Uma casa simples de madeira, construída em dois andares. Tradicional na arquitetura e diversa e bem colorida em seu interior. Aconchegante, com horta perfumada de temperos, bem como casa de avó. Mais do que um teto para quem não tinha para onde ir,a Casa de Acolhimento da ONG Construindo Igualdade é o lar de quem sofreu (e ainda sofre) preconceito ou de quem foi excluído de sua família por conta de sua orientação sexual ou de gênero.
Há dois anos aberta, nem sempre na plenitude de sua capacidade de atendimento, por dificuldades financeiras, a Casa de Acolhimento já acolheu cerca de 70 pessoas. Para manter os atendimentos a cinco moradores, a ONG investe, mensalmente, R$ 4 mil.
— Abrimos a casa com capacidade para atender 10 pessoas. Mas, em função dos custos, nós tivemos de diminuir o atendimento para no máximo cinco pessoas — explica Cleo Araújo, presidente da ONG Construindo Igualdade há 12 anos, que complementa:
— A casa não oferece só um teto ou um prato de comida. Aqui as pessoas devem se sentir no seu lar, acolhidas e amadas. A gente vai brigar um com o outro? Vai (risos). Porque é isso que ocorre entre os irmãos, não é? (risos) Mesmo assim, tem o amor. E é disso que a gente precisa — reconhece Cleo.
O primeiro acolhido pela casa foi Diego Couto, 30 anos, que veio do interior de Sarandi, região norte do Estado.
— Eu vi uma reportagem sobre a casa (no jornal Pioneiro) e tirei um print. Pensei em fazer isso para enviar a algum amigo que precise. E quem precisou foi eu. A pessoa que vem pra casa ela realmente precisa ser acolhida, abraçada, ganhar amor, carinho. Ter uma família de verdade. E quando falo em acolher, não é só aqui, é também no ambiente de trabalho. Principalmente para os homens e mulheres trans, porque tem sempre muito preconceito. Queremos todos um trabalho digno — revela Couto.
E já que o assunto é trabalho, Nicole Thalia Rosa, 22, que até dois meses atrás trabalhava em um estúdio fotográfico e atualmente está desempregada, complementa:
— Eu sempre falo sobre isso. O Brasil é o país que mais mata mulheres trans e ao mesmo tempo é o país em que as pessoas mais consomem pornografia trans. Então, muitas vezes, as pessoas que fazem entrevista de trabalho com uma mulher trans não nos dão emprego, mas são as mesmas que, escondidas, assistem vídeos pornográficos.
Olívia Garim, 21, ao ser questionada pela Cleo, onde estaria se não tivesse sido acolhida pela casa, respondeu:
— Eu estaria morando na rua. Porque o preconceito é ainda maior por eu ser mulher trans e negra. Quando vou mandar um currículo, evito enviar uma foto minha senão nem entrevista querem marcar comigo. Quero apenas um trabalho digno.
A ONG Construindo a Igualdade tem ajudado dezenas de pessoas, acolhendo-as em casa, fornecendo as mínimas condições de moradia, alimentação e formação em diversos cursos. A próxima etapa é superar também esse obstáculo de empregabilidade, principalmente para as mulheres trans da casa.
— Nós estamos fazendo um trabalho que deveria ser função do poder público. Queremos respeito e que as famílias não nos excluam do seu amor, que continuem nos amando — defende Cleo.
Conheça a Casa de Acolhimento
- Inaugurada em 1º de maio de 2021, a Casa de Acolhimento Construindo Igualdade oferece moradia a pessoas que se afastaram da família por conta da orientação sexual ou de gênero.
- Além de amparar o público LGBTQIA+, a casa serve de abrigo para as pessoas mais afetadas pela desigualdade social, que não têm moradia, trabalho e afeto.
- Na casa são disponibilizados cursos de artesanato, cabeleireiro, panificação, confeitaria, preparação para o ENEM e capacitação em informática.
- A casa conta com assistência psicológica em parceria com o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) e com a Faculdade Anhanguera, contando também com voluntários para esse serviço.
- Possui também serviço de atendimento EAD para o público LGBTQIA+ que sofre com síndrome de pânico e para valorizar a vida, ajudando pessoas que possuem tendências suicidas.
- Há ainda parceria com advogados que junto com a ONG trabalham para a retificação de nome e demais serviços para a casa e seus acolhidos.
- No subsolo da casa, que fica localizada na Rua Miguel Muratore, 427 - Bairro Madureira, funciona o Brechó Beneficente. Atendimento de segunda a sexta, das 14h às 16h e sábados, das 9h às 12h.
- Atualmente, a casa tem capacidade para acolher até cinco pessoas. Durante este tempo já foram acolhidas cerca de 70 pessoas.
- Quem quiser contribuir sendo um padrinho da casa deve entrar em contato com a Cleo Araújo pelo WhatsApp (54) 99161-3078.
Acolhidos pela casa
Dentre os assuntos abordados durante a entrevista um dos mais pertinentes e importantes é a empregabilidade. Por isso, a seguir os hóspedes da casa, que não estão empregados, falam sobre suas experiências e expectativas de carreira. Quem quiser entrar em contato pode acessar o Instragam @ongconstruindoigualdade.
Nicole Thalia Rosa, 22 anos
"Eu tenho experiência no ramo de fotografia, porque trabalhei em um estúdio, que fazia fotos para festas e eventos. Mas eu também já fiz teatro, estou fazendo curso de DJ e quero me encaminhar profissionalmente para o ramo das artes".
Olívia Garim, 21 anos
"Tenho cursos na área metalúrgica, porque já trabalhei na indústria. Também tenho experiência no ramo de supermercados, inclusive atuando no caixa. Gosto de atendimento ao público, então o comércio pode ser uma boa área".
Diego Couto, 30 anos
"Sou formado em curso Técnico em Alimentos, já trabalhei inclusive com controle de qualidade e não só na área de alimentos. Inspetor de qualidade também. Tenho facilidade de me comunicar, gosto do atendimento ao público."