Dois amigos e escritores que dedicam parte significativa de seu tempo a entender a alma e a mente humanas, o filósofo caxiense Gilmar Marcílio e o psiquiatra radicado em Porto Alegre Nelio Tombini promoveram um bate-papo na última quinta-feira em Caxias do Sul, no Clube Juvenil. Com o tema "Sem saúde mental não há felicidade", ambos trocaram reflexões e insights sobre os problemas do nosso tempo, em especial o excesso de conectividade virtual e a falta de conexões reais. O Almanaque acompanhou o encontro e compartilha a seguir alguns trechos do bate-papo. Confira:
"As redes sociais potencializaram algo que considero extremamente maléfico, que é a comparação. A comparação é a morte da alegria. A realidade pode ser prosaica, às vezes diminuta, mas carregar um grau de afetividade e de satisfação que nós não conseguimos perceber. Se essa pessoa passa a se alimentar através da imagem e da palavra de pessoas que forjam suas próprias vidas através das redes sociais, a possibilidade dessa pessoa ser infeliz e doente emocionalmente é muito maior. Mesmo estando sentados ao lado de outras pessoas, nós estamos cada vez mais sozinhos" (Marcílio)
"A tecnologia está matando a mente das pessoas, que desaprenderam a pensar. As reflexões não estão na internet, e por isso as pessoas ficam muito empobrecidas. Entram em qualquer conversa opinando sobre tudo, achando tudo. Nós temos que ter cuidado com a nossa mente. As mídias sociais estão nos tornando muito solitários e dependentes da validação do outro. Eu já não sei mais quem sou. Como eu funciono sem ser por likes, por saber o que os meus seguidores estão achando do que eu digo, do que eu faço. É um empobrecimento grave da vida humana". (Tombini)
"A gente desaprendeu a se debruçar sobre os relacionamentos com quietude, com lentidão e com o exercício de respeito que o outro merece. Nunca busquei na minha vida o milagre da multiplicação dos pães ou dos vinhos. Sempre busquei o desenvolvimento dessa capacidade de perceber o quanto nos define esse milagre de amar e ser amado. É isso que nós devemos buscar". (Marcílio)
"De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão vai ser a segunda doença mais presente no mundo ocidental em 2025, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Isso se dá porque nossa química cerebral enlouqueceu? Não! É reflexo do tipo de vida que estamos vivendo: sem contato, com distanciamento e sem verdade. Hoje nós somos muito teatrais. Nos portamos de um jeito ou de outro para agradar em determinado ambiente. Isso esvazia a mente humana e adoece as pessoas". (Tombini)
"A informação nos trouxe uma certa arrogância. É muito difícil nós dizermos "eu não sei". Sócrates, o mais sábio dos sábios, colocou no pórtico de Atenas: "eu só sei que nada sei". E nós sabemos pouquíssimo. Eu, por exemplo, não sei fazer um móvel, como o meu vizinho marceneiro faz. Não sei passar bem uma camisa, como a moça que me ajuda em casa faz. Não sei fazer quase nada. Sei colocar, às vezes com certa felicidade, uma palavra ao lado da outra. Então, necessariamente, eu preciso ser uma pessoa humilde e dizer mais vezes: "eu não sei". Isso faz entender que é muito melhor ter mais perguntas do que respostas". (Marcílio)
"A diferença do ser humano pensante é a capacidade de conversar. Mas isso requer uma atenção com o outro que nós estamos perdendo a capacidade de ter. É preciso reaprender a olhar para o outro e compreender a sua necessidade. Isso promove saúde mental para o outro e para a gente". (Tombini)