Antes de explicar que o filme francês Alice e o Prefeito, de Nicolas Pariser, é a estreia da semana na Sala de Cinema Ulysses Geremia, do Centro de Cultura Ordovás, lhes convido para uma jornada de divagação e imaginação. Suponha que o prefeito de Caxias do Sul, Adiló Didomenico, ou o governador Eduardo Leite, ou ainda o presidente Jair Messias Bolsonaro decidissem contratar uma mulher para fazer parte de suas equipes. Ok, até aqui nada demais, certo?
Não perca o fio da meada e siga a trama de ideias. E se além de ser uma mulher ela tivesse sido selecionada porque é intelectual e estudou filosofia? E, mais ainda, e se a missão dessa nova funcionária fosse estimular o Adiló, o Leite ou o Bolsonaro a pensar. Sim, a pensar e para ativar a mente deles com novas ideias. É quase como contratar um maratonista para ensinar jogadores de futebol a correr. Enfim. Mais do que estranha, essa ideia de contratar alguém simplesmente para estimular a reflexão e com ênfase no intelecto só poderia ter sido forjada pelos franceses.
Nicolas Pariser assina o roteiro e a direção de uma trama sucesso de público e crítica que foi, inclusive, elogiada pelo presidente francês Emmanuel Macron. Quem lê o título da obra e vê meia dúzia de fotos de divulgação pode fazer uma pré-avaliação equivocada do filme. Não se trata de uma comédia romântica que une gerações díspares em uma história comovente de amor.
Em suma, é um filme pretensioso que vai nos enredando em uma teia que discute a importância do pensamento, do choque de ideias como um processo de atrito (necessário e positivamente) filosófico. Mas não no sentido da ideia pela ideia, mas da justaposição de percepções e depuração de argumentos em perspectiva de aplicação efetiva do que se propõe com palavras.
Fabrice Luchini interpreta o prefeito Paul Théraneau que reconhece diante da protagonista Alice Heimann (Anaïs Demoustier): “Eu não consigo mais pensar. Sinto que faz mais de 20 anos que não penso mais”. Ao que Alice rebate: “A filosofia é ótima, mas não é terapia”, como quem diz que prefeito deveria se tratar desse bloqueio. No entanto, conforme o filme avança percebe-se que a história particular do prefeito é amplificada pelo dilema universal pela qual a política como um todo atravessa: como aliar a renovação de pensamento a ação.
Preste atenção, ao assistir ao filme, a toda ambientação da prefeitura. São salas e mais salas com pé direito alto, separadas por portas e mais portas. Em muitos desses ambientes há apenas mobílias e, em outros, apenas poltronas que ninguém se senta. Isso é a transposição visual do vazio das ideias, da falta de reflexão, que deve ser estimulada por um conjunto de pessoas, com visões, inclusive dissonantes, porque a vida não é uma sequência de pragmatismos.
Se você procura um filme tipo um chá expresso desses instantâneos em água morna, fuja de Alice e o Prefeito. Mas se você quiser mergulhar nesse universo que reconduz a necessidade de não deixar as ideias morrerem, de paixão pela intelectualidade, de apego quase religioso à reflexão, como um ato de resistência até, encare as sessões de quinta a domingo na sala de cinema do Ordovás.
E se fervilharem muitas ideias, sugiro ainda um bate-papo entre amigos (mesmo aqueles de pensamentos conflitantes) à mesa do Zarabatana Café, sempre um ambiente afável à filosofia nossa de cada dia.
Agende-se
:: O que: Alice e o Prefeito (França, Bélgica/2019), de Nicolas Pariser, com Anaïs Demoustier, Fabrice Luchini, Antoine Reinartz, Léonie Simaga, Nora Hamzawi.
:: Quando: De quinta a domingo, às 19h30min (em cartaz até 10 de outubro)
:: Onde: Sala de cinema Ulisses Geremia (Centro de Cultura Ordovás - Rua Luiz Antunes, 312 - Caxias)
:: Quanto: Ingressos a R$ 5 (meia) e R$ 10.