Uma pequena capela entre vales e montanhas, um lago, duas palmeiras, uma estradinha contornada por pinheiros, um céu em tons de azul e amarelo. Na madeira, uma profusão de buracos de cupim. Na parte inferior do desenho, a assinatura: "Pintor Ribas, 1935". Todos esses detalhes são percebidos apenas quando adentramos a varanda do antigo casarão onde viveu dona Wanda Lacava Sanvitto, falecida em janeiro último, aos 93 anos.
A pintura ovalada na parede, porém, chama a atenção desde a Rua Matteo Gianella. Alunos e professores do Colégio Santa Catarina, moradores do bairro, motoristas aguardando o sinal, passantes da calçada, ninguém “escapa” àqueles traços singelos, quase infantis, no “corredor”.
– Caminho aqui na frente todo dia e sempre penso no que será dessa casa, no significado desse desenho. Tomara que preservem – comentou recentemente o aposentado Josué Gomes da Silveira, observando o aspecto de abandono: janelas cerradas, vidros quebrados, tábuas carcomidas, mato e lixo no entorno.
Essa particularidade da casa, provavelmente feita por algum artista itinerante ou morador da então 9ª Légua, também é destacada pelo historiador Juventino Dal Bó:
– Em muitas casas antigas costumava-se pintar, no “corredor” – na entrada da casa – ou perto do lavatório, uma paisagem ou uma cena campestre. É um costume comum em algumas regiões da Itália, que também podia ser visto por aqui, em localidades do interior - comenta.
ALTERAÇÕES NAS CORES
Embora conste na obra a data de 1935, a bucólica paisagem provavelmente sofreu diversas alterações em suas cores, acompanhando as pinturas e manutenções feitas no casarão ao longo das décadas. Na foto abaixo, produzida em 2006 para uma entrevista com dona Wanda, o céu aparece totalmente azulado. Também percebe-se uma segunda assinatura na parte externa do medalhão - provavelmente de quem pintou as paredes ou retocou o desenho.
Mistérios que se foram com dona Wanda...
PEDIDO DE TOMBAMENTO
O casarão da Rua Matteo Gianella, hoje pertencente a uma incorporadora, teve o pedido de tombamento aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico Cultural (Compahc), que recomendou sua preservação. Agora, a decisão cabe à administração municipal, leia-se a assinatura favorável - ou não - do prefeito Adiló Didomênico.
Motivos não faltam: além de testemunha da evolução do bairro Santa Catarina e da cidade há quase um século, a casa está localizada em um sítio histórico composto por vários outros imóveis de relevância incontestável. Entram aí as edificações restantes do extinto Lanifício Gianella, o Museu Ambiência Casa de Pedra, a Igreja de Santa Catarina, o Capitel da Mariana e a antiga Cantina Pão & Vinho, recentemente recuperada.
Conforme revelou dona Wanda Sanvitto, na entrevista concedida em 2020 à Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dippahc), trata-se de uma das primeiras casas construídas com madeira beneficiada, na década de 1930 – embora muitos arquitetos acreditem que o imóvel tenha sido erguido ainda antes.
– Eu gosto dela ali, eu me criei aí, e acho que ela é o patrimônio do bairro. A primeira casa beneficiada do bairro é a minha. Madeira boa, porque primeiro a madeira era essa comum, qualquer, né? E ela era muito, muito bonita – detalhou dona Wanda à arquiteta e urbanista Rosana Guarese, titular da Dippahc, e ao historiador Anthony Beux Tessari em 2020, quando do pedido de tombamento.