Foi aos 11 anos que o padre Paulo Salvi, 58, começou a frequentar o Seminário Apostólico Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha. À época, ele e mais um grupo de crianças da mesma idade deixavam o interior de Carlos Barbosa para se dedicar aos estudos na estrutura pertencente à Congregação dos Pobres Servos da Divina Providência. Ali, ele viveu sua trajetória como seminarista e pôde, mais tarde, optar pelo sacerdócio. Esta era, muitas vezes, a única forma que as famílias do interior tinham para oferecer estudo e uma formação quase completa aos filhos. Hoje, o processo mudou e seria até impensável para muitos pais entregarem seus filhos pequenos a uma rotina de um seminário. A decisão por se tornar padre envolve uma escolha mais madura, muita vezes, determinada após os 30 anos.
— Quando olhamos fotos do meu tempo, vemos que agora seria impossível. Nem os pais deixariam. A realidade sociológica mudou. No interior, as escolas iam até a quarta série. Onde se ia estudar? No seminário, se tinha o estudo até a oitava série. Hoje, os jovens têm mais oportunidade, as famílias têm menos filhos. Uma vez, ter um filho padre era motivo de orgulho. Agora, muitas famílias até freiam esse desejo — analisa o diretor do seminário.
O Seminário de Caravaggio formou, durante anos, muitos meninos que, atualmente, adultos, encontraram seu caminho em outras profissões, como médicos, advogados, entre tantas outras. Por isso, o padre Paulo gosta de reforçar que ser um seminarista não significa se tornar padre. Para ele, sobretudo, o seminário, ao longo dos seus 58 anos de história, cumpriu seu papel em outra importante formação: a humana.
— Aqui, passaram milhares de seminaristas. Pessoas que estão no meio da sociedade hoje e não são padres. Receberam uma boa educação e discerniram que o caminho não era esse. Então, nada disso é perdido. Não dá para olhar e dizer apenas que não tem ninguém, está falido. É uma visão muito curta.
Com o passar do tempo, a destinação da estrutura também foi mudando em sua forma de atendimento. Hoje, o seminário serve para moradia de sete religiosos da Congregação e, desde 2020, está sem seminaristas (alguns dos últimos 11 candidatos vieram, inclusive, de outros países de língua neolatina). No mesmo contexto, há anos algumas especulações rondam o futuro da estrutura, porém, o padre ressalta que nenhuma decisão está definida. Eventualmente, conforme a demanda, o prédio é cedido para eventos ligados à igreja, como encontros e retiros, e até mesmo particulares, promovidos por empresas.
— Houve até um tempo que funcionou como pousada, mas não faz muito sentido. Também há especulações sobre virar um hotel ou faculdade, mas a verdade é que ninguém quer um prédio velho para ter que adaptar. Precisa-se encontrar, então, um modo que possamos ajudar algum setor da sociedade e que seja coerente com o jeito de ser da nossa congregação — comenta o padre Paulo.
Para padre, número de ordenações se mantém
À frente do Seminário Maior São José, em Caxias do Sul, o padre Marciano Guerra lida, diariamente, com rapazes que veem na vida religiosa o destino para as suas vidas. Diferentemente de décadas passadas, não há mais a opção de ingresso, ainda na adolescência, no Seminário Nossa Senhora Aparecida, o qual recebeu jovens para formação humana e cristã até 2018. Dos mais de 2 mil alunos que frequentaram o espaço, 206 foram ordenados padres e, alguns, bispos.
Hoje, a acolhida para aqueles que querem seguir o sacerdócio ocorre, principalmente, para homens que já estão na vida adulta, fruto de uma decisão mais amadurecida e mais planejada. Para o padre Marciano, o formato de acolhimento mudou, acompanhando a própria evolução da sociedade, mas não significa, contudo, que menos homens estejam chegando à ordenação na Diocese de Caxias do Sul:
— Se na época dos grandes seminários a perseverança de sacerdotes (rapazes que decidiam seguir estudando até se tornarem padres) era de 10%, hoje, a perseverança é de 60% a 70%. Aqui, nesta casa, já entram os jovens que desejam, de fato, assumir o sacerdócio. Tem um seminarista aqui que entrou com 33 anos, outros com 27. É um perfil de quem faz um processo de escolha — analisa o reitor do Seminário Maior São José.
O padre Marciano observa que quem busca o seminário também acompanha um processo, muitas vezes, iniciado ainda na adolescência, com a participação em atividades paroquiais, como em grupos de jovens, ou mesmo antes, como coroinhas em missas. Ou seja, o chamado para a vida religiosa não ocorre ao acaso; geralmente, há um caminho trilhado anteriormente, e, atualmente, feito ou não ao lado da família.
Antes de o ingresso ao Seminário Maior São José ser aprovado, o jovem é acompanhado por aproximadamente um ano para ter certeza de sua decisão.
— Fazemos o acompanhamento com uma equipe multidisciplinar para que a vivência no seminário não seja uma fuga, frustração ou até medo de enfrentar a realidade. Em 2020, por exemplo, foram nove jovens que fizeram o acompanhamento e cinco que entraram. É bem interessante, porque eles trazem uma bagagem de vida, de mercado de trabalho, de namoro. É diferente de receber um menino de 13, 14 anos — comenta o padre.
Aos 32 anos, sendo um dos padres da geração mais jovem na Diocese, Marciano também comenta sua própria experiência e formação no sacerdócio:
— Meus pais se surpreenderam com a minha decisão, mas sempre me apoiaram, do início ao fim. Eles sempre ajudaram na paróquia, então, sabem como é ser padre. Além disso, tenho dois irmãos mais velhos, tenho sobrinhos — comenta Marciano, que é natural de São Marcos.
Onde a religião e a ciência se unem
Foi somente por volta de 21 anos, depois de ler o livro Confissões, de Santo Agostinho, durante uma viagem a Londres, que o padre Daniel D'Agnoluzzo Zatti, agora com 34, teve certeza que seu futuro estava em seguir na vida sacerdotal. Em suas escolhas, ele carrega duas áreas que para muitos não se "bicam": ciência e religião. Isto porque, antes de ser ordenado, o religioso se formou em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
— Quando eu voltei de viagem, eu senti essa resposta. Eu senti um respeito muito grande dessa decisão por parte dos meus pais. No início, até senti um resquício de receio, mas, depois, minha mãe aceitou e acolheu — conta ele, que é filho do único e assumirá, em breve, como responsável pela Paróquia São Ciro.
Após a graduação, concluída aos 23 anos, padre Daniel entrou para o seminário, deixando de lado as fórmulas e tubos de ensaio. Hoje, ele une as duas áreas em seu mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e ilustra bem o perfil de sacerdotes da igreja contemporânea, que acolhe vocações mais tardias e com múltiplos perfis.
— O que nos vemos hoje é que o imaginário popular coloca as duas áreas em contraste, isto é algo a ser resolvido, especialmente, na base da informação. Ainda existem muitos preconceitos a serem superados na relação da fé com a ciência. Nós percebemos que na teoria não existe nenhum tipo de contrariedade, de contradição das duas áreas de conhecimento. Cada uma tem um método diferente e cada uma vai dar respostas a perguntas diferentes. A ciência vai nos dizer como as coisas acontecem e a religião sempre vai dar o porquê das coisas — pontua o padre Daniel.
"É uma missão"
Embora não esteja atrelada diretamente à formação de padres, a capacitação de diáconos permanentes é um importante braço da Igreja Católica nos trabalhos realizados nas comunidades. São homens casados ou solteiros, a partir dos 35 anos, que dedicam parte do seu tempo a serviço da evangelização. Eles podem, por exemplo, assumir trabalhos pastorais e ministrar alguns sacramentos, como batismo e casamento nas paróquias onde vivem.
Assim, em março, a Diocese de Caxias do Sul dará início a um projeto antigo e considerado muito importante para os religiosos da região: a Escola Diaconal São Filipe, que pretende formar mais de 20 diáconos permanentes de diferentes cidades da Serra até 2025.
Um dos voluntários que estará à frente dos trabalhos da escola é o professor Henrique Rausch, 45 anos, morador de Caxias do Sul. Casado há 25 anos e pai de dois filhos, ele receberá a ordenação de diácono permanente em abril, em Novo Hamburgo. Ele denomina a formação e seus trabalhos na comunidade como a resposta a um "chamado".
Atuante em movimentos da Igreja, ele conta que sentiu a necessidade de buscar pela formação há cerca de nove anos. Soube então, sobre o curso de diáconos permanentes, que à época tinha a escola mais próxima em São Leopoldo.
— Em 2016, eu pedi para o pároco da Imaculada (Paróquia Imaculada Conceição) para conversar com o Dom Alessandro, que me autorizou a fazer o curso em outra diocese. Neste ano, então, eu ingressei em São Leopoldo e, depois, a escola se mudou para Novo Hamburgo. Foram três anos de formação teológica, filosófica e pastoral. Eu ia em janeiro e julho e ficava 10 dias no internato, com aulas de manhã, tarde e noite — conta Henrique.
O professor lembra que a escola diaconal é uma importante etapa para saber se os candidatos estão preparados ou não para assumir o compromisso com a igreja:
— É uma regra de vida, é estar à disposição do povo. É importante lembrarmos que não é fácil, porque os homens casados, como é meu caso, tem o matrimônio. Não podemos que essa vocação seja deixada de lado. Por isso que é uma missão. Temos que saber se é isso que queremos porque o desafio é grande, mas muito bonito — aponta Henrique.