Quando o afastamento social provocado pela pandemia vier abaixo da mesma forma que foram derrubados os tapumes que nos últimos anos serviram para encobrir as obras de restauro de um tesouro da história de Caxias do Sul, e o convívio voltar a ser regra, o Pátio da Estação estará pronto para ser esse local de celebração. No Largo da Estação Férrea, com acesso pela Rua Olavo Bilac, em São Pelegrino, o novo espaço de gastronomia, lazer e serviços da cidade surge para unir o que há de mais histórico – a relação de Caxias com o trem e suas vinícolas – e o que há de mais moderno.
Inspirado em mercados gastronômicos que ganham cada vez mais espaços nas grandes cidades europeias, conceito que recebeu o nome de “food hall”, uma espécie de atualização das praças de alimentação, unindo-as a atrativos de lazer, muitas vezes a céu aberto e em prédios históricos. No caso, aqui estamos falando das antigas instalações da Cooperativa Vinícola Caxiense e da Companhia Vinícola Rio-Grandense, estruturas quase centenárias que cresceram junto ao auge do trem em Caxias, na primeira metade do século passado.
À frente do empreendimento está Carolina Grazziotin, filha de um dos proprietários, Francisco Grazziotin, e neta de Edgar Grazziotin, que migrou de Bom Jesus há cerca de cinquenta anos e iniciou a tradição da família no ramo médico-farmacêutico (Francisco é dono da tradicional Farmácia Central, na Avenida Júlio de Castilhos). Carolina foi uma das poucas descendentes que optou por um ramo fora da área da Saúde, seguindo pela Hotelaria e Turismo.
– Ao mesmo tempo em que a gente confia muito na questão das pessoas estarem ávidas por se encontrar, se conectar, e a buscar entretenimento em locais seguros e arejados, é muito bacana ver como há pessoas dispostas a empreender após a pandemia, com propostas muito modernas e pra frente. Pudemos selecionar muito bem nossos parceiros, não num sentido de exclusão, mas de evitar concorrências internas e privilegiar segmentos que se complementem – comenta Carol.
A família tem como parceiro na concepção do Pátio o arquiteto caxiense Renato Sólio, reconhecido principalmente por trabalhos na área de preservação de patrimônios históricos, como o conjunto arquitetônico do Instituto Hércules Galló, em Galópolis.
– Essa área era um vazio urbano bastante significativo, duas quadras, que agora começa a ganhar vida e isso é muito importante para a cidade. Os proprietários deram a condição de desenvolver o trabalho mais interessante, tanto pela preservação quanto pela ocupação, indo de encontro a uma tendência que se observa nos últimos anos, que é a entrada da linguagem industrial entrando muito forte na arquitetura de interior, dentro desta realidade de muitos prédios que tiveram o uso industrial sendo preservados para ganhar nova atividade, com um estilo mais despojado – aponta Renato.
Foco na gastronomia
Com 11 mil metros quadrados, o complexo conta com cerca de 25 salas comerciais em suas duas fases, sendo que a segunda está em construção e deve ser concluída até o final do ano que vem. Restam poucos espaços disponíveis para locação. Desde o começo do mês, já operam no Pátio uma filial do Croasonho e outra do La Brasa Burguer; dois bares com foco em drinks, o The Met Station e o BOT.; um salão de eventos para até 500 pessoas, o Villa Basílico; um restaurante de culinária típica da Serra, o Santini Ricci Gastronomia; e o Mr. Frank Food Hall, bar e espaço gastronômico comandado pela própria Carolina Grazziotin, que terá enfoque nas culinárias italiana, mexicana e espanhola.
Outras ideias compartilhadas entre os empreendedores que dão a largada no Pátio são a valorização do domingo como um carro-chefe e a aposta na música ao vivo como um chamariz, além de outros atrativos culturais que devem figurar em eventos específicos, como dança e teatro.
– Além dessa inspiração europeia, a gente também quer trazer para Caxias um pouco do que já existe bem perto de nós. Em Canela ou Gramado, por exemplo, é muito comum ver músicos tocando na frente das lojas. É um tipo de entretenimento que a gente se acostumou a pegar o carro no fim de semana e ir buscar em outras cidades, mas por que não ter aqui? – observa Carolina.
Moderno é preservar
A área do Pátio da Estação que já está operante desde o começo deste mês, em São Pelegrino, compreende os pavilhões da antiga Cooperativa Vinícola Caxiense, que foi adquirida pela família Grazziotin em 2010. A vinícola surgiu em 1930, do esforço de 50 cooperativados e, durante seu auge chegou a ter capacidade de armazenamento de três milhões e meio de litros. Entre alguns rótulos famosos, o carro-chefe era o Casto, que chegou a ser um dos mais consumidos no centro do país. O slogan deste vinho era “Orgulho de ser caxiense”.
A Companhia Vinícola Rio-Grandense, por sua vez, tinha como sede principal o prédio da Rua Os Dezoito do Forte que hoje abriga um centro universitário, mas também tinha um de seus pavilhões na Rua Olavo Bilac, esquina com a Feijó Jr. É onde está sendo construída a fase 2 do Pátio da Estação.
A Rio-Grandense foi fundada em 1929 e teve como principal rótulo o Granja União, que também fez sucesso nacionalmente. Encerrou as atividades no complexo da Rua Olavo Bilac no início dos anos 2000, quando iniciou o trâmite de leilão do terreno e os serviços foram transferidos para a Cooperativa Vinícola Forqueta.
Além da importância histórica para o desenvolvimento de Caxias do Sul e do fortalecimento da vitivinicultura na região, a Cooperativa e a Companhia também ativam memórias afetivas de pessoas que trabalharam nestas empresas ou que apenas interagiam com o espaço. Foi também pensando nisso que o projeto do Pátio da Estação contempla uma rua pública, que irá ligar a Olavo Bilac com a Praça das Feiras.
– Esse é outro ponto muito bacana, porque mesmo ainda em obras muitas pessoas de mais de 50 anos vêm ver o trabalho que está sendo feito e nos contam memórias de passar por aqui para ir para a escola, alguns já nos trouxeram fotos. A intenção da família nunca foi erguer prédios nesse terreno, mas sim respeitar a memória e a importância desse espaço para a memória coletiva de Caxias – comenta Carol Grazziotin.
Além de ativar as memórias dos moradores mais antigos, o arquiteto Renato Sólio comenta que o projeto também previa permitir que o próprio prédio “contasse’ sua história, através das marcas deixadas pelo tempo:
– Principalmente dentro do prédio principal a gente quis manter dentro da estrutura dos prédios alguns recortes de reboco, onde as pessoas poderão perceber as diferentes camadas de acabamentos e cores que foram utilizadas ao longo de cerca de 80 anos.
Redescoberta de um patrimônio caxiense
O Pátio da Estação surge não apenas num momento em que a pandemia começa a ser controlada e a permitir uma certa retomada da normalidade em nossas rotinas, mas também em meio a uma própria retomada do Largo da Estação Férrea como espaço de cultura e lazer, que pode ser potencializado pela simbiose entre o município e a iniciativa privada.
Não é por acaso que nos últimos dias ocorreram nessa área histórica o concerto de Dia das Crianças da Orquestra Municipal de Sopros e o Aldeia Sesc, e que neste fim de semana será realizado o Festival Sálvia, na Praça das Feiras.
A secretária municipal de Cultura, Aline Zilli, ressalta que a Estação é um ativo cultural do município, que simboliza toda a potência de transformação da própria Caxias do Sul.
– A gente diz que o progresso passa pela Estação, pela chegada do trem, e acredita que ela também pode ser fonte dessa retomada cultural e artística, principalmente com parcerias que temos feito com outros entes.
Aline comenta que a gestão pretende aproveitar o momento de saída da pandemia para priorizar a vocação criativa da Estação, com o olhar voltado para a inovação, que considera atentamente a otimização dos recursos.
– É necessário ocupar esse espaço cada vez mais com vida, com atividades artísticas, com uma programação variada e eclética, que atenda a todos os públicos, respeitando o que ele já tem de essência e de história.