreita relação com leitores e fãs.
As duas primeiras edições, em 1984 e 1985, não tiveram patrono. E apenas em um dos anos a feira não foi realizada, em 1995. Tradicionalmente, o evento é realizado no coração da cidade, a Praça Dante Alighieri. Contudo, em 2016, a Praça das Feiras, em São Pelegrino, foi o local escolhido sediar a feira.
— Um evento que acontece há 40 anos é uma responsabilidade, também, para a gente que organiza ele, de manter essa tradição viva. É uma tradição, mas a gente também tem que pensar em inovações e atualizações. Nesse sentido, eu acho que a feira tem sua relevância pelo tempo que dura e por tudo que evoluiu nesses 40 anos — analisa o diretor do Livro, Literatura e Leitura e da Biblioteca Pública Municipal, Cássio Immig.
Na lista de patronos, autores como Moacyr Scliar (1999), Armindo Trevisan (2004), Luis Fernando Veríssimo (1998) e Luiz Antônio de Assis Brasil (2001) marcaram época.
Da produção literária local, patronos como a vencedora do Prêmio Jabuti em 2016 Natália Borges Polesso, o escritor, tradutor e professor José Clemente Pozenato e o filósofo e poeta Jayme Paviani contribuíram para a consolidar e amadurecer a Feira do Livro de Caxias do Sul como uma das mais importantes do Estado.
— A programação é muito variada e qualificada. Vai desde o nosso escritor local, até nomes que venceram prêmios nacionais e internacionais e que circulam pelo mundo. Tem também a questão dessa dimensão da população, que a gente também tem o privilégio de ocupar a praça central da cidade. Literalmente, as pessoas tropeçarem nos livros e isso pode servir, no nosso entendimento, como um incentivo à leitura — acredita Immig.
A patrona Helô Bacichette que já trabalhou na organização da feira e tem uma carreira de itinerância em prol do fomento de novos leitores, também destaca a relevância do evento.
— Hoje, se tu andar por qualquer lugar do país, e isso eu posso dizer, porque fiz isso, as pessoas reconhecem a Feira do Livro de Caxias como um grande evento cultural, sério e bem organizado.
Patronos recordam momentos marcantes da Feira do Livro
O Pioneiro convidou a atual patrona, Helô Bacichette e alguns dos ex-patronos para relembrarem memórias e dividirem experiências sobre o evento que aproxima autores e leitores no coração da cidade.
Helô Bacichette (2024)
Sobre a Feira
"A Feira do Livro representa bem aquela coisa do encontro marcado. Trabalhei nos bastidores e frequentei a feira antes de trabalhar. Naquele tempo, as escolas da periferia quase não frequentavam a Feira do Livro. Então, hoje, para mim, é motivo de muita alegria e orgulho ver que a feira tem conquistado esse espaço dentro da cultura e da educação da cidade. Porque, na verdade, existe todo um processo que tem que passar pela educação do olhar das pessoas, da questão de fomento e de formação de público. Quando comecei na feira, em 2001, não existia todo esse movimento ainda, mas existia um movimento dos bastidores de que a feira precisava de um outro olhar para essa questão de trazer os públicos, não só os que ficavam no entorno, nas escolas de entorno da feira.
Hoje, se tu andar por qualquer lugar do país, e isso eu posso dizer, porque fiz isso, as pessoas reconhecem a Feira do Livro de Caxias como um grande evento cultural, sério e bem organizado. A Feira de Caxias é a cereja do bolo. A gente já vê os nossos autores sendo convidados para viver fora da cidade. Ainda não estamos como a gente quer. A gente puxa o pessoal para cá, mas ainda a gente não está sendo convidado. A gente ainda tem um grande movimento para ser feito, não só para chamar a gente de fora, mas para que a gente também seja chamado para os eventos do centro do país".
Expectativas para a Feira
"Onde tenho passado, eu tenho feito esse papel também de uma espécie de embaixadora da feira, e tenho colocado que é um estímulo na participação do público. Facilitar o acesso com os descontos, com preços mais acessíveis, divulgar os eventos, os talentos locais, chamar o maior número de segmentos. Me parece que existe uma programação bem variada que está mostrando, justamente, que é esse o movimento que a Feira do Livro tem que fazer.
Natalia Borges Polesso (2017)
Sobre a importância da Feira
"Eu adoro feiras do livro, gosto da época do ano em que a cidade é invadida pelas estantes das livrarias e de repente todes que passam pela praça são pessoas leitoras. Isso é mágico. Para mim, esse é da maior importância.
Uma cidade que tem uma feira do livro há quarentas anos é uma cidade que se preocupa com a vida dos livros e das pessoas leitoras e isso diz muito do comprometimento de quem trabalha diretamente com a feira. Agradeço e parabenizo sempre toda a equipe, pois sei que é um trabalho de uma ano todo, para que aquelas duas semanas aconteçam".
Memórias da Feira
"Foi uma alegria imensa e uma honra ter sido convidada para ser patrona da feira, lembro de me sentir emocionada com o discurso de abertura, em que lembrei a importância de imaginar e de fabular mundos, contando sobre os causos que minha avó me contava. As memórias podem estar misturadas, mas lembro muito de uma mediação minha e do Jeferson Tenório para a maravilhosa Conceição Evaristo. E de quando Maria Valeria Rezende veio e encantou a todes com suas histórias de vida."
Alessandra Rech (2021)
Sobre a importância da Feira
"Caxias tem uma vocação de incentivo à literatura muito bem consolidada. Desde o Prêmio Anual Literário, que é um dos mais antigos em existência. Então, a gente tem esses estímulos e eles foram evoluindo a partir também da formatação do Programa Permanente de Estimulo à Leitura (PPEL), que é um programa muito consistente e que atravessou várias gestões políticas municipais. Acho que é uma força muito significativa para a produção literária e a criação de um sistema literário.
Eu acho que é um orgulho para a população e faz com que a gente possa, a partir dessa posição literária também, ressignificar culturalmente, o tempo todo, quem somos, as nossas identidades, a questão da empatia, a questão da visão de ser uma terra constituída inicialmente por aquela camada da imigração que vem fazer uma fase do desenvolvimento. Agora, a gente entende a multiplicidade dos agentes culturais que fazem com que a gente se torne uma cidade próspera, como a gente é hoje, também a partir da literatura, porque ela é um espelho com um olhar um pouco mais profundo".
Memórias da Feira
"Lembro de ter participado uma vez com alguns personagens de um clube de mães, que minha mãe fazia parte quando eu era criança, a gente tem uma foto com os personagens no vestido de pica-pau amarelo. Mais tarde, eu lancei meu primeiro livro, em 2007, Aguadeiro, fruto do Financiarte. Eu tinha uma filha de um ano na época. Então foi também um momento bem importante. E ao longo da feira que eu fui patrona, em 2021, teve a questão de que a gente ainda estava na pandemia. A gente ainda seguia com os cuidados. Então, essa é uma marca também. E naquele ano a gente levou pra praça a produção cartoneira que a gente fez a partir da lei Aldir Blanc no bairro Beltrão de Queiroz".
José Clemente Pozenato (1994)
Sobre a importância da Feira
"Para mim, a feira desempenha várias funções. Primeiro, de tornar conhecido o autor e de tornar conhecida a obra. Os livros que ele produziu. E, depois, também, tem a função de atrair os leitores. Com isso, então, a produção literária se completa. A feira permite o encontro da obra com o autor e o leitor.
Para o público leitor, ele tem oportunidades quando há sessão de autógrafo, de ter um contato direto com o autor. Pode até ouvir alguma coisa interessante. Mas, principalmente, o leitor é favorecido porque os preços são oferecidos em condições mais favoráveis, sempre é dado um desconto especial exatamente por ser uma feira. Então, essa redução de preço dos livros também favorece o estímulo à leitura".
Memórias da Feira
"Todas as vezes que eu tenho participado na feira, eu tenho verificado que ela sempre tem uma participação muito grande do público. E quando eu fui patrono, também. A minha preocupação foi essa o tempo inteiro: de atrair o público para diversos eventos durante a organização da feira. Quando eu fui secretário da Cultura (em 2006), também, ajudei a criar alguns elementos de atração da feira, principalmente o de criar a função de promotor da leitura".
Marco de Menezes (2011)
Sobre a importância da Feira
"Como leitor, a Feira do Livro sempre é convidativa, porque tem os descontos, promoções, lançamentos... Então é sempre interessante poder frequentar, para acessar essas coisas. Eu me lembro de ter visitado as primeiras edições da feira e era tudo muito mais modesto, mas ainda assim muito instigante.
Acho que o envolvimento com a cena literária local e a forma como a feira, de certa forma, tende a retroalimentar e a fomentar o surgimento de novos autores, demonstra o quanto ela é importante, como catalisador. Quando a gente tem um cenário meio que mundial de ideias obscurantistas de um lado e ideias mais pró-civilidade e cidadania do outro, certamente, a feira fica desse lado da cidadania".
Memórias da Feira
"Eu acho que praticamente lancei todos os meus livros nas feiras em Caxias. O meu primeiro livro, que saiu em 1999, foi lançado na feira. Eu tinha ganhado o concurso anual literário. E ali, naquele momento, eu comecei, de certa forma, a me integrar no que seria a cena literária local da época, com pessoas que eu já conhecia e outros que conhecia de nome. O professor Pozenato foi muito legal ter conhecido. Para mim, foi um susto muito grande entrar nesse meio, porque eu nunca pensei que eu ia me tornar alguém que publicasse livros.
No ano em que fui patrono, tinha saído o Prêmio Açorianos e acho que muito por conta disso o meu nome circulou. Eu já fazia parte da cena, já produzia e participava de eventos literários. Eu guardo uma especial emoção do meu encontro com o Marco Lucchesi, poeta, tradutor, ensaísta, brilhante. Uma pessoa gentilíssima, uma experiência muito bacana ter estado com ele naquele momento, participar de uma mesa com ele, discutindo poesia".
Luiz Antônio de Assis Brasil (2001)
Sobre a importância da Feira
"É um espaço de visibilidade, antes de tudo. Sendo o trabalho do escritor uma atividade intrinsecamente solitária, é bom o diálogo, ainda que ocasional, com livreiros, distribuidores e público. O público, por exemplo encontra mais coragem para falar com seus escritores e escritoras de preferência. E Caxias do Sul é um exemplo de organização para que tudo isso aconteça.
(No âmbito estadual, é) um modelo a seguir. Quem observar de perto como Caxias do Sul organiza sua feira, não vai errar".
Memórias da Feira
"As lembranças são poucas, dispersas, dada a passagem do tempo. Mas me recordo bem do clima de afetividade que cercou minha presença, e a presença de colegas antigos e novos. Nomes, vários, mas tenho receio de referir a uns e não a outros. Desses, ainda tenho os livros. Gostaria de, numa máquina miraculosa, de reviver aquele 2001. Todos ainda éramos novos e cheios de futuro. Hoje, pela frente, temos apenas o tempo.
(Ser patrono foi) uma surpresa, e ao mesmo tempo, um atestado de que, enfim, eu era um escritor. Caxias do Sul é uma cidade de cultura, uma cidade com alto nível de escolaridade, com belas instituições acadêmicas. Então, foram momentos de reencontro com amigos e colegas, com gente que batalhava há anos com a literatura. Caxias do Sul tem um sistema literário próprio, que, regional, repercute o universal. Terra de pensadores, ficcionistas e poetas. O que mais poderia esperar?".