Autor do provocativo livro A arte de ser infeliz (AJR, 2017), o psiquiatra e escritor Nelio Tombini é o convidado de hoje do projeto Ciranda do Pensamento, em Caxias do Sul. O porto-alegrense dividirá o palco com o filósofo e escritor caxiense Gilmar Marcílio, para juntos refletirem sobre “a complexa tarefa de viver com o outro”. Sem restringir o tema às relações entre casais, o painel irá abordar questões de trabalho, amizades, família, abordando os entraves para a construção de relações mais plenas e felizes. Por telefone, Tombini antecipou ao Sete Dias algumas questões que serão esmiuçadas a partir das 19h, no auditório do centro comercial W Tower. Confira:
Pioneiro: Por que é tão complexo viver com o outro?
Nelio Tombini: São várias razões. Há motivos externos, como experiências que a pessoa esteja passando, de saúde, amorosa, financeira. Mas o nosso papo será mais ligado às características emocionais. Nós temos uma série de preconceitos e pressupostos na nossa mente. Ideias fixas, ideias de valores, pensamentos grandiosos, às vezes somos meio desconfiados, meio explosivos, às vezes mais abatidos. Todas essas características influenciam numa relação. Ao mesmo tempo, temos o desejo de controlar tudo. Isso se dá desde o comportamento das crianças, que quando as coisas não saem do jeito delas, tornam-se verdadeiros tiranos em miniaturas. O mesmo se observa nas relações de mães com seus filhos, casais de namorados...queremos nos inserir o tempo todo na vida do outro. Uma outra questão é a forma de falarmos com as pessoas. Se eu vou falar contigo alguma coisa, não posso ser grosseiro, nem escolher o momento inadequado. Juntar essas três coisas – conteúdo, forma e o momento de falar – é algo difícil. Além do mais, nossa cultura é a de não oferecer a verdade. Nós falamos nas entrelinhas, damos a entender, usamos meias palavras... não dizemos objetivamente o que estamos pensando. Em contextos em que uma pessoa está hierarquicamente acima da outra, ou de que teoricamente uma pessoa sabe mais e a outra sabe menos, não há a cultura de oferecer espaço para a outra colocar o seu ponto de vista.
É um problema de comunicação, essencialmente?
Com certeza. Para chegar numa comunicação minimamente razoável, é preciso ter a capacidade perceptiva de ti e do outro. O ser humano é muito invasivo. Ele se autoriza a se meter muito na vida do outro e a dizer coisas muito inadequadas, de toda natureza. Isso também faz com que as relações fiquem mais complicadas. Eu costumo dizer nas minhas palestras que o maior abuso, não o mais grave, mas o mais comum, é o abuso verbal.
As pessoas também não gostam de admitir que há coisas que elas não sabem...
Elas não querem saber de ouvir, só querem falar. Se tu propões uma conversa, logo tu és cortado e a pessoa inicia outra conversa. Há alguns anos publiquei um artigo chamado Analfabetos Emocionais, em que falo sobre o quanto as pessoas têm pouca intimidade com o seu lado emocional. Nossas vidas são embasadas em dois pilares: um é o intelectual – cognitivo, da inteligência, daquilo que tu desenvolve, estuda – outro é emocional. Não adianta tu teres muito dinheiro e não teres uma boa consistência psicológica. Tua vida não vai andar. Tu vais te atrapalhar, vais ser infeliz e vais ter dificuldade para transitar, para se relacionar.
Quanto a infelicidade tem a ver com a auto-sabotagem?
Todos nós nos auto-sabotamos. Tudo passa pela percepção dos teus aspectos intelectuais e emocionais, de ter a capacidade de entender e de ouvir o outro, de fazer uma devolução no sentido de acalmá-lo. Um termômetro que gosto de usar é o seguinte: quando eu chego ao final do dia e eu não me aborreci, não fiquei nervoso, não fiquei ansioso, não estou precisando beber três cervejas para me acalmar, eu estou satisfeito. Se todos os dias forem assim, eu vou estar muito bem, vou dormir bem à noite. As pessoas hoje em dia estão cada vez mais instruídas, mas cada vez mais empobrecidas intelectualmente, muito graças às redes sociais. Não pensam mais, não leem, nem conversam. Se tu não pensas, não tens como sustentar uma conversa por alguns minutos. Nisso, a tendência é atacar o outro para destruí-lo.
Além de faltar um olhar mais claro sobre como tu és e como tu ages, também falta se colocar como um interlocutor, para ter acesso a outras percepções. Gosto de dar um exemplo da minha filha, que às vezes me liga dizendo que só quer que eu a ouça. Eu respondo “não, então tu ligas para a tua avó, que é surda”. Se me ligar só para eu ouvir, não topo. Ela tem que saber o que eu penso sobre as coisas, se eu concordo, se eu discordo. É uma questão de respeito numa relação adulta. Não precisa concordar comigo. Mas se for só para eu ouvir, então não sou parceiro.
A dificuldade de dialogar está mais acentuada nos dias atuais?
Sem dúvida. Aquela criancinha tirana que falei antes parece estar cada vez mais entre nós. Pessoas que se sentem cada vez mais onipotentes, grandiosas, querendo impor o seu pensamento. Elas não estão dialogando, mas querendo te abater. O saber que visa destruir o outro é um conhecimento estéril, que só quer submeter esse outro ao seu próprio poder. Não tem como manter uma discussão com pessoas que acham que podem drenar todo o conhecimento para si.
Agende-se
O quê: Ciranda do Pensamento, com Nelio Tombini e Gilmar Marcílio
Quando: hoje, às 19h
Onde: centro W Tower (Rua Alfredo Chaves, 1208)
Quanto: R$ 30, em sympla.com.br ou no local
Mais informações: (54) 991391614