Do alto da torre de 25 metros de altura, que permite observar a mais de 850 metros de altitude o interior de Flores da Cunha e até identificar alguns municípios vizinhos, tem-se a melhor vista do Travessão Alfredo Chaves. Antes de receber o nome que homenageia um dos ministros da colonização italiana no Brasil, em 1884, o vale foi ponto de parada para tropeiros que faziam a travessia do Rio das Antas, no caminho entre Vacaria e Caxias do Sul. Ali os viajantes descansavam, se divertiam, trocavam mercadorias. Isso por volta de 1820, meio século antes da chegada dos italianos. Dois séculos depois, uma dezena de descendentes de quarta ou quinta geração dos primeiros imigrantes se uniram para costurar uma rota turística que une história, natureza e gastronomia.
O Paradouro do Suco, da família Malacarne, onde a torre em 360 graus foi inaugurada em junho do ano passado, é um dos 11 empreendimentos que formam a Rota Caminhos do Alfredo, cujo lançamento oficial ocorreu no último final de semana. A iniciativa, idealizada e capitaneada pelo enólogo e empresário Edegar Scortegagna, da Gran Neru Presunto Cru, e por Mônica Caldart, da Caldart Graspas Artesanais, quer dar uma roupagem turística à colônia que nada deixa a desejar se comparada a outros passeios por regiões vizinhas: os produtos são bons, as paisagens são bonitas, os moradores têm história para contar.
- As famílias que chegaram por volta de 1880 são as mesmas que ainda vivem e trabalham aqui. O interessante nesta sucessão é que são jovens que buscaram conhecimento, especialização, e agora enxergaram o potencial dessa região para atrair visitantes. Isso demandou investimento, estruturação e criação de um mix de produtos, que unem a tradição desse lugar com ideias modernas dentro do enoturismo rural - comenta Scortegagna.
Um dos chamarizes da rota, que também pega parte do interior de Nova Pádua, são experiências que envolvem a degustação de produtos diferenciados, como o próprio presunto cru da Gran Nero, primeira empresa a oferecer a tradicional iguaria italiana no Brasil. O produto é fruto de oito anos de pesquisa com apoio da Embrapa, a fim de descobrir a mistura ideal de raças e a alimentação ideal para dar mais e melhor sabor, e que tivesse a gordura mais saudável. No final, sementes de granola, gergelim e linhaça foram a composição que serviu de trato para a fase final dos animais, garantindo um produto diferenciado.
- Essa é uma tradição italiana, mas não das mesmas regiões que colonizaram a Serra, que são predominantemente do Vêneto e Trentino, e faziam o lombo defumado, por exemplo. O presunto cru é mais comum nas regiões de Parma e Friuli - explicou Scortegagna a um grupo de jornalistas e influenciadores convidados a conhecer a rota turística no último final de semana.
Também a Vinícola Malacarne investiu na qualidade do produto como um diferencial para o seu Paradouro do Suco. Embora haja no mercado diversos sucos que ostentam no rótulo o 100% integral, fato é que a legislação brasileira permite certas adições. Apenas 13 empresas da América Latina, contudo, podem fazer uso do selo de Suco Puro, sem conservante, água ou açúcar. Uma delas é a Malacarne, que ainda oferece aos visitantes, além da vista da imponente torre inaugurada em julho deste ano, um passeio de 30 minutos pelo Travessão Alfredo Chaves e seu entorno a bordo de um caminhão adaptado para o turismo, com saídas para grupos a partir de 10 pessoas.
- Faz parte da nossa cultura crescer ouvindo essas histórias e estar no meio delas. Com o tempo a gente vai se interessando em aprender como foram as coisas, e descobre que o Alfredo tem muito mais histórias do que a gente pode imaginar. O pedaço de terra que hoje está um pouco abandonado era a rodovia de antigamente. Cada canto ajuda a contar a história de diversas famílias - comenta a administradora do Paradouro do Suco, Isadora Malacarne, que faz as vezes de guia turístico no passeio do caminhão, enquanto o pai, Gilmar, dirige.
Outro atrativo que une a degustação a boas histórias é a visita à propriedade da família Caldart, uma das que ajudaram a povoar a localidade. É onde está o Campo Santo dos Imigrantes, cemitério que foi o primeiro Patrimônio Histórico Cultural tombado de Flores da Cunha. A família também construiu, num galpão de madeira, um memorial com dezenas de pertences de seus antepassados, que ajuda a contar a trajetória de quase 150 anos da imigração italiana. Há desde utensílios domésticos "de quando não havia a Tramontina", segundo brinca a condutora do passeio, Fátima Caldart, até honrarias de guerra, além de espaços que recriam ambientes como os quartos e as salas de aula de antigamente, inclusive com estante de livros e cadernos.
A visita também passa pelos vinhedos da família, onde algumas videiras plantadas há mais de 100 anos ainda produzem em meio aos pés mais recentes. Se for durante a vindima, que iniciou oficialmente no último sábado, junto com o lançamento da rota, dá pra saborear uma uva Isabel direto do pé. O carro-chefe da atração, no entanto, são as graspas artesanais, bebida alcoólica de tradição colonial, que beira os 50% de álcool. No pavilhão onde são produzidas as cachaças feitas do bagaço da uva, a família preserva antigos alambiques, embora a produção se dê em destiladores modernos.
Se a intenção, contudo, não for a de fazer um passeio étnico-gastronômico, mas sim curtir um dia de caminhada em meio a natureza, a pedida é a trilha pela propriedade da família Bordin. Com seis quilômetros e um total de três horas de duração (não é preciso fazer todo o percurso, contudo), a caminhada autoguiada leva uma queda d 'água e a mirantes que permitem observar o vale do Rio das Antas sob diversos ângulos. Não há venda de produtos, mas é possível levar comida e bebida para o piquenique.
Não seria uma rota turística pela Região da Uva e do Vinho se não houvesse vinícolas, é claro. E nos Caminhos do Alfredo as famílias produtoras da bebida típica capricharam para se adequar à proposta turística, unindo a qualidade do produto a experiências que fazem valer a visita. Na Terrasul Vinhos Finos e na Vinhos Fabian, por exemplo, pode-se experimentar variedades direto das barricas onde a bebida matura até estar pronta. Na vinícola Viapiana, o diferencial é a possibilidade de experimentar o almoço harmonizado no Gazoldo Trattoria, restaurante próprio da empresa.
As vinícolas instaladas no Travessão Alfredo Chaves e algumas do seu entorno viveram juntas a luta para conseguir a Indicação de Procedência Altos Montes, cujo nome faz referência à altitude da região, que varia entre 550 e 850 metros acima do nível do mar. As condições climáticas e de altitude têm relevância para a qualidade da uva plantada na região _ o chamado terroir _ o que reflete na qualidade dos vinhos elaborados e justifica o interesse em dar a distinção do local como uma espécie de selo de qualidade, conferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Tendo a IP aprovada em 2012, em janeiro do ano passado ocorreu uma degustação às cegas dos 11 primeiros rótulos candidatos a receber o selo. Todos foram aprovados e os primeiros vinhos certificados com a IP Altos Montes chegaram ao mercado em julho de 2021. Os vinhos da safra 2021 chegaram ao mercado em março deste ano.
Uma das vinícolas que receberam o selo é a Bebber, que também integra a rota de enoturismo Caminhos do Alfredo. Além da qualidade da bebida, chama atenção o casarão onde a vinícola está instalada, que ganhou a companhia de um charmoso wine bar inaugurado no segundo semestre do ano passado, onde é possível fazer degustações a céu aberto e com todo o conforto. O enólogo responsável, Felipe Bebber, comenta que a opção da família em unir vinicultura e turismo foi uma forma de buscar se diferenciar num mercado acirrado:
- Quando começamos a ter mais visibilidade, graças a algumas premiações, algumas pessoas começaram a vir aqui querendo conhecer a vinícola, e nós não estávamos preparados para recebê-las. Investimos, então, no restauro do casarão, e, conforme foi ficando mais bonito do que imaginávamos, demos esse passo além que é o wine bar, utilizando o jardim, dando a oportunidade às pessoas de passar o seu dia aqui com a gente. A pandemia nos assustou um pouco, mas também fez as pessoas beberem mais vinho e despertarem para o valor do vinho nacional, o que nos deixa muito otimistas - avalia Bebber.
A rota, por conceito, não é um pacote turístico, que possa ser comprado em agência, tampouco é um roteiro, a ser feito com começo, meio e fim. São passeios que se complementam, mas cabe ao turista escolher onde vai e quanto tempo irá passar em cada lugar. Ao pegar a estrada rumo ao Travessão Alfredo Chaves, as placas que sinalizam as atrações podem servir de guia, porém a melhor experiência parece ser a de deixar que a própria rota surpreenda com sua paisagem, com seu vinho, com sua gente.
SERVIÇO
1 - Caldart Graspa Artesanal
Atendimento: terça a sábado, das 9h às 17h; domingos somente com agendamento.
Mais informações: (54) 3297-5289 e (54) 99966-7111.
2 - Paradouro do Suco
:: Visitação: sábados e domingos, das 13h30 às 19h00; durante a semana, mediante reserva.
:: Mais informações: (54) 3297-5080 e (54) 3297-5001.
3 - Vinhos Fabian
:: Visitação guiada: segunda a sexta, às 10h, 14h e 16h; aos domingos, às 15h30, sob agendamento.
:: Visita com degustação: de segunda a sexta, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 18h; sábados, das 9h às 12h; feriados, sob agendamento.
:: Mais informações: (54) 3296-1399 e (54) 99994-9033.
4 - Terrasul Vinhos Finos
:: Visitações e degustações: mediante agendamento.
:: Mais informações: (54) 3297-5051 e (54) 99917-7774.
5 - Vinhos Viapiana
:: Degustação no Wine Bar: segunda a sexta, das 9h às 17h; sábados, das 10h às 16h; domingos e feriados, das 10h às 14h.
:: Visita com degustação: segunda a sábado, às 10h30 e às 15h; domingos e feriados, às 10h30.
:: Horários do restaurante: almoços de quinta a domingo, das 12h às 14h. Jantares exclusivos para grupos acima de 15 pessoas, mediante reserva.
:: Mais informações: (54) 99612-1986.
6 - Vinícola Bebber
:: Loja: segunda a domingo, das 10h às 17h.
:: Wine Bar: sexta a domingo, das 11h às 17h.
:Degustação orientada: segunda a sexta, às 10h30, 14h e 16h; sábados e domingos, às 10h30, 11h30, 13h30 e 15h.
:Mais informações: (54) 99935-1780.
7 - Vinícola Scortese
:: Atendimento comercial: segunda a sexta, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 17h30.
:: Mais informações: (54) 3297-5023.
8 - Gran Nero Presunto Cru
:: Visitações: sob agendamento.
:: Mais informações: (54) 3297-5175.
9 - Sucos Della Famiglia
:: Visitações: sob agendamento.
:: Mais informações: (54) 3297-5163 e (54) 92000-9908.
10 - Cantina Gelain
:: Visitações e eventos: sob agendamento.
:: Atendimento na vinícola e varejo: segunda a sexta, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 17h30.
:: Wine Bar: sábados e domingos, das 14h às 18h.
:: Mais informações: (54) 3297-5063 e (54) 99691-1220.
11 - Colônia Família Bordin
:: Atendimento: segunda a domingo, das 8h às 18h.
:: Trilha: necessário agendamento.
:: Mais informações: 54) 99623-4080.