O dia 1º de maio de 2021 deverá ser um marco para a história de Caxias do Sul. Na cidade que a tantos oferece oportunidades, o Dia do Trabalhador vai ser sinônimo de recomeço para pessoas que encontraram portas fechadas: no convívio social, no mercado de trabalho e, até mesmo, na própria família. No primeiro dia de maio, a primeira casa de acolhimento ao público LGBT em situação de vulnerabilidade do Rio Grande do Sul abrirá as portas com 20 vagas, sendo seis delas preenchidas por nomes que já estão na fila de espera.
O atendimento especializado a esta população é uma iniciativa da ONG Construindo Igualdade, que atua há 17 anos no município e conta com recursos doados pela comunidade para viabilizar o serviço, instalado em um espaço anexo à Casa de Acolhida Luiz Matias do Instituto Anglicano, no bairro Jardelino Ramos. As pessoas acolhidas permanecerão no espaço pelo período de um ano, com atendimento gratuito em saúde mental, assistência social, e área jurídica, bem como o acesso a cursos profissionalizantes que também resultarão em produtos a serem comercializados, contribuindo para a sustentabilidade do projeto.
A Casa de Acolhimento Construindo Igualdade recebia, no feriado de quarta-feira, 21 de abril, reparos e ajustes antes do início do funcionamento do serviço. O espaço é a concretização de um sonho para voluntários da ONG que viveram ou viram de perto, com familiares e amigos, o preconceito e todas as barreiras que ele é capaz de erguer diante de quem se reconhece fora do padrão da heterossexualidade.
Uma realidade enfrentada por Cleonice Araújo, mulher trans, que luta pela inclusão em Caxias do Sul há 17 anos. À frente da ONG caxiense há nove anos, Cleo — como é conhecida — também preside o Conselho Estadual de Políticas LGBT e, há pelo menos oito anos, vinha buscando parcerias que viabilizassem a implantação da casa de acolhimento no município, uma demanda que, segundo ela, existe e tornou-se ainda mais iminente na pandemia.
— As pessoas sempre me procuraram para pedir ajuda, somente na pandemia foram mais de 20 meninos e meninas expulsos de suas casas por conta do preconceito familiar. Nestes casos que chegaram até mim, tentei intermediar o diálogo, prestar apoio a quem estava em vulnerabilidade, tomar as medidas cabíveis, mas é preciso um espaço adequado para isso, um serviço que não apenas acolha, mas que também dê perspectivas de retomada da vida, da dignidade; um lugar onde essas pessoas sejam respeitadas e também possam ter oportunidades — afirma Cleo.
Segundo ela, os serviços de acolhimento da cidade são de altíssima qualidade, porém um centro de atendimento específico, voltado ao público LGBT, é necessário para que essas pessoas que encontram-se em vulnerabilidade emocional, econômica e/ou social, sejam acolhidas de forma adequada, sem risco de continuarem sendo alvos da violência de gênero enfrentada em inúmeros espaços da sociedade.
— Nossa vontade é, algum dia, ter um quarto para cada letra da sigla. Por enquanto, dispomos de dois: um masculino e outro feminino. A pessoa poderá ficar naquele em que se sentir melhor, de acordo com a vontade dela — destaca a idealizadora da casa.
Quem a casa acolhe?
Pessoas com idades de 19 a 40 anos integram a lista que se forma para atendimento na nova casa de acolhimento da cidade. Terão acesso ao serviço pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade acima dos 18 anos. Casos de pessoas mais jovens que eventualmente estiverem sendo vítimas de violência de gênero ou de outras situações relacionadas a isso serão recebidos, porém encaminhados a órgãos especializados da infância e adolescência, como o Conselho Tutelar.
A permanência de cada pessoa acolhida deverá ser de um ano, período no qual poderá completar a escolaridade, caso ainda não tenha se formado, ou mesmo se preparar para provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Na casa serão disponibilizados cursos e atividades em artesanato, panificação, confeitaria, assim como capacitação em informática, em parceria com o Senac.
Cuidados com a saúde mental e assistência social, com amparo nas demandas individuais de cada acolhido, serão prioridades do serviço, que está firmando parcerias com instituições de Ensino Superior do município, para ir além do acolhimento básico: dormitório, banho e refeições.
— Vamos dar uma segunda oportunidade na vida dessas pessoas, que poderão aprender ofícios e depois colocar seus conhecimentos em prática, sendo inseridas, de fato, na sociedade — conclui Cleo.
De acordo com ela, o atendimento é voltado para moradores de Caxias do Sul. Porém, em caso de demanda por parte de pessoas que venham de outros locais, o serviço prestará acolhimento, levando em consideração a capacidade do espaço, que comporta até 20 pessoas.
:: A Casa de Acolhimento Construindo Igualdade mantém abertos os canais de colaboração, de qualquer quantia em dinheiro, para manter o serviço. Transferências podem ser feitas para o banco Santander, agência 4522, conta 13003602-8; ou via Pix, com a chave do CNPJ: 06.192.924/0001-13. Há também a opção de apadrinhamento, com o depósito fixo de R$ 100 mensais, por um ano.
:: Mais informações a respeito do projeto podem ser acompanhadas pelo Instagram e Facebook da ONG. Contato, também, pelo WhatsApp (54) 99161-3078 ou pelo e-mail construindo.igualdadecaxias@gmail.com.
Um lugar de transformação
Toda sucata pode ser transformada em uma obra de arte, ou em algum objeto utilitário, algo completamente diferente de sua função original. Esta é a pesquisa que Marcos Lima Morais vem realizando há pelo menos uma década, construindo um conhecimento que será compartilhado com os acolhidos ao longo de sua permanência. Jornalista aposentado, ele diz defender a causa da sustentabilidade ambiental há mais de 20 anos. Hoje, atua por meio da ReciclaDecor, uma iniciativa que começou em São Paulo e que espalhou-se por diversas regiões do Brasil com o intuito de minimizar impactos à natureza a partir do reaproveitamento de materiais que seriam descartados. O método criado pelo grupo engloba inúmeras técnicas que foram testadas e aprimoradas ao longo de 12 anos.
— Conseguimos transformar quase tudo que a sociedade joga fora; 60% daquilo que é considerado lixo pode ser transformado em obra de arte, indo desde pequenas peças até grandes cascatas, como já fizemos. Queremos oferecer essa formação que, além de envolver a questão ecológica, a arte como ferramenta de transformação, também poderá ser uma possibilidade de empreendimento — afirma o artesão.
Também em parceria com a ONG Construindo Igualdade, a ReciclaDecor promove, neste final de semana, uma atividade aberta à comunidade, que tem como objetivo angariar fundos para a construção de uma sala de cursos aos acolhidos da casa por meio da comercialização de vasos com suculentas, fontes e cascatas produzidos a partir da reciclagem de materiais. O 1º Bazar de Artes ocorre no sábado (24), das 10h às 15h, na Rua Rio de Janeiro, 140, bairro Jardim América. O evento também contará com oficina gratuita ministrada por Morais. Mais informações podem ser obtidas pelo WhatsApp (54) 93300-5843.
SERVIÇO
:: O quê? 1º Bazar de Artes da ReciclaDecor e ONG Construindo Igualdade.
:: Quando? Sábado (24), das 10h às 15h.
:: Onde? Rua Rio de Janeiro, 140, bairro Jardim América.
:: Quanto? Evento gratuito com comercialização revertida para a Casa de Acolhimento LGBT.
— O evento será ao ar livre, com uso obrigatório de máscara.
— Mais informações pelo (54) 93300-5843.