Engana-se quem pensa que o turismo no interior dos municípios da Serra gaúcha fica restrito a quem entende de vinhos ou tem ligação com a cultura dos imigrantes e descendentes italianos. Alguns dias percorrendo o Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves e Garibaldi, Caminhos de Pedra e a rota Cantinas Históricas, ambas em Bento também, são o suficiente para conhecer, ao menos, o básico da enologia, apreciar boas histórias e decoração, além de se deliciar com a gastronomia de nonnas, regada sempre a muita fartura.
E mesmo que a comida típica seja quase sinônimo de carboidratos, o Ristorante Del Pomodoro, no Caminho das Pedras, tem cardápio para intolerantes ao glúten e à lactose, assim como também para vegetarianos e veganos. O restaurante já está na terceira geração da família Menoncin, criado pela nonna Anilde, e hoje comandado pelas chefes Alice e Dauana.
— Abrimos o restaurante no dia 12 de dezembro de 2015. Nossa primeira avaliação do TripAdvisor foi negativa, pois uma cliente vegetariana havia escrito que no restaurante não havia nada para vegetarianos. Imagina o tamanho da nossa decepção na época? Então me questionei: “Como não temos pratos para vegetarianos?”. A maioria dos nossos pratos podia ser adaptada — recorda Alice Menoncin.
A chefe de cozinha diz que a adequação dos pratos foi uma transformação não só no cardápio, como também para quem trabalha. E, hoje, quem precisa das novas opções ao chegar no restaurante é identificado com uma plaquinha na mesa, para facilitar a identificação do cliente e evitar troca de pedidos.
— Nos sentimos muito felizes em poder proporcionar prazer a estas pessoas. Nossa maior satisfação é receber o elogio ‘pude provar todos os pratos que meus familiares provaram’ — diz a chefe, que garante: não há alteração no sabor.
— Os molhos que são usados são os mesmos. Porém feitos todos com muito cuidados, desde a seleção dos ingredientes até a manipulação final dos produtos. Sempre precisamos testar várias vezes as receitas para chegar num sabor agradável ao paladar. A receita que mais deu trabalho foram as porpetas (almôndegas) vegetarianas e veganas. Acredito que foram cerca de 18 meses de testes até chegar à receita atual — ressalta Alice.
Conforme a proprietária, as panelas são separadas e de cores diferentes, e quando um produto sem glúten é manipulado, nada com glúten é manipulado ao mesmo tempo na cozinha para evitar contaminação cruzada.
O Ristorante Del Pomodoro fica no Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves.
Onde as mulheres lideram
A enologia ainda é um setor com mais homens envolvidos – de acordo com a Associação Brasileira de Enologia (ABE), hoje apenas 30 dos 300 associados são mulheres. Entretanto, na vinícola Courmayeur Espumantes e Vinhos essa realidade não se reflete. Dos 18 colaboradores, 13 são mulheres, que também ocupam a gerência: as irmãs Talita e Gílian Nicolini Verzeletti. O fato é tratado quase como um diferencial no local. Inclusive no site da vinícola, onde diz que “não é que os homens não sejam bem-vindos, mas naturalmente, com o avançar dos tempos, a história da Courmayeur passou a ser escrita, predominantemente, por mãos femininas”.
A vinícola foi criada por um grupo de amigos em 1976 e, 10 anos depois, foi adquirida por um grupo da Itália, Cinzano, passando a ser chamada por Courmayeur, nome de uma comunidade italiana localizada no Valle D’Aosta. A família entrou na sociedade em 1990 e, há quase 20 anos, assumiu integralmente a gestão do empreendimento.
— Nossos pais sempre foram muito empreendedores, então nós três temos o perfil assim, ou seja, temos amor por viver os desafios do empreendedorismo, e o amor pelo vinho facilitou unir as duas coisas. Na verdade, a cultura da região indicaria que quem iria assumir seria nosso irmão, o mais velho dos três filhos, (mas) ele se direcionou a outra área. Minha irmã sempre foi o perfil empresária, com formação em ciências contábeis e, por sempre estar ligada a todos os negócios da família, gradativamente, foi assumindo a liderança da empresa. E eu, que já estive atuando em outra área também, me aproximei por último, quando minha irmã relatou a necessidade de expandir os negócios e, assim que terminei a enologia, unimos nossas diferentes personalidades para que a composição ficasse completa — conta Talita, que também é nutricionista.
Para a empresária, a maioria feminina, com certeza, é um diferencial e gera curiosidade, principalmente nos turistas.
— Além de chamar a atenção de quem transita por aqui, sentimos mais afinidade nas ideias e organizações internas. A presença feminina nas demais vinícolas vem ganhando espaço, mas ainda é muito pequena. Há mais presença e formação de mulheres enólogas, mas a parte de gestão ainda é predominantemente masculina — observa ela, que acredita que, com o tempo, mais mulheres serão gestoras, conciliando “a paixão e a delicadeza feminina”.
A Courmayeur Espumantes e Vinhos está localizada na avenida Garibaldina, 32, no acesso secundário ao Vale dos Vinhedos.
“Caminho sem volta é o caminho do vinho!”
Mesmo sem ter o vinho nas raízes familiares, os enólogos Lucas Foppa e Ricardo Ambrosi, ambos com 26, resolveram desbravar a área e, hoje, estão presentes, além do Vale dos Vinhedos, também nos Estados Unidos. E quem se assusta com a idade dos enólogos, se surpreende ainda mais com a idade que eles começaram a atuar na vinificação: 21 anos. Os amigos e sócios se conheceram na primeira escola de enologia do Brasil, o Instituto Federal de Bento Gonçalves, ainda em 2012, quando também começaram a trabalhar juntos na vinícola Tenuta Foppa & Ambrosi. De lá para cá, já foram muitos projetos juntos, incluindo o primeiro vinho e a ida a trabalho para a cidade norte-americana Napa Valley.
— Minha mãe é professora de inglês e tem uma escola de idiomas, lá eu fui estudar espanhol e entrei nesse mundo por conta de um colega, que estudava enologia e me sugeriu ingressar no Instituto Federal. Aceitei a sugestão e me apaixonei pelo mundo do vinho, nunca mais saí! Fiz lá o curso técnico e logo depois a faculdade de Viticultura e Enologia e o resto é história, que passa por duas experiências internacionais com vinho, Espanha e Estados Unidos, além de ter trabalhado para um grupo francês. Caminho sem volta é o caminho do vinho! — conta Foppa.
Mesmo com o conhecimento no Exterior, a admiração e a inspiração são pelas empresas tradicionais brasileiras. A dupla reconhece que “tem que ralar muito” para conquistar a confiança das pessoas.
— Por essa consciência contamos muito com o apoio e até recebemos indicação, recomendação, dessas empresas mais tradicionais e maiores, o que ajuda a superar eventuais dúvidas que o mercado possa ter em relação ao nosso trabalho — analisa o enólogo, que acredita que o maior preconceito é em relação ao uso de carvalho alternativo em pedaços, inseridos nos tanques de inox.
Entretanto, para Foppa, as degustações às cegas e a entrega dos vinhos têm auxiliado no maior conhecimento da técnica:
— Isso rompe o preconceito e mostra que a juventude pode oferecer algo diferente e 100% transparente.
O local onde a Tenuta Foppa & Ambrosi está instalada tem 120 anos de história e foi escolhido para representar a ideia de que a juventude e a tradição podem se unir harmonicamente.
— (Queremos criar) algo que desperte novos sentimentos inesquecíveis nas pessoas. Isso buscamos entregar no líquido, nas experiências enoturísticas e no negócio como um todo – diz Lucas Foppa.
A Tenuta Foppa & Ambrosi fica na Rua Buarque de Macedo, 7.325, em Garibaldi.
Outras novidades nos roteiros turísticos
Desde janeiro deste ano, a vinícola Aurora promove piqueniques em meio aos jardins e também um wine walk para quem gosta de conhecer e degustar novos vinhos. Ambas as programações ocorrem na unidade de Pinto Bandeira.
Os piqueniques são oferecidos aos sábados e domingos, das 10h às 17h, e têm incluídos um box de petiscos para duas pessoas e uma garrafa de vinho da linha Pinto Bandeira ou de espumante da linha Procedências, no valor de R$ 280. Há também opções de box kids, com petiscos e uma garrafa de suco de uva de 500ml, no valor de R$ 70. Agendamentos podem ser feitos no site da Wine Locals.
Já a caminhada em meio aos vinhedos da unidade conta com explicações técnicas e degustações, em um tour guiado com sommelier, por duas horas e meia. Após o passeio, o visitante recebe um box de finger foods e um espumante para curtir a paisagem. O wine walk ocorre de segunda a sexta-feira, às 10h, e tem valor de R$ 250, com um chapéu da vinícola de brinde. Agendamentos podem ser feitos de forma online também pelo site da Wine Locals.
(*) A repórter viajou a convite da agência ConceitoComBrasil