Tal qual o tango argentino ou a roda de capoeira brasileira, a pizza napoletana é um patrimônio cultural da humanidade reconhecido pela Unesco, desde 2017. O disco ornamentado com nada mais do que molho de tomate, muçarela fresca, manjericão e azeite de oliva pode ser simples na receita, mas carrega em cada fatia a identidade do povo de Nápoles, cidade localizada aos pés do vulcão Vesúvio, no Sul da Itália. E foi justamente o "enredo" saboroso por trás dos ingredientes que conquistou o pizzaiolo canelense Peterson Secco, consagrado como campeão brasileiro no preparo da iguaria, no último mês de abril.
É verdade que a primeira massa com a qual Peterson ganhou a vida não foi essa feita de água, farinha, fermento e sal, mas sim outra, feita de cimento, água, areia e cal. O canelense trabalhava como servente de pedreiro quando foi fisgado pelo mundo da pizza durante um jantar de aniversário da irmã, quando tinha 16 anos.
— Eu fiquei encantado com todo o ritual e com a história que aquele lugar contava, e na hora vi que eu queria trabalhar com isso. Pedi emprego e fui contratado como garçom, mas, como era muito curioso, fui aprendendo tudo sobre a parte da cozinha, e logo estava ajudando a fazer as pizzas — recorda o pizzaiolo, de 31 anos.
Da primeira oportunidade na cozinha até se tornar proprietário de cinco pizzarias — quatro delas em Canela — além de diversos pontos de delivery, são 12 anos de imersão na culinária italiana, sem deixar de aprender nem mesmo após ganhar a alcunha de "homem pizza", após feitos como o preparo da maior pizza do Brasil (3,46 metros de diâmetro e 167 kg, feito alcançado em 2019) e de integrar o grupo de 400 pizzaiolos que, na Argentina, produziu 11 mil pizzas em 12 horas — recorde inscrito no Guinness Book.
É na Abbiamo Fatto, uma das pizzarias de Peterson em Canela, que a experiência da verdadeira pizza napoletana se realiza aos olhos do cliente, com ares performáticos. O preparo desde a abertura manual da massa até a retirada do forno a lenha — onde só fica por 90 segundos — segue à risca as instruções da AVPN (Associazione Verace Pizza Napoletana), órgão criado em 1984 para estabelecer os critérios para o que pode ou não ser considerado pizza napoletana:
— Existe uma mística por trás dessa pizza que é supertradicional, mas hoje já não é aquela coisa purista do italiano dando com a bengala na cabeça do brasileiro que coloca coração de galinha em cima da pizza. Há tendências de novos sabores surgindo. O que os italianos pedem é uma harmonia, que se acrescente ingredientes que dialoguem com a região do mediterrâneo, como presunto parma ou outros tipos de queijo, mas não um abacaxi. Se for oferecer abacaxi, faça uma sobremesa — exemplifica.
Embora permita variedades e complementos, dois sabores são obrigatórios no cardápio de qualquer pizzaria napoletana: a marguerita e a marinara. Enquanto a marinara é coberta apenas por tomate, azeite de oliva, orégano e alho, e tem sua origem ligada aos pescadores que levavam uma vida mais empobrecida, a marguerita, mais urbana, ganhou seu nome após ter sido ofertada ao rei Humberto I e à rainha Margherita di Savoia, durante passagem do casal real por Nápoles, em 1889. Os ingredientes selecionados pelo pizzaiolo Raffaele Esposito, que agradaram especialmente à rainha, representam as cores da bandeira da Itália (o vermelho do tomate, o verde do manjericão, o branco da muçarela).
— Quando a pessoa pega uma fatia de pizza napoletana com as mãos e leva à boca, como é a maneira certa de experimentar os sabores propostos pelo pizzaiolo, ela também está conhecendo a história de um povo contada através de um produto. Por isso é tão importante respeitar isso que chamo de enredo da pizza, tão importante quanto o sabor — destaca Peterson.
A certificação obtida junto à AVPN adorna o balcão da Abbiamo Fatto, enquanto um quadro com o número de inscrição entre os associados (774) pode ser visto na parede do estabelecimento. Peterson conta que o papel "fiscalizador" da entidade é cumprido informalmente pelos próprios clientes, especialmente italianos em viagem à Serra:
— Os italianos correm o mundo atrás de pizza e costumam mandar e-mail para a associação, tanto com críticas quanto elogios, e essas mensagens são repassadas para nós. Até hoje só recebemos elogios, o que mostra que estamos honrando a chancela.
Embora a vitória no Campeonato Nacional de Pizzaiolos tenha sido a primeira individual, o grupo de pizzarias gerido por Peterson Secco ostenta cinco conquistas nacionais, obtidas por outros pizzaiolos da casa. O empresário, contudo, considera que ganhar é uma parte menor do que representa participar de concursos mundo afora:
— O mais importante é seguir elevando o nosso nível, trocando experiências com outros pizzaiolos, aprendendo com os jurados. Na pizza napoletana encontrei uma fonte inesgotável de sabedoria a ser buscada.
Como parte do prêmio conquistado em São Paulo, Peterson será um dos três representantes brasileiros no próximo Pizza Challenge, concurso internacional de pizzaiolos que será disputado em março do ano que vem em Las Vegas, nos Estados Unidos. Além do canelense irão representar o Brasil os campeões nacionais nas categorias Pizza Romana (o caxiense Heitor Benatti) e Pizza Clássica (o paulista Marcos da Costa Val Júnior).