Sem contato com outras pessoas e com a agenda de compromissos totalmente vazia, os dias dedicados à escrita são imersivos. Para a criação de personagens que estarão vendendo carne de gaivota ou em frente a uma arma para — talvez — jogar roleta russa, são pelo menos dez horas em frente ao computador escrevendo.
Raphael Montes, autor de Suicidas, O Jantar Secreto e Bom dia, Verônica, um dos autores mais vendidos da Bienal do Livro de São Paulo deste ano, se encontra com os leitores de Caxias do Sul neste domingo (6), na 40ª Feira do Livro.
Nascido no Rio de Janeiro, Montes é autor de histórias de crime, suspense e terror. Os livros que percorrem realidades sombrias, incluem ainda Dias Perfeitos, O Vilarejo, Uma Mulher no Escuro, A Mágica Mortal e Uma Família Feliz. O imaginário descritivo também está presente no audiovisual, atuando como criador, roteirista-chefe e produtor-executivo de Beleza Fatal, primeira novela da Warner Bros. Discovery. O autor exerceu as mesmas funções na série Bom dia, Verônica, adaptada pela Netflix.
Com o hábito de organizar a própria semana entre os dias dedicados à escrita e outros para compromissos pessoais e profissionais, o autor conversou por videochamada com a reportagem e revelou como inicia as próprias histórias, o lado festivo e de que forma busca se conectar com os próprios leitores.
Eu acho que a minha inspiração vem da vida, gosto muito de estar no mundo, de conhecer gente, de ouvir a história dos outros
RAPHAEL MONTES
escritor
Leia a seguir, a conversa com Raphael Montes sobre as próprias criações, os ídolos pessoais e a importância de ter persistido na escrita desde que compreendeu que seria escritor.
Na Feira do Livro de Caxias do Sul, o autor conversará com o público a respeito do tema Suspense nas Páginas e nas Telas, ao lado de Elisa Seerig.
De onde vem a inspiração para essa narrativa descritiva de crimes, violência e suspense de suas obras?
Comecei a gostar de ler por esse tipo de histórias no início da adolescência, lendo Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Sidney Sheldon, Pedro Bandeira e Stella Carr. Então, essas histórias de crime e de mistério meio que me formaram, quis virar escritor por essas histórias e não sei se eu tivesse começado a gostar de ler por fantasia ou ficção científica, por exemplo, se eu seria um escritor hoje. Sem dúvida o assunto que me interessa é o mistério e o crime. Eu acho que a minha inspiração vem da vida, gosto muito de estar no mundo, de conhecer gente, de ouvir a história dos outros. Sou meio que obcecado por tentar entender a mente humana, por entender os mecanismos sociais, os jogos de aparência. Então, em geral, as minhas ideias vêm muito dessa observação do outro, do que eu percebo que são as tensões e medos contemporâneos. E vem também um pouco, claro, dos livros que eu leio, dos filmes e séries que vejo.
Depois de todo o processo de tentativa e erro, em que momento ocorreu o estalo de "ok, acho que vou escrever livros desse gênero"?
Nunca (risos), eu comecei a escrever contos e menos de um ano que comecei a escrever tentei fazer um romance. Até, curiosamente, outro dia, mexendo nas minhas papeladas antigas, achei esse romance que comecei com 10 ou 11 anos, chamado A Galinha dos Ovos de Diamante. Não consegui terminar, não ficou tão bom. Aí fui escrever outro, e depois outro, fui fazendo até que um dia terminei um, que foi Suicidas (2012), e esse publiquei.
Dentro de Suicidas e dos seus outros livros, tem cenários descritivos e muitos leitores fazem elogios, principalmente, pela forma crua como as cenas são escritas. Como é esse contato com as pessoas que leem Raphael Montes?
Eu costumo brincar que sou uma decepção para os meus leitores (risos). Esperam que eu seja uma pessoa absolutamente macabra e sombria quando, na verdade, sou bem falante, otimista, não sou uma pessoa macabra ou violenta. Sou bem tranquilo. Gosto de Carnaval, de atividade física, de andar de bicicleta. Acho que tenho toda essa violência e bizarrice assustadora dentro de mim, mas exerço ela na ficção, na imaginação. E, de algum modo, acho sadio exercer esse lado da imaginação na literatura, porque, ao exercer na ficção, na vida sou o oposto. Também percebo isso nos meus leitores. Acho muito sadio ler os livros que eu escrevo.
Por que você diz isso?
Às vezes, vou em palestras ou eventos e muitos pais dizem "fiquei preocupado, porque a minha filha de 16 anos quis ler Suicidas e depois leu O Jantar Secreto". E eu falo que é sadio. É melhor que a filha ou o filho exerça esse lado e essa imaginação do que guarde e não viva a catarse. Quando você chega nesses lugares pela literatura, você vive a adrenalina e a catarse na literatura, que é muito mais sadio do que na briga de família, na relação amorosa. Então, na verdade, eu acho tudo muito sadio. Mas acho divertido os comentários e as brincadeiras, sempre dizem que vou ter que pagar a conta do terapeuta deles (risos).
Qual a importância dessa proximidade com os leitores, como ocorre em eventos literários como esse?
Viajar, ir a palestras, fazer esses eventos, como, por exemplo, ir à Caxias do Sul, para mim é uma alegria muito grande. O meu trabalho é muito distante do consumidor final. Por exemplo, o ator de teatro tem a conexão direta com a pessoa que está na plateia. Eu escrevo um livro em 2016, o livro é publicado em 2017 e vai para as livrarias. Nós estamos em 2024 e você pode estar comprando ele agora, vai ler amanhã e criar uma conexão forte com essa história que escrevi em 2016. Então, os eventos literários, viagens e feiras, são encontros que eu consigo ter, que, de algum modo, completam uma história. E neles eu escuto coisas muito legais e que me motivam a escrever. Escuto gente falando que não gostava de ler, passou a gostar de ler pelos meus livros ou que tinha preconceito com literatura brasileira e passou a gostar de ler literatura brasileira pelos meus livros. Então, é muito interessante como bate de maneiras diferentes em cada pessoa.
Você citou a "catarse pela literatura". Tem algum ritual para o desenvolvimento dessas histórias? Você começa a escrever já sabendo como elas terminam?
Não tenho nenhum ritual, na verdade é a coisa mais banal do mundo. Eu sento no computador e fico por dez horas sentado, olhando para o Word (editor de texto) e escrevendo. Para escrever eu preciso ter muitas horas, não gosto de escrever uma ou duas horinhas. Por isso, tem os dias que eu marco para entrevistas, reuniões, compromissos e os dias que fico escrevendo e não falo com ninguém, não encontro ninguém, não dou entrevista, não faço nada além de escrever. Então, esse seria talvez o único ritual que eu preciso. E preciso desse tempo para entrar na história, para entrar na voz dos personagens. Em geral, quando começo a escrever minhas histórias já sei como elas terminam, mas não sei como vou chegar ao final. Então, para mim, a graça é, sabendo onde quero chegar e onde começar, descobrir o caminho. Em termos imagéticos, é como se eu entrasse num túnel, sabendo que existe o final do túnel, mas o túnel está escuro, e vou com uma lanterna iluminando para tentar achar o melhor caminho para chegar no final do túnel. Então, eu sei o final. Sei como acaba, sei como começa, e o meio aqui é obscuro para mim.
Hoje, depois de todas as obras publicadas, as adaptações para o audiovisual e essa conexão com os leitores, tem algum livro seu que você tenha um apego especial?
Cada um dos meus livros me trouxe alegrias distintas. O Suicidas é meu primeiro livro, tem uma certa ousadia e inocência que eu acho muito forte. O Dias Perfeitos foi o meu primeiro livro que fez sucesso, que me fez entrar na lista e ser vendido. Está traduzido em mais de 30 países, vai virar série da Globoplay, é um livro de muito sucesso. O Jantar Secreto é o livro que mais combina comigo, no sentido de que ele tem uma coisa que os livros anteriores não tinham, que é um humor ácido, de olhar crítico para as coisas e para as pessoas. O Vilarejo, me trouxe um público diferente do que costumava ler meus livros, mais jovem. Uma Mulher no Escuro me trouxe um público feminino e que tinha medo de ler meus livros, começou por ele e aí leu todos os outros. O Mágica Mortal, um público juvenil que escrevi para crianças e acho que vai fazer a criança ler e quando for mais velha ler os outros. Uma Família Feliz tem tido também uma repercussão ótima. E o Bom Dia, Verônica que escrevi com a Ilana Casoy, que foi maravilhoso, uma parceria muito feliz e que ainda rendeu três temporadas de série na Netflix. Foi o meu primeiro trabalho como criador de uma série de televisão. Então, cada um dos meus livros me traz um prazer diferente.
Você sente que inspira novos autores brasileiros para a literatura voltada às histórias de crimes e suspense? Que conselho daria a eles?
Muita gente vai dizer que vai dar errado. Insista e escreva. É normal o "não dar certo" o "não vender". Acontece. Mas se você é mesmo um escritor, o seu trabalho é escrever, não é vender livro. Vender livro é consequência. Hoje, felizmente, lanço meus livros por uma ótima editora, tenho leitores, participo de feiras, e tudo isso me alegra e me preenche e me motiva muito. Mas o meu trabalho é escrever. O meu trabalho não é ir a feiras ou dar entrevistas. O que eu gosto de fazer é de escrever. Então, se eu não tivesse nada disso, se eu não fosse convidado para uma feira, eu faria sabe o quê? Continuaria escrevendo, que é o que eu gosto de fazer, continuaria contando as minhas histórias. É o prazer que eu tenho. Então, acho que o maior conselho que posso dar para quem quer ser escritor é: escreva. Tentou um livro e não deu certo? Escreva outro. Dar certo é escrever os livros que você quer. Não para entrar na lista dos mais vendidos, dar certo é escrever o livro que você quer. Entrar para os mais vendidos é consequência.
Essa é a primeira vez que você vem para Caxias do Sul? Qual a sua expectativa para essa Feira do Livro?
Eu acho que já fui a passeio para Caxias. Quando eu era criança, meus pais gostavam de viajar de carro e a gente saía do Rio de Janeiro, passava pelo Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e passávamos por várias cidades. Então, eu lembro muito de rodar pelo Sul do Brasil e era engraçado. Na verdade, meu pai preferia ir para o Nordeste e, minha mãe, para o Sul. Então, a cada ano, era uma viagem que durava uns 50 dias. Era no período das férias mais longas da escola. Então, sim, já fui a Caxias do Sul, mas nunca para dar palestra e encontrar os leitores, essa então é a expectativa que mais tenho. Toda vez que vou, costumo dizer que às vezes sou o pesadelo dos organizadores de eventos, porque tentam criar muitas regras e não sou uma pessoa muito ligada às regras (risos).
Ah, é? Conta mais sobre isso...
Então, às vezes, algumas cidades onde vou tentam limitar o número de autógrafos. Eu não consigo limitar, eu autografo para todo mundo e quero aproveitar que vou estar em Caxias do Sul para autografar os livros, porque eu realmente gosto muito desse encontro com os leitores e estou ansioso para isso.
Programe-se
- O quê: "Suspense nas Páginas e nas Telas", bate-papo entre Raphael Montes e Elisa Seerig.
- Quando: domingo (6), às 17h.
- Onde: Palco da 40ª Feira do Livro de Caxias do Sul, na Praça Dante Alighieri.
- Quanto: entrada franca.