Atraversar é neologismo. É palavra criada, inventada. Talvez seja essa a melhor forma de explicar a poética da Nil Kremer. Poética, porque vai além da poeta que lança neste sábado (25) seu livro de estreia pela editora Patuá, Antes que o torpor vença, no Zarabatana Café.
Além de escritora, que se utiliza do verso como manifesto, Nil é atriz e performer. E quando a palavra ganha corpo, essa personificação do verso é mais do que poema, é a expressão clara desse atraversar. Verso que atravessa como lança que transpassa corpo, alma e espírito.
Sugiro a quem for na sessão de autógrafos, às 17h de sábado, que ao tomar o livro em mãos procure pelo poema que começa com os seguintes versos: “eu não escrevo / arranho inconstâncias / tento tocar o céu com a língua / o zarpar / o risco / um pintassilgo liberto / na tortuosidade do horizonte”. Está aí, muito claro, esse atraversar. Mais à frente, a Nil fecha assim o mesmo poema: “não quero a palavra embaraço / em ranço de carolas / nem a palavra esmola / salpicada de piedade / quero o transe / o despenhadeiro / um Kilimanjaro que me atravesse”.
Kilimanjaro é um monte ao norte da Tanzânia de quase 6 mil metros de altura, um antigo vulcão com neve no topo. A metáfora desse vulcão que atravessa a poeta abre diversos portais (ou caminhos, ou possíveis sublimações) dos versos reunidos nessa obra.
A escritora Maria Valéria Rezende, vencedora de três prêmios Jabuti, e dos prêmios Casa das Américas, São Paulo de Literatura e finalista do Oceanos de Literatura, apresenta o livro. Ela atesta que os poemas da Nil “tendem a olhar pelas janelas, pelas frestas, para fora de si”. É o atraversar, dito de outra forma.
O ritmo, o entrelaçar das metáforas, por vezes a respiração ofegante, ou a luta corporal para acomodar paixões, ora desilusões, ou para se desvencilhar do entorpecimento, revela uma poesia do movimento, da insatisfação. Porque, no final das contas, a poética da Nil é como flecha rasgando o horizonte: “não há manual de instrução / não há mapa ou dorflex / que atenda a exigência / da supernova no peito / da lótus rompendo a lama”. Ou ainda: “perdi a ponta do fio em vezes sem conta / de arrepios, mãos suadas, cadafalsos / escadas tantas de que me lancei sem paraquedas / brisa descalça pisando anéis de saturno”.
Seja ao descrever a pulsante “supernova no peito” ou no trânsito galáctico “pisando anéis de saturno”, a Nil, como a poeta que carrega a poética no corpo, no movimento, como expressão do sentido da palavra, tem urgência pulsando nas veias: “profanar as esquinas antes que o torpor vença o corpo / e a incerteza das horas corroa a memória”.
Até porque, nos revela a Nil nessa sua travessia poética, “a loucura salva na medida em que/ torna leve as estacas que nos atravessam”. Ou que nos atraversam como leitores.
Programe-se
- O quê: Lançamento do livro Antes que o torpor vença, da poeta Nil Kremer. A trilha sonora do evento será da DJ Mari Alencastro, da Level Cult.
- Quando: sábado (25), às 17h.
- Onde: Zarabatana Café (Centro de Cultura Ordovás - Rua Luiz Antunes, 312 - Caxias).
- Quanto: cada exemplar custa R$ 50, à venda na sessão de lançamento ou pelo site oficial da editora Patuá.