Uma criança recém-nascida é uma figura quase imaculada, geralmente símbolo de alegria e pureza. A chegada de uma bebê marca o início do drama francês O Mundo de Gloria, estreia da semana na sala Ulysses Geremia, com um intuito que parece sugerir justamente a antítese disso. O bem-estar de uma família reunida em torno daquele pequeno e indefeso ser logo dá espaço a um panorama muito mais pessimista e brutalmente real. A narrativa conduzida pelo experiente diretor Robert Guédiguian (de Marie-Jo e Seus Dois Amores e Uma Casa à Beira-Mar) ocupa-se na missão de radiografar o contexto social que receberá a pequena Gloria, que dá título ao filme. O diretor quer mostrar que tipo de ambiente aguarda uma criança nascida em família pobre na Europa contemporânea.
Gloria é filha de Mathilda (Anaïs Demoustier), uma jovem sem esperanças que trabalha como atendente de loja; e de Nicolas (Robinson Stévenin), um esforçado motorista de Uber. No entorno familiar da recém-chegada bebê também está a avó Sylvie (em ótima performance de Ariane Ascaride), que trabalha como auxiliar de limpeza; o avô “emprestado” que trabalha como motorista de ônibus; e o avô biológico ex-presidiário. Um casal de ricos emergentes completam a família como os tios de Gloria – eles também são os responsáveis por imprimir no filme a crítica visão que o diretor tem sobre a burguesia.
Os primeiros 30 minutos de O Mundo de Gloria são um pouco mornos. A narrativa ganha força ao adentrar no contexto social de cada um dos personagens, viabilizado principalmente por conta das relações de trabalho. Sylvie, por exemplo, recusa-se a participar de uma grave junto a outros trabalhadores da limpeza porque tem medo de perder o emprego. Já o pai de Gloria é afastado do trabalho como motorista de Uber por conta de um braço quebrado e passa a perseguir a médica responsável pelos laudos, no intuito de que ela libere seu retorno ao volante. Em ambos os casos, o desespero para conseguir se manter economicamente – agravado com a chegada de uma criança – é o combustível dos personagens. Na outra ponta, o casal de tios ricos da menina vive de explorar justamente pessoas desesperadas por dinheiro, que visitam sua loja de itens usados para vender pertences.
O mundo que o cineasta francês apresenta à bebê Gloria, e ao espectador, traz o recorte de bairros pobres de Marselha, onde há exploração de mão-de-obra, crueldade contra imigrantes, brigas por território entre taxistas e motoristas de Uber, enfim, desesperança e luta por sobrevivência. Nesse contexto, o filme também ambienta as vielas das relações interpessoais.
Além de Gloria, esse universo também é de certa forma apresentado ao avô da menina, recém-saído da prisão. Acostumado à aspereza do mundo, a ele restou a tentativa de interferir no ambiente com uma ferramenta artística – no filme, ele escreve poesias. O personagem está alinhado a uma das convicções mais fortes de Guédiguian, a de que “a arte liberta”.
PROGRAME-SE
- O quê: drama francês O Mundo de Gloria, de Robert Guédiguian.
- Quando: estreia nesta quinta (22) e fica em cartaz até o dia 1º de agosto, com sessões sempre de quinta a domingo, às 19hmin.
- Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312), em Caxias.
- Quanto: ingressos a R$ 10 e R$ 5 (estudantes, idosos e servidores).
- Classificação: 12 anos.
- Duração: 1h46min.