À convite do Almanaque, autores da Serra escreveram crônicas destacando personagens que marcaram suas vidas em 2023. Os convidados foram Patrícia Viale, Nil Kremer, Valquíria Vita, Marcos Mantovani, José Clemente Pozenato e Douglas Ceccagno.
Leia a seguir o texto do escritor José Clemente Pozenato:
Meu personagem do ano é...
Meu personagem do ano veio para a cidade de Caxias do Sul para se engalfinhar na luta do Juventude para voltar ao patamar mais alto do futebol brasileiro. Mostrando empenho e talento, a torcida o adotou como seu ídolo maior. Suas façanhas em campo foram percebidas no Brasil inteiro. Tanto que um dos concorrentes ao título, numa manobra esperta, programou uma série de pisões em seus pés, para exclui-lo das partidas finais do campeonato.
A artimanha deu resultado. Para a última batalha, em campo inimigo, em que a vitória era a única alternativa para o Ju alcançar seu objetivo, esse herói não pôde ser escalado, aumentando a agonia dos torcedores. Mas ele, sem avisar o público, viajou com os companheiros para ver o cenário final da guerra. Instalado num camarote, viu uma sequência de lances que poderiam ser narrados como capítulos de uma epopeia.
No primeiro capítulo, seu time querido enfiou a bola no fundo das redes do adversário, a um minuto de jogo. Parecia estar aberta a porta para o triunfo. Mas o gol foi anulado, fazendo murchar toda expectativa. Para aumentar o drama, um atroz segundo capítulo aconteceu logo a seguir. Aos quinze minutos de jogo, o adversário marcou um gol, e este não foi anulado. O grito da torcida local foi ensurdecedor. Grito que seria emudecido com o empate ainda no final do primeiro tempo de jogo, abrindo uma claridade no horizonte.
Começado o segundo tempo, outra vez as nuvens fecharam o céu. Numa disputa de bola, em que os dois jogadores caíram no gramado, o árbitro se aproximou e expulsou um jogador do time adversário. Para espanto geral, depois de consultar o famigerado VAR, o juiz anulou a expulsão. E, numa cena de cadafalso, expulsou o jogador do Juventude, que teve de lutar por uma vitória cada vez mais improvável com um jogador a menos. Para agravar a situação, o juiz marcou um pênalti contra o Ju logo depois.
Mas a sorte ajuda os virtuosos. O juiz recorreu ao VAR e o pênalti foi anulado. Com isso voltou a respiração e a esperança de vitória. Vitória que começou com o gol do meio-campista acertando as redes do adversário. A empolgação aumentou, quando um menino, novo no time, marcou o terceiro gol. A vitória improvável chegava neste último capítulo,
Depois de quinze minutos de prorrogação, o árbitro deu o apito final, comemorado com saltos e murros. Sim, meu personagem do ano é Nenê, jogador e capitão do Juventude. Ele vai ficar na história. E também no time, como pedia a torcida.
JOSÉ CLEMENTE POZENATO é doutor em Letras. Foi membro do Conselho Estadual de Cultura-RS e Secretário de Cultura de Caxias do Sul. É escritor, poeta e ensaísta, sendo autor de trilogia sobre o tema da cultura da imigração italiana no RS, com os romances “O Quatrilho” (1985), “A Cocanha” (2000) e “A Babilônia” (2006). É autor de novelas policiais que exploram aspectos da cultura regional. É membro emérito da Academia Rio-grandense de Letras.